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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Identitarismo contra Lula

Lula vs. identitarismo: presidente “capacitista”

Imprensa burguesa distorce fala de Lula para acusá-lo de "capacitista"

Para o dissabor dos ongueiros, Lula disse, com todas as letras, que não vai usar critério de “raça e gênero” na escolha de ministro para o STF, mas os incansáveis identitários – tanto os de dentro do governo quanto os de fora – não parecem dispostos a dar-lhe um minuto de trégua. Enquanto um ministro determina uso de banheiro em escolas segundo critério da teoria de gêneros e um membro de segundo escalão se indispõe com uma torcida de futebol, supostamente branca, europeia e “safade”, os identitários da Folha de São Paulo acusam o presidente de “capacitismo”.

O decreto que autoriza uso de banheiros em escolas segundo a “identidade de gênero” foi traduzido pela direita como “banheiro unissex nas escolas”. Diante da confusão, a Comunicação do governo nas redes sociais disse que a oposição espalhava “fake news” e, de resto, tergiversou, evitando encarar o problema.

Na prática, a pessoa usa o banheiro correspondente à sua autopercepção de “gênero”, que, segundo certa teoria, estaria totalmente desvinculado do sexo biológico. Os que ainda não se convenceram de que há homens que menstruam e podem engravidar, assim como mulheres com pênis, por retrógrados que sejam, constituem parcela considerável da sociedade, se não forem a sua maioria – e, quando se trata do conforto e da segurança de filhos e filhas, até gente progressista fica preocupada.

Mais oportuno que disputar a nomenclatura (é ou não “banheiro unissex”), o que está na base de considerar algo “fake news”, seria construir banheiros específicos para atender a população transexual. Não é demasiado lembrar que os “homens trans”, que são meninas do ponto de vista biológico, podem não ficar totalmente à vontade no banheiro masculino – e talvez até corram o risco de sofrer algum tipo de abordagem indesejável ou constrangedora. A preocupação maior, no entanto, parece ser o direito da “mulher trans”, que, com base na caracterização exterior (penteado, acessórios, maquiagem), reivindica para si o “gênero feminino”, mesmo sendo, biologicamente, do sexo masculino.

Para a maioria da população, esses temas não são tão simples nem parecem discutidos a contento, e uma pessoa, por ser transexual, não é necessariamente honesta e desprovida de capacidade de fazer coisas ruins. Incluir banheiros “trans” seria menos polêmico e cumpriria a tarefa de criar um espaço seguro para os efetivamente transexuais, sem provocar desgastes desnecessários no governo.

A estridência dos identitários, porém, trava qualquer debate mais sério. Como o STF já aprovou a equiparação da transfobia ao racismo, é provável que tentar pôr o tema em discussão já seja, em si, um crime. Recentemente, uma professora da Universidade Federal da Bahia foi alvo de um linchamento virtual e profissional por ter dito a uma “aluna trans”, cuja aparência era indefinida, a frase “você está chateado” (no masculino). O leitor tire suas conclusões.

A assessora da ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, fez papelão em visita oficial ao estádio do São Paulo Futebol Clube para assinatura de um documento oficial. Identificada como Marielle Decothé da Silva, a mulher, num surto de identitarismo decolonial, usou as redes sociais para xingar a torcida do time paulista de “brancos europeus ‘safades’”. A coisa repercutiu mal e resultou na sua demissão, mas o fato é que atitudes desse tipo, que demonstram ignorância e total falta de percepção política, repercutem negativamente no governo do presidente Lula.

Muito pior que essas trapalhadas identitárias internas é, no entanto, o uso dessas teorias pela oposição. Enquanto os bolsonaristas criticam o governo por ser identitário (e dar lugar a ações que consideram, quando não “imorais”, ridículas), os direitistas “limpinhos e asseados” (e de quebra a esquerda PSOL) criticam o governo por não ser suficientemente identitário.

A última da Folha de São Paulo foi publicar matéria sobre suposta “gafe” que o presidente Lula teria cometido ao falar à população sobre a cirurgia à qual será submetido. Ele disse o seguinte: “Até lá vou ficar aqui em Brasília, não vou poder pegar avião. Vou trabalhar normalmente, vou trabalhar. O [secretário de Produção e Divulgação de Conteúdo Audiovisual, Ricardo] Stuckert não quer que eu ande de andador. Ele já falou ‘não vou filmar você de andador’. […] Então significa que vocês não vão me ver de andador, de muleta, vão me ver sempre bonito, como se eu não tivesse sequer operado”.

Se o leitor destas linhas não tiver encontrado a suposta gafe do presidente, saiba que, segundo um colunista da mesma Folha de São Paulo, ele cometeu, mais que uma “gafe”, um crime. Depois de anunciar que não vai “passar pano” para o Lula, o autor, que se apresenta como “cadeirante”, afirma categoricamente isto: “A fala de Lula que associa andador e muleta à vergonha e à feiura é o mais translúcido preconceito contra pessoas com deficiência, o capacitismo aberto, cuja prática é condenável pela Lei Brasileira de Inclusão”.

“Capacitismo” é outro neologismo do repertório dos identitários. Nomeia os atos de fala que embutem preconceito contra deficientes físicos, mentais e/ou intelectuais, a eles atribuindo déficit de capacidade para desempenhar certas funções na sociedade. O termo, aparentemente, não é atribuído ao empresário que não contrata deficientes – ou que só o faz na medida da cota obrigatória –, mas é logo brandido para criminalizar o discurso alheio.

A expressão “capacitismo aberto”, usada pelo colunista do jornal, remete a outro texto dele próprio, no qual ficamos sabendo, entre outras platitudes, que se, “no meio da reunião, seu chefe te [sic] colocando na parede, fazendo pressão e você solta o argumento mór [sic] dos desesperados: ‘estou sem braços para isso’”, sim, você é um “capacitista”. Quem imaginava que “braços” era uma metonímia de “pessoas para trabalhar”, assim como “bocas” é uma metonímia de “pessoas para alimentar”, pode esquecer tudo o que aprendeu na escola.

Chega a dar vergonha alheia ver o nível das elucubrações do colunista, para quem “vale refletir sobre ‘é tão fácil que um cego poderia fazer’; ‘está usando essa desculpa como muleta’; ‘o mercado abriu meio autista’, ‘trocou [sic] os pés pelas mãos’”. Mimetizando as cartilhas de “letramento racial”, igualmente desprovidas de qualquer fundamento, o sujeito flutua na onda de criminalização das metáforas e expressões populares, que, vistas como danosas, cumprem a função de diluir o problema do preconceito, que passa a ser atribuído à sociedade como um todo, não àqueles que, tendo o poder de contratar, só empregam o deficiente quando são obrigados por lei. A propósito, o jornal onde ele trabalha emprega quantos deficientes?

De resto, Lula, que perdeu um dedo em acidente de trabalho quando era operário, quantas vezes foi chamado de “nove dedos”, inclusive na sacrossanta Operação Lava Jato, tão defendida pela imprensa golpista, quando os ilibados juízes e desembargadores se referiam a ele como “nove”? Alguém se levantou para acusar a Lava Jato de “capacitista” por, na condição de autoridades públicas, seus partícipes debocharem de um defeito físico de Lula?

Esse funcionário da Folha de São Paulo não economizou elogios à ex-primeira-dama, Michele Bolsonaro, que, segundo ele, na posse do marido, entrava “para a história com uma atitude inclusiva inédita: um discurso feito em língua de sinais para todo o mundo”. Na ocasião, o mesmo colunista que não quer “passar pano” para o Lula passou pano com desinfetante para o Bolsonaro, desculpando-o até pelas ofensas de cunho racista: “[…] chamou atenção a presença de um surdo negro (Sandro Santos) interpretando o Hino Nacional em Libras, durante a passagem da faixa de Michel Temer para Bolsonaro, que durante a campanha foi apontado diversas vezes como racista”.

O surdo negro do Bolsonaro impressionou sobremaneira o colunista, que, de Lula, dirá o seguinte: “O argumento ‘se fosse no governo Bolsonaro seria pior’ está gasto, e as dores da discriminação não se aliviam com esse comparativo e com um já longínquo desfile de posse com Lula abraçado com gente de todo tipo, sabe-se lá com que tipo de assepsia”. Segundo o “articulista”, Lula fez algum tipo de assepsia depois de abraçar pessoas do povo. Até para usar de má-fé é preciso um pouco mais de talento. Quem não suporta povo são os almofadinhas do PSDB que esse colunista é pago para defender.

Sobre Michelle Bolsonaro, é bom lembrar com que disposição o cadeirante da Folha de São Paulo a tratou: “Michelle fez um discurso emocionado, usando não somente o gestual com as mãos, mas também expressões do rosto. […] A primeira-dama, em sua fala, fez menção não só aos surdos que se utilizam dos sinais, mas também se comprometeu mais uma vez com as questões envolvendo as pessoas com deficiência, o que eleva esse grupo social definitivamente ao patamar de prioridade. […] Michelle foi elegante, conciliadora e inclusiva, algo jamais visto de maneira tão efusiva em um primeiro gesto de novo governo”.

Depois de criticar a “era petista”, que, segundo ele, “aos trancos e barrancos […] criou e tentou fazer algo pela inclusão com o projeto Viver sem Limites, que arrefeceu com a falta de recursos”, profetizou: “Agora são novos tempos”. Foi assim que o representante dos deficientes identitários da Folha recebeu o bolsonarismo.

De Bolsonaro, a propósito, se pode dizer tudo, exceto que escondeu da população aquilo que pensava. Logo o colunista estendeu o tapete para o bolsonarismo conscientemente. Esse é o protótipo do identitário carreirista, que usa uma causa coletiva para auferir benefícios individuais.

Num tom de comadres fofoqueiras, o dito colunista afirma: “Não é a primeira vez que Lula invoca o que pensa a respeito de gente malacabada [sic] em suas falas públicas, não quero imaginar as que diz e pensa em privado”. Curiosamente, o sujeito que se diz tão sensível chama os deficientes físicos de “gente malacabada” [sic], o que, a bem da verdade, ele pode dizer de si mesmo, se assim se vê, mas não é elegante dizer dos outros. Lula jamais disse e jamais diria uma coisa dessas.

Lula foi acusado em outras matérias do jornal de ter usado a expressão popular “de parafuso solto” para se referir a deficientes mentais por ocasião de atentado em escola – os identitários de plantão se eriçaram para corrigir a expressão, em defesa do sujeito que matou quatro crianças com uma machadinha numa creche. É muita vontade de criticar o Lula. O que salva é que, quando a coisa passa dos limites, os próprios leitores já não se deixam enganar. A julgar por seus representantes na imprensa, o identitarismo é mesmo uma farsa.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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