Nas primeiras semanas de seu governo, Javier Milei iniciou os ataques às condições de vida da população com pacotes econômicos que visam uma mudança profunda no regime político argentino, um golpe de Estado.
Desde que assumiu a presidência, no dia 10 de dezembro, Milei já promulgou dois grandes pacotes, via Decreto de Necessidade de Urgência (DNU). Essas novas legislações puseram abaixo mais de 300 normativas anteriores que regulamentavam e protegiam a economia argentina.
As medidas ocasionaram o primeiro choque do novo governo com a classe operária argentina. O DNU será avaliado, em até 10 dias, por comissões das duas câmaras do Congresso Argentino. Caso seja recusado, será revogado.
Para o economista Fabio Rodriguez, da Universidade de Buenos Aires (UBA), Milei “parece que ao jogar no limite, ele faz um teste de tolerância”. “Ele aposta nos 55% de votos que recebeu e faz logo no começo porque sabe que se o tempo passa as pessoas começam a perder a tolerância e o apoio vai caindo. Então ele joga essas medidas muito duras para ver se a sociedade está realmente disposta”.
Primeiro pacote
O primeiro pacote foi anunciado pelo ministro da Economia, Luis Caputo, no dia 12 de dezembro. A intervenção, além de modificar a estrutura organizativa do governo, teve um reflexo imediato no câmbio, uma desvalorização oficial de 54% e nos preços ao consumidor, com inflação oficial estimada de 20 a 30%.
Foram as seguintes medidas do primeiro pacote:
- Não se renovam os contratos do Estado com menos de um ano de vigência;
- Decretada a suspensão da propaganda oficial do governo nacional por um ano;
- Redução de ministérios de 18 para 9 e secretarias de 106 para 54;
- Redução ao mínimo a transferência do Estado nacional para as províncias;
- Não serão solicitadas novas obras públicas e serão canceladas as obras já licitadas que ainda não começaram;
- Redução de subsídios em transporte e energia;
- Manutenção das políticas sociais como o Asignación Universal por Hijo (espécie de Bolsa Família argentino) e cartão alimentação, com aumento de seu valor;
- Manutenção do plano de geração de empregos ‘Potenciar Trabajo’;
- Fixação do câmbio oficial em 800 pesos, aumento provisório do imposto PAIS e retenção da exportação de produtos não-agropecuários;
- Mudança do sistema de importação (SIRA) para retirar autorização prévia.
Segundo pacote
O segundo pacote foi anunciado nesta quarta-feira, dia 20 de dezembro, contendo 30 medidas. Nesta investida, Milei deixou transparecer melhor o caráter golpista do seu governo.
Em um único decreto, garantias das condições de vida da população argentina, como as leis de aluguéis, de gôndolas, e vários outros códigos foram retiradas. Neste mesmo decreto, todas as empresas públicas foram privatizadas, tornando-se sociedades anônimas, várias normativas de proteção à produção interna caíram e o foi implementada a política de céu aberto, que deve destruir as empresas argentinas do setor aéreo.
Seguem elencadas abaixo as 30 medidas do segundo pacote:
- Revogação da lei de aluguéis;
- Revogação da Lei do Abastecimento;
- Revogação da Lei de Gôndolas;
- Revogação da Lei Nacional de Compras;
- Revogação do Observatório de Preços do Ministério da Economia;
- Revogação da Lei de Promoção Industrial;
- Revogação da Lei de Promoção Comercial;
- Revogação dos regulamentos que impedem a privatização de empresas públicas;
- Revogação do regime das empresas públicas;
- Transformação de todas as empresas públicas em sociedades anônimas para a sua posterior privatização;
- Modernização do regime laboral para facilitar o processo de criação de emprego efetivo;
- Reforma do Código Aduaneiro para facilitar o comércio internacional;
- Revogação da lei fundiária para promover o investimento;
- Modificação da lei sobre a gestão dos incêndios;
- Abolição das obrigações das fábricas de açúcar em termos de produção de açúcar;
- Liberalização do regime jurídico aplicável ao setor vitivinícola;
- Abolição do sistema nacional de comércio mineiro e do Banco de Informação Mineiro;
- Autorização para a transferência do pacote acionista total ou parcial da Aerolineas Argentinas;
- Aplicação da política de céu aberto;
- Modificação do Código Civil e Comercial para reforçar o princípio da liberdade contratual entre as partes;
- Modificação do Código Civil e Comercial para garantir que as obrigações contraídas em moeda estrangeira devem ser pagas na moeda acordada;
- Alteração do quadro regulamentar da medicina pré-paga e da segurança social;
- Eliminação das restrições de preços no setor dos pré-pagos.
- Incorporação das empresas de medicina pré-paga no sistema de segurança social;
- Estabelecimento de receitas eletrônicas para agilizar o serviço e minimizar os custos;
- Modificações no regime das empresas farmacêuticas para fomentar a concorrência e reduzir os custos;
- Alteração da Lei das Empresas para permitir que os clubes de futebol se tornem sociedades anônimas, se assim o desejarem;
- Desregulamentação dos serviços de Internet por satélite;
- Desregulamentação do setor do turismo, eliminando o monopólio das agências de turismo;
- Incorporação de ferramentas digitais nos procedimentos de registo de veículos a motor.
Rainha das commodities agrícolas
A política de Milei aprofunda um movimento antigo de desindustrialização na Argentina, e orientação da sua economia como exportadora de commodities agrícolas. Esse processo, sofrido no Brasil, diminui a participação do país na parcela da produção industrial de maior valor agregado, tornando-o exportador de matéria-prima e importador de bens de alto valor agregado.
Nas palavras de Rodriguez: “Em um primeiro balanço, diria que a agricultura se beneficia, e a manufatura associada de origem agrícola também. Aquelas que obviamente têm mercados ou que são dedicadas à exportação, que é um grande setor da economia argentina”.
“Para resumir, eu diria que todos os geradores de renda por commodities estão entre os vencedores, enquanto grande parte dos setores industrial e de obras públicas, que abastecem o mercado interno e são altamente dependentes de importações, estão entre os perdedores”. Completa Rodriguez.
Tomar as ruas
A vitória de Milei é um golpe de Estado contra a população argentina, assim como foram em menor grau os governos Temer e Bolsonaro no Brasil. Saquear os recursos de uma nação é um crime, necessariamente antidemocrático, independentemente da forma.
Como golpe de Estado, o governo Milei deve ser combatido nas ruas pela população mobilizada. A população argentina deve ir às ruas, assim como foram no dia 20 de dezembro, e lutar para garantir os seus interesses.