Emir Sader escreveu sobre “A que vem o Lula 3?”. Nessa matéria, diz que Lula depois de sair da prisão “se propôs a voltar a ser presidente do Brasil. Quando se lançou como candidato, propôs o lema: Unidade e reconstrução”. Na verdade, Lula já era candidato antes de ser preso. Foi justamente por ter a maioria das intenções de voto que o encarceraram.
Sader disse ter perguntado a Lula, após o término de seu segundo mandato “o que ele mais tinha aprendido com sua experiência na Presidência”, ao que Lula teria respondido “não se pode governar sem ter o apoio da maioria”. Pois bem, a questão que está se mostrando neste início de terceiro mandato é de qual maioria estamos falando.
Para Sader, a divisão vivida no Brasil foi “promovida pelo discurso do ódio de Bolsonaro”. No entanto, havia discurso de ódio muito antes de Bolsonaro. A grande imprensa foi a maior disseminadora disso que chamam de ‘discurso de ódio’. Pessoas de esquerda eram tratadas por ‘petralhas’, ‘esquerdopatas’, diziam que PT e Lula teriam promovido os maiores casos de corrupção da história. Todas essas mentiras, que agora são tratadas por ‘fake news’, foram e continuam sendo o normal propagado pelos mensalões.
A esquerda caiu feita um patinho na condenação de ‘notícias falsas’ e, hoje, Lula está sendo ameaçada por esses mentirosos contumazes de espalhar ‘fake news’ ao afirmar que houve um golpe contra Dilma em 2016.
Vitóra apertada
O texto afirma que Lula “venceu as eleições, mas por uma diferença pequena, refletindo como aquela divisão era ainda profunda”. A divisão no Brasil, ao contrário do que foi afirmado anteriormente, não está no discurso, mas na situação política. O golpe de 2016 aumentou de forma brutal a fome e a miséria no Brasil. Mais da metade da população votou no petista para se opor ao golpe.
A outra quase metade que votou em Bolsonaro, vale destacar, tem em seu interior muitas pessoas que foram capturadas pelo discurso antissistema. Ou seja, não de fato bolsonaristas e podem muito bem voltar ao campo da esquerda se o governo conseguir fazer uma gestão voltada para as políticas sociais.
O Supremo Tribunal Federal, crucial para a vitória de Bolsonaro em 2018, deixou passar em brancas nuvens a aprovação da ‘PEC da Bondade’, uma medida inconstitucional que permitiu ao ex-presidente usar bilhões em recursos para comprar votos, e isso em ano eleitoral. O STF, ao contrário do que dizem, não defende a democracia e muito menos faz oposição ferrenha a Bolsonaro, pois não cumpriu sua tarefa, não interveio e não tornou nula a PEC.
A pequena diferença na vitória é um problema que só pode ser enfrentado com a formação de uma base popular sólida, pois os golpistas vão utilizar isso contra Lula, da mesma maneira que utilizaram contra Dilma, que venceu Aécio Neves por uma margem apertada.
Frente ampla
A ideia de uma frente ampla é furada, tanto que o golpe contra Dilma foi tramado principalmente por Temer. A esquerda pequeno-burguesa pressiona por frente ampla porque está de olho em conseguir cargos parlamentares ou uma posição dentro do Estado.
A direita tradicional, a parte que se aliou ao PT, o faz por puro fisiologismo e não teria qualquer problema em trair o governo.
O apoio amplo tem que vir das massas trabalhadoras, a oposição que a direita faz contra a esquerda é material e é preciso opor a ela também uma força material: milhões de trabalhadores organizados. É claro que não se espera que o Lula simplesmente feche o diálogo com a direita, além de não ter força para isso, não é preciso estabelecer um conflito mais agudo onde não for necessário.
Fetiche verde-amarelo
Boa parte da esquerda reflete essa questão das cores, como reforça o texto de Sader: “O discurso do Lula e a busca de recuperação da bandeira brasileira e das suas cores reflete essa postura. Falar para todos, em nome do Brasil e dos seus interesses e necessidades”. As cores da bandeira não deveria pertencer a nenhum partido. Se os bolsonaristas usurparam essas cores, não será a usurpação das mesmas pela esquerda que será a solução.
Ficar lutando pelas cores da bandeira é uma mania da esquerda pequeno-burguesa que se envergonha do vermelho, nossa cor histórica. A pressão, a insistência, por se retomar o verde e o amarelo são uma verdadeira perda de tempo e uma maneira de não se fazer aquilo que realmente deve ser feito: a organização da classe trabalhadora. É uma maneira de parecer estar lutando quando, de fato, apenas se paralisa o movimento com lutas inúteis.
O espantalho
Tudo tem sido colocado na conta do último governo, por isso argumenta que “A reconstrução corresponde ao diagnóstico de destruição do governo Bolsonaro e a necessidade de resgate do país”. Houve de fato muita destruição, como a entrega da Eletrobrás para o grande capital financeiro. O problema é que a destruição não começa aí, mas no governo golpista de Michel Temer. Por que é interessante creditar tudo a Bolsonaro? Porque muitos golpistas que estão agora compondo com a frente ampla acabam ficando ‘inocentados’ dos crimes que ajudaram a cometer contra nossa economia e contra os trabalhadores.
Em 2021 houve uma grande movimentação de setores da esquerda para a formação de um frente ampla, amplíssima, com setores da direita golpista, gentilmente apelidada de ‘campo democrático’. Basta qualquer direitista se ajoelhar e tomar a hóstia da luta contra o fascismo para logo ser perdoado e considerado democrata.
É preciso entender o fenômeno social do bolsonarismo, mas esse movimento não se restringe à sua figura. Os atos do 8 de janeiro contaram com a participação do alto-comando das Forças Armadas, e e seus integrantes não são necessariamente bolsonaristas.
A ‘retomada’
Para Emir Sader “os maiores desafios do Lula 3 são, em primeiro lugar, consolidar o clima de tranquilidade do país durante seu governo. Em segundo, conseguir fazer com que a economia volte a crescer e que tenham sucesso suas políticas de redistribuição de renda”. É verdade, mas como isso será possível? Se não houver um forte apoio popular, nada disso será alcançado.
A burguesia, os bancos, o ‘mercado’, que vivem principalmente de renda, sabem muito bem que o governo terá que fazer investimento nas áreas sociais e, por conseguinte, sobrará menos dinheiros para os tubarões que ainda não estão contentes em drenar mais da metade do orçamento público.
A aposta de Lula não pode ser na frente ampla com setores da direita, terá que, se quiser sobreviver, apostar todas as suas fichas na classe trabalhadora. Nesse sentido, o III Conferência Nacional dos Comitês de Luta e outras organizações populares, que deverá correr nos dias 21, 22 e 23 de abril, são um passo importantíssimo para que se possa enfrentar de maneira consequente os desafios que se apresentam para um futuro muito próximo. Não temos tempo a perder.