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Constituinte no Chile

Derrota parcial da direita ou fim de uma insurreição popular?

Esquerda Diário ignora por completo as sucessivas capitulações vergonhosas da esquerda que levariam à derrota da mobilização

No artigo “Se impuso el rechazo a la nueva Constitución en Chile con el 55 % de los votos”, que traduzimos como “Rechaço à nova Constituição no Chile é imposto com 55% dos votos”, o portal argentino La Izquierda Diario, fundado pelo também argentino Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS), comemora a rejeição da nova Constituição no país andino. Segundo o grupo autodeclarado “trotskista”, a votação ocorrida no dia 17 de dezembro, teria deixado claro “que a impugnação ao regime continua e que, em nenhum caso, a votação expressa uma defesa ou ‘ratificação’ da atual Constituição”. O portal argentino ainda afirma que “insatisfação, cansaço e ódio em relação à atual casta política são algumas das percepções expressas no ‘contra'”.

Não há dúvidas de que, para La Izquierda Diario, a rejeição à Constituição teria sido uma vitória. Mais que isso: uma vitória não apenas no sentido de que manter a Constituição tal como ela está seria algo positivo, mas também no sentido de que a direita seria uma minoria no regime político, que estaria aparentemente isolada. O portal argentino confirma seu otimismo em relação à votação no seguinte trecho:

“O descontentamento com a desigualdade e a desafeição pela política tradicional que levaram à rebelião de 2019 são elementos que ainda persistem. No plebiscito sobre manter ou mudar a Constituição pinochetista, a opção pela mudança prevaleceu por quase 80% dos votos. A crise do regime político está longe de ser resolvida”.

Se levássemos a sério o que diz o PTS, chegaríamos à conclusão de que o regime político chileno estaria relativamente equilibrado. De um lado, estaria a direita, que propôs a Constituição, mas não obteve maioria. De outro estaria a esquerda e os movimentos sociais, que, embora não tivessem obtido uma margem muito folgada na votação, teria demonstrado sua força perante a direita. A situação aparentaria, assim, ser muito mais favorável que em países como a Argentina, onde acabou de vencer as eleições o ultra neoliberal Javier Milei, como o Peru, onde vigora uma ditadura que acabou de libertar um dos mais sanguinários ditadores da América do Sul, Alberto Fujimori, ou mesmo como o Brasil, que é presidido por um partido de esquerda, mas que não está conseguido governar por causa da sabotagem de seus adversários.

Acontece que a situação chilena está muito longe de um “equilíbrio” e aponta, na verdade, para uma catástrofe.

Os grandes vencedores da votação da nova Constituição não são o povo ou a esquerda. O grande vencedor, em primeiro lugar, é Augusto Pinochet, o ditador neoliberal do Chile, morto em 2006, mas cuja influência sobre o regime político chileno ainda é marcante. A rejeição a uma nova Constituição é, logicamente, a manutenção da Constituição atual – e esta Constituição é nenhuma menos que a Constituição Política da República do Chile de 1980, promulgada durante a ditadura de Pinochet.

O segundo grande vencedor é José Antonio Kast, líder da extrema direita no país andino. O advogado chileno é tão reconhecido como o homem por trás da proposta da nova Constituição que ela tem sido chamado por muitos de “Kastituição”. Entre as medidas ultra reacionárias propostas pela extrema direita, constava a proibição integral do aborto legal e restrições aos direitos dos imigrantes e ao direito de greve. Esse homem, que “aperfeiçoar” a Constituição pinochetista, tomando-a ainda mais pinochetista, conseguiu os votos de quase metade do eleitorado!

Esse dado já seria preocupante, de uma maneira geral, para qualquer país. Se acontecesse no Brasil, por exemplo, seria um sinal de alerta, um sinal de que, por exemplo, a direita estaria organizando um golpe de Estado contra a esquerda – algo que seria bastante factível para o momento atual. Este não é, contudo, o caso chileno. O desempenho de Kast no referendo mostra que, em um país onde havia se estabelecido as condições para a derrubada integral do regime pinochetista, a esquerda hoje precisa “suar” para não ser derrotada pela extrema direita. A votação revela, portanto, que a esquerda chilena está em uma defensiva, quando, ao contrário da esquerda brasileira e da esquerda argentina, esteve, há pouco tempo, em uma ofensiva. Em outras palavras, o fato de que os direitistas se sentiram à vontade para propor a sua própria Constituição e de que conseguiram angariar quase metade dos votos necessários revela que o processo insurrecional chileno de 2019 está acabado.

O que teve início em 2019 no Chile foi muito diferente de uma esquerda “suando” para vencer nas urnas. A extrema direita, a bem da verdade, sumiu temporariamente do país. Ela se manifestava apenas na ação policial, que foi absolutamente brutal e deixou mais de 200 pessoas cegas, e nas atitudes tomadas pelo governo chileno, na época comandado por Sebastián Piñera. Do ponto de vista da ação política, no entanto, não havia um ativismo direitista. O campo havia sido encurralado por um gigantesco movimento de massas.

Agarrado ao governo de Piñera, Kast, naquela época, hostilizava as manifestações: “a violência extrema e os saques de hoje, juntamente com os ataques aos Carabineros e às Forças Armadas, implicam um retrocesso absoluto no controle da ordem pública e ameaçam milhões de chilenos. (…) Infelizmente, é essencial decretar um estado de emergência e começar a defender a maioria dos chilenos”.

Ora, mas se Kast estava contra as manifestações de 2019, ele seria engolido por elas, assim como o governo Piñera. Naquele momento, não havia uma disputa entre a esquerda e a direita, mas somente uma luta direta pelo poder: a luta das massas contra o governo Piñera.

As mobilizações daquele período tinham características verdadeiramente insurrecionais. Em vários momentos, a população se enfrentou com a polícia e ateou fogo em delegacias e prédios públicos. Sobrou até para o edifício da companhia de energia italiana Enel. Em uma situação como essa, os trabalhadores chilenos tinham plenas condições de tomar o poder, de derrubar de uma vez por todas o regime político. Não o fizeram, sob orientação das direções de todas as organizações chilenas. Nenhum partido da esquerda chilena foi capaz, à época, de levantar a palavra de ordem de “Fora Piñera”. Pelo contrário: ao fim e ao cabo, firmaram um acordo para que fosse convocada, dali a muito tempo, uma assembleia constituinte, que seria organizada pelo próprio governo Piñera.

A substituição da derrubada do governo pelo acordo em torno da constituinte foi o que decretou a morte do processo insurrecional no Chile. Por suas características grandiosas, a morte seria, obviamente, lenta. Passou por vários processos, incluindo a eleição de Gabriel Boric, um golpe armado contra os setores mais à esquerda da frente que o elegeu, e incluindo também uma proposta de Constituição muito moderada, que acabou sendo vergonhosamente rejeitada nas urnas – com uma votação muito inferior à que teve a proposta de Kast.

Completamente alheia ao processo chileno, La Izquierda Diario ainda dá voz, no mesmo artigo, ao líder do Partido dos Trabalhadores Revolucionários no Chile, que disse:

“Nossa luta é trazer de volta essas demandas do levante de 2019 para o centro, não para lutar por um novo terceiro processo antidemocrático e acordado por cima, como foram os dois anteriores, com todas as suas diferenças, mas para lutar na perspectiva de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, que derrube o regime herdado da ditadura de Pinochet e permita discutir tudo e decidir o que fazer com os recursos estratégicos, com a educação, com a saúde, com as aposentadorias, na perspectiva de um governo dos trabalhadores baseado em seus próprios organismos de luta, que se proponha a pôr fim ao capitalismo e ao poder dos grandes grupos econômicos e transnacionais no Chile”.

Trata-se de mais uma confirmação de que o PTS ignora o que está acontecendo no Chile. Não há mais espaço para trazer à tona as “demandas de 2019”, A extrema direita chilena agora é quem está com a iniciativa e, ao que tudo indica, deverá vencer as próximas eleições. A esquerda não está mais em uma posição de propor a derrubada do regime – essa chance foi desperdiçada por meio de suas sucessivas capitulações. Agora, caberá a esquerda se preparar para um novo enfrentamento, já não mais com as massas nas ruas reivindicando a derrubada do regime, mas se defendendo da ação da extrema direita.

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