Na última terça-feira (28/11), o presidente Lula realizou duas indicações que, juntas, configuram um dos maiores erros do governo até o momento.
Foram feitas a nomeação de Paulo Gonet, figura sem qualquer tipo de ligação com a esquerda e os movimentos populares, à Procuradoria Geral da República, e também a de Flávio Dino, atual ministro da Justiça, ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Neste texto nos ateremos à figura de Dino, buscando demonstrar como sua política se coloca frontalmente contra os interesses dos trabalhadores e, assim, por que passa longe de ser alguém confiável para ocupar uma cadeira no já reacionário STF.
Se não bastasse o histórico extremamente direitista de Dino, tendo sido aliado de Aécio Neves, do PSDB, nas eleições de 2014, quando já havia no país o prenúncio do golpe de estado que viria a acontecer, Dino foi capaz de, em menos de 1 ano como ministro da justiça, realizar uma série de medidas reacionárias, antidemocráticas e repressivas contra a população brasileira.
Dentre todas essas ações perniciosas para as causas populares, se destaca em especial o pacote de medidas na área da segurança pública, apresentado sob o nome de “PAS” (Plano de Ação na Segurança), instituído no último mês de julho.
Elaborado com o suposto objetivo de reduzir a criminalidade e a violência, bem como de fortalecer o “estado democrático de direito”, as medidas propostas por Flávio Dino apenas repetem a falida fórmula da direita brasileira de buscar coibir os atos da população que transgridam a ordem vigente através de uma dura e brutal repressão, feita pelas mãos da polícia, e que atinge especialmente os setores mais pobres da sociedade.
Sãos muitas as medidas repressivas do pacote. Destaca-se a proposta de redução do acesso da população a armas e munições, alinhando-se à política do imperialismo de desarmar e docilizar os povos oprimidos, bem como a colocação de diversos crimes na categoria de “hediondos”, tornando-os inafiançáveis, o que a pretexto de reduzir os crimes contra setores mais vulneráveis da população, na verdade tende a acirrar ainda mais o esmagamento desses grupos, especialmente da população negra, que em razão da precariedade das condições de vida tende a estar mais suscetível a incorrer em algum desses crimes.
Nesse sentido, o pacote efetivou também a antecipação de um repasse de cerca de 1 bilhão de reais do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) aos estados da federação, dinheiro que dessa forma, ao invés de ser empregado em educação e geração de emprego, fatores realmente capazes de intervir nos problemas sociais para reduzir a criminalidade, serão quase que na totalidade destinados para sustentar o aparato repressivo estatal, principalmente as polícias militares, responsáveis pelo genocídio dos negros nas favelas brasileiras já há várias décadas.
Há também no pacote de Dino dois projetos de lei propostos como parte da suposta “defesa da democracia”. O primeiro deles, o PL 3612/2023, criado no bojo dos acontecimentos em Brasília do dia 8 de janeiro, propõe a apreensão de bens e o bloqueio de contas bancárias e ativos financeiros das pessoas que pratiquem “crimes contra o estado democrático de direito”. Assim, qualquer um que não concorde com o funcionamento das instituições políticas, muito menos considere se tratar de um regime democrático, e que por isso realize qualquer tipo de manifestação política passível de ser interpretada como “crime contra a ordem democrática”, passou a contar com prerrogativa jurídica para ser totalmente espoliado pelo estado capitalista brasileiro.
Sem embargo o caráter em si mesmo repressivo das medidas, o que causa maior espanto é a capacidade de Flávio Dino de, dentro de um governo de esquerda, levar adiante uma política tipicamente bolsonarista. Isto se verifica ainda mais flagrantemente através do segundo projeto de lei presente no pacote, o PL 3611/2023, que de forma policialesca propõe um aumento generalizado de penas, já previstas juridicamente, para aqueles que organizarem, liderarem e/ou financiarem “movimentos antidemocráticos”.
Ainda nessa esteira, o pacote de Dino propõe o aumento das penas para crimes que atentem contra a integridade física e a liberdade do Presidente da República, do Vice-Presidente da República, do Presidente do Senado Federal, do Presidente da Câmara dos Deputados, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador-Geral da República.
E é justamente aqui que Flávio Dino demonstra mais ostensivamente o seu caráter bolsonarista e totalmente alinhado aos setores mais reacionários da política nacional, na medida em que o pacote prevê que, para os crimes que atentem diretamente contra a vida de alguém que ocupe um dos cargos elencados acima, as penas podem chegar a até 40 anos de prisão. O que talvez nem todos se lembrem é que, até bem pouco tempo atrás, o código penal brasileiro vedava o cumprimento de penas de prisão por tempo superior a 30 anos. O responsável por aumentar esse limite: Sérgio Moro, um dos principais agentes do golpe de estado que derrubou o governo Dilma, colocou Lula na prisão e mergulhou o país em um profundo retrocesso econômico, político e social.
Enquanto ministro da justiça do governo Bolsonaro, Moro apresentou o seu infame “pacote anticrime”, que dentre as medidas propostas apresentava justamente o aumento do limite do tempo máximo de reclusão. Assim, Flávio Dino, ao apresentar o seu pacote, não só consolidou um dos feitos mais repressivos e retrógrados do bolsonarismo, como mostrou ser de seu agrado a mudança instituída por Sergio Moro, já que Dino chancelou e deu ares de legitimidade à política de encarceramento em massa e de aumento das penas, dando assim margem para que o limite de 40 anos possa ser ainda mais tensionado pela direita nacional e venha abrir espaço para a implementação de políticas absolutamente monstruosas, como a pena de morte.
Longe de representar qualquer tipo de avanço democrático ou de combate ao fascismo e à direita nacional, a política de Flávio Dino vem apenas para fortalecer o caráter ditatorial do estado capitalista, contribuindo assim com o clima repressivo que alimenta a extrema-direita e que só pode ter consequências prejudiciais para os trabalhadores brasileiros e a esquerda nacional. Ainda, em que pese toda a demagogia identitária, a experiência política demonstra que todo e qualquer artifício usado para reprimir a população recairá ainda mais duramente sobre os setores mais oprimidos: as mulheres que tem seus filhos e companheiros presos pelo estado, e os negros, em sua maioria moradores das favelas brasileiras, que são assassinados diuturnamente pela polícia.
Dessa forma, a indicação de Flávio Dino se insere como mais uma das iniciativas, fortemente atreladas ao imperialismo, que visam sequestrar o governo Lula e impedir que atenda aos interesses de sua única e real base social, os trabalhadores. Por isso cabe mais uma vez alertar a todos os setores da esquerda nacional e dos movimentos populares de que a política de Flávio Dino só poderá ser destrutiva para as causas verdadeiramente democráticas, e que portanto sua indicação para o STF, órgão de vanguarda do golpismo nacional, é preocupante para a manutenção de Lula na presidência. Por isso é necessária a organização de uma ampla mobilização popular para barrar as iniciativas golpistas da burguesia e recuperar o controle dos trabalhadores sobre o governo.
