Nesse 16 de junho, o Estado de S. Paulo publicou coluna questionando a indicação de Cristiano Zanin ao STF pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com o título “‘Identitarismo’ e republicanismo no STF”, assinado por Renata Nagamine, o veículo burguês utiliza o que chama de republicanismo para atacar a indicação de “mais um homem branco” à corte, e busca contrapor os que rebatem esse argumento acusando-o de identitário, ao afirmar não se tratar disso a questão. Indo além, acusa Lula de indicar Zanin por “serviços prestados”, já que o advogado atuou na defesa do petista. Os argumentos apresentados na publicação são comuns a uma parcela da esquerda, e os primeiros já se demonstram:
“[…] críticos da indicação no campo progressista se posicionam contrariamente à indicação por serem favoráveis a que a vaga seja ocupada por mulheres e pessoas negras. É o republicanismo, no entanto, que torna a demanda pela pluralização da composição do tribunal uma questão de justiça.”
Uma política de mera aparência, no quesito da indicação baseada em gênero e etnia, o órgão da imprensa golpista fala sobre o tal republicanismo, que define logo a seguir: “[…] podemos entender por republicanismo um conjunto de elaborações orientadas a assegurar a soberania popular e o primado do público” (grifo nosso).
De fato o primeiro argumento, a coisa já não se sustenta daqui. O Estadão é um jornal burguês, apoiou o golpe militar de 1964, o golpe de 2016, e a prisão de Lula que culminou na farsa eleitoral de 2018, quando o candidato mais popular da eleição foi proibido de participar do pleito, numa demonstração da continuidade de sua política absolutamente anti-povo. Nesse sentido, no quesito de posição, a coisa já se contradiz, mas sigamos na definição do tal republicanismo.
“Um instrumento para isso é o direito, um direito a que todos consentem e pelo qual todos estão vinculados. Pensadores do republicanismo entendem que esse arranjo torna público o exercício do poder e constrange quem o exerce a não o exercer em benefício próprio.”
“Republicanismo” aqui é só o que está de acordo com os interesses do Estadão, ou seja, da burguesia. Na verdade, a própria existência do STF fere qualquer sentido de democracia e republicanismo, mesmo falando aqui do que a burguesia entende por esses conceitos. O STF é a indicação por si só anti-democrática – e “‘anti-republicana” – de um pessoa que não foi eleita por uma única pessoa. Mas se é assim, deveríamos aceitar a ideia de que só Lula não poderia indicar alguém de sua confiança? Sim, o problema aqui é Lula, não é a defesa do republicanismo. Nem dá para falar em republicanismo sem falar em extinção do STF.
Mas se não basta o cinismo “republicano” do Estadão, a coluna lança mão do identitarismo.
“Qualificar de ‘identitária’ a demanda é ignorar a super-representação de uma identidade de gênero e racial na atual composição. Também é, em algum grau, supor que os entendimentos que mulheres, negros e indígenas ocasionalmente apresentem como ministros do STF serão determinados por seu gênero, raça e etnia, respectivamente. É supor, em suma, que seus entendimentos sobre questões de interesse comum serão informados por um único aspecto de sua condição.
Penso que seria bom para todos ter no STF brasileiros que se constituíram em relação ao mundo e construíram o mundo para si desde posições diferentes em matéria de gênero, raça e etnia” E continua: “Dar a não homens e não brancos lugar a uma mesa é uma forma de qualificar o debate dentro do tribunal e a sua comunicação com a sociedade.”
Chega a ser comovente que o Estadão dê espaço para preocupações tão nobres. Ele se preocupa tanto com o bem-estar do povo que quer que Lula nomeie um não homem ou não branco para o STF. Talvez um não branco como Joaquim Barbosa, que deu o golpe do mensalão, ou não homem como Rosa Weber, que votou a favor de sua prisão.
A coluna publicada pelo Estadão, jornal mais representativo dos capitalistas brasileiros, revela completamente a farsa das supostas preocupações identitárias e coloca a nu o cinismo da burguesia e da direita.