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Henrique Áreas de Araujo

Militante do PCO, é membro do Comitê Central do partido. É coordenador do GARI (Grupo por Uma Arte Revolucionária e Independente) e vocalista da banda Revolução Permanente. Formado em Política pela Unicamp, participou do movimento estudantil. É trabalhador demitido político dos Correios e foi diretor da Fentect (Federação Nacional dos Trabalhadores dos Correios)

Mais uma do identitarismo

Existe uma “música preta brasileira”?

A música brasileira é negra, por que então inventar uma "música preta" à parte?

Henrique Áreas, do GARI*

Uma reportagem do dia 20 de junho no portal Revista de Cinema sobre a Mostra de Cinema de Ouro Preto tinha o seguinte título: “Festival de Ouro Preto celebra música preta do Brasil, memória e o futuro do cinema”.

O título chama a atenção para quem conhece um pouco de música brasileira. A princípio, poderia ser apenas uma constatação óbvia, afinal, a música brasileira é uma música negra, no sentido geral da coisa. Ao ler a reportagem, no entanto, descobre-se que não é à música brasileira em geral que se refere a expressão “música preta”, mas a uma música que seria separada, que existiria à parte.

O texto começa dizendo o seguinte: “Mostra de Cinema de Ouro Preto realiza sua décima-oitava edição a partir dessa quarta-feira, 21 de junho, no embalo da MPB, ou melhor da MPnoB (Música Preta no Brasil).”

O festival – e a reportagem adotou a mesma posição – defende que a música popular brasileira é algo diferente da “música preta brasileira”. Uma rápida pesquisa na internet nos revela que tal ideia já tem uma certa difusão entre os meios oficiais da indústria fonográfica e institutos de pesquisa da burguesia. Não é para menos, afinal, a demagogia identitária é uma das políticas centrais da burguesia atualmente.

Mas será que realmente existe essa “música preta brasileira” ou “música afro-brasileira” ou mesmo uma música negra brasileira diferente da música brasileira?

Para responder a essa pegunta, vale uma breve consideração sobre a formação social e étnica do povo brasileiro e o consequência a formação de sua cultura.

A ideia de que haveria uma categoria chamada de “afro-brasileira” é tão errada quanto a ideia de que haveria um brasileiro branco com sangue puro. Ignorar a mistura entre as raças na formação da nacionalidade brasileira é quase um “terraplanismo” histórico, para usar uma palavrinha que a própria esquerda identitária gosta de usar contra seus inimigos.

Não dá para contar a história detalhada aqui, mas a política dos portugueses quando chegam ao Brasil não era de simplesmente dominar o novo território, mas de se misturar com os habitantes locais. Temos aí uma primeira etapa de miscigenação. Logo, chegam os escravos africanos, aos milhares, aos milhões. A quantidade é tão grande que o negro passa a ser mais predominante do que os próprios índios. 

Por uma série de processos históricos e políticos, entre eles a própria integração entre brancos de camadas baixas e negros alforriados, temos a constituição da nacionalidade brasileira.

Vejam só, diferentemente do que dizem os racistas, o povo brasileiro e, sua maioria, é um povo negro. Mas é um negro miscigenado e não há nenhum problema nisso.

Nesse sentido, falar em “afro-brasileiro” é um contrassenso, uma definição artificial. É uma definição imitada dos Estados Unidos, onde faz sentido, pois os negros norte-americanos são uma população à parte, quase uma nacionalidade à parte. O “afro-americano” embora também não seja uma definição muito precisa tem uma razão de ser. No caso do Brasil, os negros não são uma população à parte, eles são a maioria do País e parte da própria nacionalidade brasileira. O povo brasileiro é um povo negro.

A cultura e a música devem ser vistas sob esse pano de fundo. De um ponto de vista da formação social do povo, falar em “música preta brasileira” é afirmar que haveria uma música feita apenas por negros. Mas quem são esses negros se não há essa população à parte, se todos os brasileiros são negros ou descentes de negros?

Estamos diante de mais uma imitação dos norte-americanos. Lá, falar em “música negra” faz algum sentido. Significa falar que é uma música criada e feita pela população negra que mora nos Estados Unidos, não pelos norte-americanos brancos, os norte-americanos propriamente ditos. Isso mostra como os identitários gostam de imitar os EUA e como essas ideias são importadas de lá sanduíche de fast food.

Já no Brasil, falar em uma música negra separada da música brasileira é impossível. E não é apenas sociologicamente falando, musicalmente também.

Vejamos um estilo brasileiro por excelência, o choro. Grosso modo, o choro é uma criação conjunta entre negros e brancos das classes baixas. Aos batuques das percussões africanas foram acrescentados os instrumentos harmônicos trazidos da Europa.

Com o samba acontece o mesmo fenômeno. Aos batuques do morro, introduziram as harmonias da música europeia.

Se o pesquisador da música quiser voltar mais atrás verá que o lundu e a modinha, estilos que predominavam ainda na época colonial, foram igualmente uma criação dos negros e brancos. Os dois estilos foram, inclusive, exportados para Portugal.

Como falar em uma “música preta” separada da música brasileira? Só mesmo com muita vontade de imitar os gringos norte-americanos.

Alguém poderia argumentar que seria importante destacar a música brasileira como sendo “preta” justamente para lembrar desse fato. Mas se é assim, nada melhor do que mostrar que a contribuição do negro para a nossa música é essencial, é foi isso uma das coisas que tornou a música brasileira uma das ricas do mundo.

* Grupo por uma Arte Revolucionária e Independente

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