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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Análise econômica

Crise internacional, juros e a nova política fiscal

"Não dá para aceitar o roubo de patrimônio público ocorridos com a privatização dos ativos da Petrobrás e a entrega da maior empresa de energia da América Latina, a Eletrobrás"

O cenário conjuntural internacional e brasileiro, é bastante complexo. Está em curso uma crise econômica internacional gravíssima, a economia mundial ainda não se recuperou da crise de 2008 e já enfrenta nova crise bancária. Além disso, há uma crise brutal de dominação do imperialismo e uma nova configuração de poder ao nível internacional, com um mundo “multipolar”, liderado por China, Rússia, Índia, Irã, Turquia e outros (inclusive o Brasil), que estão à frente do chamado Sul Global, onde vive 87% da população mundial. 

Os EUA perdem influência no mundo todo (derrota no Afeganistão, guerra da Ucrânia, acordo recente entre Irã e Arabia Saudita etc.). Sintoma dessa perda de hegemonia foi a reunião bilateral entre China e Rússia, realizada em Moscou, nos dias 20 a 23 de março, entre Xi Jinping e Putin. Segundo Pepe Escobar, conhecido analista de geopolítica: “esta, possivelmente, é a primeira vez em cinco séculos em que nenhum líder político ocidental participa da formulação da agenda global. É o Presidente chinês Xi Jinping e o Presidente russo Vladimir Putin que agora comandam o espetáculo multilateral e multipolar” (entrevista à TV 247 em 26 de março). 

Estamos assistindo no mundo a uma retomada da mobilização dos trabalhadores. Isso está acontecendo em vários países da Europa, mas do ponto de vista da mobilização da classe trabalhadora o que está acontecendo na França é o mais importante no mundo. O presidente Emmanuel Macron aumentou em dois anos a idade mínima para se aposentar, de 62 para 64 anos, aumentando também o tempo de contribuição, de 42 para 43 anos. E fez isso por decreto, utilizando dispositivo previsto na constituição francesa. O movimento dos trabalhadores, que já dura várias semanas, não está arrefecendo, pelo contrário, está engrossando, o que mostra o nível de consciência dos trabalhadores. Tudo se combina aí na mobilização francesa: fragilidade do imperialismo, crise econômica, crise financeira. A mobilização tende a se espalhar, no mínimo, pela Europa.

É sempre bom lembrar que a Europa está pagando um preço altíssimo por sua posição de vassalagem ao imperialismo. A guerra na Ucrânia absolutamente não interessa ao continente Europeu, cuja economia está sendo destruída pela guerra. Os EUA, inclusive, não vacilarão em destruir a economia da Europa para manter seu poderio imperialista global. Se precisar, irão liquidar a indústria do continente, como ficou evidente no episódio de sabotagem dos gasodutos russos-germânicos Nord Stream 1 e Nord Stream 2, em setembro de 2022.

No Brasil, a situação do governo Lula é extremamente complicada. Lula é o homem a ser batido pelo imperialismo, dentre outras razões, pelas posições nacionalistas relativas à política internacional e defesa dos Brics. Por outro lado, o Banco central “independente” impõe para o Brasil a maior taxa de juros do mundo, 13,75% nominal, quase 8% reais. E a nossa inflação não é a mais alta. Ao contrário, nos últimos 12 meses, até fevereiro a taxa de inflação brasileira foi de 5,47% (março 22/fevereiro 23). No ano passado a inflação nos EUA foi de 6,5% (IPC), maior que a brasileira que foi de 5,93% em 2022. Países como Reino Unido tem inflação de 10% e a taxa de juros do banco central europeu está em 3%. 90% dos países do mundo estão com taxa de juros real negativa, ou seja, abaixo da sua inflação. 

Do ponto de vista técnico, não há nenhuma razão para o Brasil praticar as mais altas taxas de juros do mundo. Se trata de um sistema de extorsão, de roubo, de riqueza do Brasil. A Inflação caiu no Brasil por outras razões, nada tem a ver com taxa de juros. Está relacionado à queda do preço do petróleo, queda do preço dos alimentos, reestruturação das cadeias de suprimentos, e até o baixo crescimento da economia. Com taxas de juros reais próximas de 8%, não tem como fazer o transatlântico da economia brasileira se colocar em movimento, ou seja, a economia não irá crescer neste ano. 

Durante uma coletiva de imprensa, no dia 30.03.2023, para apresentar o Relatório Trimestral de Inflação, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que “se fosse cumprir a meta de inflação em 2023, teria que ter juro de 26,5%”. Claro, isso é verdade: é que a meta de inflação, de 3,5% para este ano, é irrealista. Ela pressupõe uma derrubada da economia, ou seja, pressupõe uma recessão muito grande. Isso é ilegal, porque mesmo a legislação do banco central independente tem uma Lei (Lei Complementar nº 179, de 24 de fevereiro de 2021) que prevê que o presidente da República poderá exonerar o presidente do Banco Central e seus diretores quando estes “apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil”. Segundo a referida lei, além de assegurar a estabilidade de preços, o Banco Central tem a obrigação de “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”. 

Dependendo do conjunto da política macroeconômica – no qual a política monetária é central – o Brasil não conseguirá crescer também em 2024, o que significaria o comprometimento de metade do mandato do presidente Lula, em termos de crescimento econômico. O Brasil vem de seis anos seguidos de estagnação, ou de baixo crescimento, possivelmente o pior desempenho do produto que se tem registro nas contas nacionais, fruto da crise mundial e das políticas recessivas adotadas a partir do golpe de 2016. Isso levou a um círculo vicioso: baixos níveis de crescimento do PIB conduzem a uma queda na arrecadação de impostos com aumento proporcional da dívida pública. 

O orçamento federal destinou R$ 139,9 bilhões para saúde no ano passado e R$ 62,8 bilhões para a educação, que são uma fração dos quase 600 bilhões destinados aos juros da dívida, em 2022.  Mas quase ninguém fala disso, é como se esses pagamentos aos banqueiros fossem uma determinação vinda dos céus. O custo fiscal dessa política de juros do banco central é gigantesco. A dívida pública líquida fechou o ano de 2022 em 73,5% do PIB, tendendo a aumentar neste ano, apesar da fortuna se transfere aos especuladores, exclusivamente por razões “políticas”. 

O endividamento dos brasileiros alcançou o maior nível histórico já registrado: 77,9% da população, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O último levantamento do Serasa mostrou que 69,43 milhões de pessoas entraram 2023 com nome restrito para a obtenção de crédito. A previsão do Instituto Brasileiro de economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE) é de um crescimento de 0,3% para 2023. Se o Brasil crescer até 1%, aumenta a dívida pública, aumenta o desemprego, cai a arrecadação, se deteriora a situação fiscal. 

Foi anunciado na semana passada o novo regime fiscal do governo Lula. O maior ajuste fiscal que o Lula pode fazer é retomar o crescimento. Se não houver crescimento econômico, não tem aumento da arrecadação, não aumenta emprego formal, não aumenta contribuição para o INSS. É certo que se o governo Lula não criar correlação de forças para começar a revogar o estrago que os golpistas fizeram em seis anos, talvez não se sustente. Por exemplo, é fundamental investigar todos os desvios evidentes de procedimentos usados pelos governos Temer e Bolsonaro, para privatizar ilegalmente o patrimônio público nacional. 

Não dá para aceitar o roubo de patrimônio público ocorridos com a privatização dos ativos da Petrobrás e a entrega, quase de graça, da maior empresa de energia da América Latina, a Eletrobrás. Todas as privatizações da Petrobrás foram realizadas contra a soberania energética nacional, com os ativos subavaliados, sem adequado procedimento licitatório, sem transparência de critérios e a preço ridículo. É fundamental mostrar que a privatização da Eletrobrás foi um crime de lesa-pátria, um roubo de bilhões de reais, feito contra as possibilidades de soberania energética do Brasil.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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