A matéria “Dino, Gonet e o pacto conservador”, publicada no sítio do MRT (Movimento Revolucionário de Trabalhadores) nesta quinta-feira (13), é mais uma prova de que há setores na esquerda que fazem uma oposição oportunista contra o governo Lula, misturada com uma incapacidade de fazer uma leitura do momento político que vivemos.
A luta de classes é o que deve nortear as análises políticas. Se, como diz o olho da matéria “a maioria da grande mídia, do Congresso Nacional e do próprio STF aplaudiu de pé as nomeações de Lula para a Procuradoria Geral da República e para o STF. O Jornal Nacional comemorou com uma longa e elogiosa reportagem sobre o perfil de ambos os indicados”, a questão é saber se o ‘pacto conservador’ não é justamente a operação que a burguesia vem utilizando para colocar o governo petista contra a parede. Caso contrário, restará apenas a opção de o governo estar conivente com o conservadorismo. Esta tese é sustentada pela maioria da esquerda pequeno-burguesa, que tenta demonstrar que Lula e seriam uma mesma coisa.
Núcleo golpista
O MRT se ‘esquece’ que o Supremo Tribunal Federal foi um dos principais instrumentos do golpe de Estado contra Dilma Roussef. Foi o Supremo que impediu que Lula se tornasse ministro de Dilma e escapasse das garras de Sérgio Moro. Foi o mesmo tribunal que fez vistas grossas a todo tipo de arbitrariedades contra o PT e permitiu a prisão de Lula e cassou seus direitos políticos. Tudo isso passando por cima da Constituição Federal.
Vemos a burguesia se movimentando para retirar todo o poder da presidência, não faz sentido, portanto, crermos que por vontade própria o governo vá fortalecer instituições que virtualmente o estão solapando.
A incompreensão do MRT de que o STF seja uma corte política está em sua visão identitária dessa instituição, como vemos nessa passagem: “temos no STF uma corte exclusivamente branca e quase toda masculina”. A ala feminina do Supremo não deu uma única demonstração de que a indicação para mulheres para a corte seja em si progressista. Cármen Lúcia, indicação de Lula, votou pela prisão do mesmo. Rosa Weber condenou José Dirceu, apesar de admitir que não tinha provas. O homem negro do STF, Joaquim Barbosa, indicado por Lula, foi utilizado para dar um ar de justiça a uma das maiores aberrações jurídicas que este país já presenciou, o Mensalão.
Apesar de todas as provas em contrário, o MRT insiste em defender o identitarismo, uma política direitista financiada diretamente pelo imperialismo por meio das ONG’s.
Pressão judiciária
O texto diz que “poucos colocaram os holofotes na costura política por trás das indicações e sobre o significado dessas nomeações, que privilegiou os aliados mais de direita da ampla base de sustentação do governo de frente ampla, numa articulação que envolveu diretamente Alexandre de Morais e Gilmar Mendes. A dupla de ministros do STF, ambos aliados históricos do PSDB, se fortaleceu ainda mais.”.
Ora, fica claro que o STF está escolhendo seus próprios membros, é uma ingerência direta sobre uma decisão que caberia à presidência da República. Haver na PGR “um defensor da Ditadura Militar, um conservador ‘raiz’ que foi inclusive cogitado pelos aliados de Bolsonaro quando este nomeou Augusto Aras, o atual PGR” é uma prova de que não existe um pacto, não entre o governo e a direita. O papel da esquerda seria o de denunciar a pressão da burguesia e cobrar que Lula mobilizasse as bases para poder enfrentar o assédio que a direita vem fazendo.
Decisões monocráticas
O MRT não consegue entender que é progressista a limitação pelo senado dos poderes do STF: “Ainda está para se ver em que medida a votação no Senado que busca limitar o poder individual dos ministros do STF e suas decisões monocraticas é o início de um processo de maiores atritos entre STF e o Congresso, ou em que medida fez parte do próprio pacto costurado com as nomeações. A votação de Jacques Wagner, fiel aliado de Lula, fortalece a segunda hipótese (…) nem mesmo a votação no Senado, é um ponto favorável aos trabalhadores e aos povos e setores oprimidos.”.
O texto sustenta que “ao eliminar as votações monocráticas, o Senado diminuiu o poder individual de cada ministro do STF, porém também dificulta o cumprimento de algumas liberdades democráticas elementares. Por exemplo, o habeas corpus. Ao não poder mais ser objeto de decisões monocráticas, não só a votação será mais lenta, como mais difícil. Sem ganhos democráticos, essa decisão não enfraquece o poder na corte no seu conjunto, que aumentou com a nomeação de Gonet”.
Em que uma votação monocrática pode garantir “o cumprimento de algumas liberdades democráticas elementares. Por exemplo, o habeas corpus?” Quem não se lembra que Gilmar Mendes concedeu dois habeas corpus para o banqueiro Daniel Dantas em menos de 48 horas? Para piorar, havia pessoas aguardando por esse benefício há mais de seis meses, o que mostra que a lentidão das votações não tem nada a ver com decisões monocráticas.
Como não tirar das mãos do STF esse tipo antidemocrático de decisão, que pode se sobrepor até ao presidente do país, se a matéria admite que “o STF usou o pretexto do combate ao bolsonarismo para dar um salto no poder autoritário e bonapartista do STF. Ali instituíram que a suprema corte pode ser, ao mesmo tempo, promotora, juíza e parte interessada num processo judicial, tornando seu poder coercitivo praticamente ilimitado”? Um órgão com um poder praticamente ilimitado é característica de regimes ditatoriais.
Engessamento
Para o MRT, não há diferença entre Dino e Zanin, pois alega que “as duas nomeações de Lula, Zanin e Dino, articuladas com a outra dupla, Moraes-Mendes, o governo da frente ampla acumulou um poder e uma influência enormes no STF aliado à PGR”. Não existe acúmulo de poder, não nas mãos da presidência da República, que, como se pode constatar, está fazendo indicações contra sua vontade. Não se pode comparar a indicação de Zanin com a de Flávio Dino. O primeiro defendeu Lula contra a Lava-jato. O segundo é um homem autoritário e com fortes ligações com a direita.
A preocupação desses setores de esquerda, como o MRT, é tentar ligar o governo Lula à direita para assim fazer oposição, ou pelo menos ter uma desculpa para apoiar um possível golpe, como vimos acontecer em 2016, quando se dizia que o governo petista era apenas um braço do neoliberalismo que, como tal, deveria ser derrubado. Porém, o golpe não era contra o PT, mas contra a classe trabalhadora, que mais uma vez teve de enfrentar a fome e o desemprego.