A invasão bolsonarista às sedes dos Três Poderes da República, no último domingo (08), pegou toda a esquerda desprevenida. Os setores pequeno-burgueses, demonstrando quão profunda é a sua desorientação, ficaram à reboque da política da burguesia, defendendo com unhas e dentes a repressão do Estado contra os grupos de extrema-direita. No dia seguinte, convocaram manifestações em âmbito nacional que não tinham como principal objetivo defender e fortalecer o governo Lula, mas sim, exigir a punição exemplar de todos os envolvidos.
O Esquerda Online, por sua vez, não poderia ficar de fora dessa sanha repressiva. No mesmo dia, foi ao ar um editorial intitulado Diante da invasão golpista: defender a democracia e a prisão de Bolsonaro e de todos golpistas!. O título da publicação já dá o tom do texto que, no geral, é uma ode à censura, à prisão e à repressão.
Já no início, o Esquerda Online se junta ao resto da esquerda ao categorizar os bolsonaristas como “terroristas”, termo impulsionado por Bush durante a Guerra ao Terror que serviu para justificar a intervenção sanguinolenta do imperialismo americano no Iraque e em outras regiões do Oriente Médio. Em seguida, defendem de maneira apaixonada o sistema carcerário:
“Esse violento ato não aconteceria sem a conivência da polícia e do governo do Distrito Federal (DF). Os responsáveis pelo golpismo fascista, a começar por Bolsonaro, precisam ser presos, imediatamente. Todos participantes, financiadores e mentores da ação de hoje devem ser identificados e punidos rigorosamente”, escreve o jornal.
Engana-se o leitor que acha que o trecho acima foi proferido por algum tucano amante das prisões. Em outros tempos, quando a esquerda ainda possuía, mesmo que de maneira confusa, princípios mais próximos ao marxismo, esse poderia ser o caso. Entretanto – e os acontecimentos recentes comprovam -, a esquerda pequeno-burguesa adotou completamente a política da direita de encarceramento, censura e, de maneira geral, da defesa das instituições burguesas ao ponto de que a polícia pode ser algo positivo. Um verdadeiro escárnio que traria calafrios a Marx.
Mais adiante, o autor afirma que “A invasão das sedes dos três poderes por fascistas representa ameaça direta à democracia e ao povo brasileiro”. Primeiramente, é preciso dizer que isso é falso. Não foi a democracia, em abstrato, que foi atacada, foi Lula e o PT. Finalmente, a burguesia, em especial os militares bolsonaristas, não querem Lula no poder, não querem um governo que represente os trabalhadores.
Em segundo lugar, o que quer um coletivo que se diz trotskista – mas que de trotskista nada tem – defendendo a democracia burguesa? A excelente democracia que permitiu que os bolsonaristas invadissem tranquilamente as sedes dos Três Poderes, a democracia, representada pela polícia, pelo exército e pelo GSI que não mandaram força nenhuma para defender . Trata-se de uma democracia apodrecida, não é isso que a esquerda e muito menos os revolucionários têm que defender.
Fundamentalmente, a democracia burguesa, resultado do próprio Estado burguês, é um regime de opressão da classe operária. Mais ainda, é para isso que serve o Estado, para que as classes dominantes consigam manter a sua dominação sobre os trabalhadores. A revolução socialista, o objetivo que a Esquerda Online deveria ter, se resume, basicamente, em acabar com a “democracia” burguesa e instaurar uma ditadura do proletariado que utilizará o Estado para ele próprio oprimir a burguesia. Só assim é possível atingir uma verdadeira democracia.
No mesmo trecho, o autor vai adiante e, para defender a repressão, afirma que “Se não forem duramente reprimidos e contidos imediatamente [os bolsonaristas], avançarão numa ofensiva golpista”, demonstrando que não só não conhece o marxismo como também não se deu o trabalho de analisar a política internacional de maneira concreta.
Não precisamos adivinhar, o exemplo do trumpismo nos Estados Unidos deixa claro que a repressão do Estado contra a extrema-direita é igual a fermento na massa, lhe faz crescer. O governo Biden não tem economizado recursos para reprimir a base de Trump e, ao invés de contê-la, fez os trumpistas tornarem-se um elemento extremamente perigoso para o regime.
Em outras palavras, defender a repressão representa um ataque aos trabalhadores independente da consideração feita: primeiro que é algo antidemocrático que apenas alimenta o regime de opressão do Estado contra o povo; segundo que é simplesmente ineficiente, pois trata-se de uma defesa não ao governo Lula, mas os bolsonaristas que só se fortalecerão com as medidas.
Ademais, decerto que as prisões que estão ocorrendo não chegarão até o alto escalão do exército, que é o setor que, de fato, está orquestrando uma tentativa de golpe contra o governo. Ao invés disso, o apoio a medidas repressivas por parte do Estado deixará de herança um aparato que será, por definição, utilizado contra os trabalhadores e as suas organizações. Seja pela direita que eventualmente pode tomar o poder, seja pela direita que já faz parte do Estado. Aqui, é preciso lembrar: Lula é presidente, mas não por isso controla o Estado e pode fazer o que bem entender com este. Ou seja, o apoio à repressão não vai trazer absolutamente nada de positivo ao governo Lula.
Qual é, então, a solução? Antes de qualquer coisa, é preciso fazer uma limpa no governo a começar pelos “grandes” funcionários da democracia que se mostraram completamente ineficientes e coniventes com a invasão dos grupos bolsonaristas. Estão incluídos nesse grupo os ministérios da Defesa e da Justiça e, acima deles, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), infestado de representantes da extrema-direita bolsonaristas das Forças Armadas.
Acima disso, Lula deve utilizar a mobilização popular para combater o golpe que, mais uma vez, não vem de baixo, dos pé-rapados bolsonaristas, mas de cima, dos generais e demais funcionários de alto escalão das Forças Armadas.
Portanto, Lula deve apoiar-se nos trabalhadores, essa é a única forma de impedir que a crise em torno do governo aumente ainda mais o que, consequentemente, pode resultar em sua derrubada por vias de um golpe de Estado. É isso que está em jogo.
