A última tendência do momento parece ser lidar com as tensões sociais mediante cerceamento da circulação de informação. Para defender o famigerado PL 2630, muita gente bem-pensante (e provavelmente bem-intencionada) elenca crimes bárbaros – como o linchamento de uma mulher vítima de um boato na internet ou a ação perpetrada pelo homem que assassinou crianças em escola – que considera mero resultado da propagação de ideias nefastas nas redes sociais. Assim, o controle do que se pode dizer, em tese, impediria que novas atrocidades desse tipo viessem a ocorrer.
Infelizmente, por menos que nos agrade reconhecer, crimes como esses sempre ocorreram pelas mais diversas motivações e escondê-los não parece ser a melhor forma de enfrentar o problema. O que não nos parece apropriado é tirar das redes sociais aquilo que consiste em sua maior qualidade, ou seja, a possibilidade de que qualquer pessoa tenha voz.
Ainda que as empresas que detêm as plataformas estejam em busca de dinheiro e pouco se importem com o tipo de conteúdo que monetizam (do qual extraem seus lucros), fato é que, mesmo com seu próprio controle feito por algoritmos, as redes sociais podem ser usadas para a veiculação de ideias que jamais teriam espaço no mais “plural” dos jornais da burguesia.
Um exemplo de nossa história recente pode ajudar a compreender a questão. Não fossem os veículos progressistas ancorados nas redes sociais (o YouTube, principalmente), o golpe de 2016 talvez ainda fosse pomposamente chamado de impeachment, como queria a grande imprensa. Se dependêssemos apenas da mediação da imprensa burguesa (dona de jornais, rádios e televisões), todos os acontecimentos continuariam sendo contados e analisados do ponto de vista dos interesses de uma só classe.
Aos moralistas de última hora, que acusam as big techs de ganhar muito dinheiro com esse modelo de negócio etc., vale lembrar que estamos diante de uma questão de escala. Os grandes meios de comunicação também são empresas que visam ao lucro e que são patrocinadas pelos “donos do dinheiro”, cujos interesses, por óbvio, eles defendem.
Aos que comparam o mundo virtual com o mundo real, advogando que nele haja leis semelhantes às que regem a vida concreta, convém lembrar que muitos dos supostos crimes praticados na internet consistem em palavra dita. A consequência disso é que falar passa a ser crime, a depender daquilo que se diz. Ao criminalizar o que se diz, abre-se um imenso espaço para a arbitrariedade de juízes, que jamais terão parâmetros seguros para julgar o que é “falso” e o que é meramente “divergente”. A quem caberá definir o que é “a verdade”?
A internet apenas pôs às claras as vozes e os conflitos da sociedade. Talvez a melhor forma de combater a “desinformação” – venha ela de onde vier – seja enfrentar o debate e argumentar, sem subestimar a capacidade do outro. Cercear a liberdade de expressão não vai tornar o mundo melhor. Pelo contrário.
