A esquerda pequeno burguesa, como de costume, está com uma grande dificuldade de compreender o fenômeno Milei na Argentina. O candidato ultra liberal que ganhou as primárias eleitorais está sendo comparado como um Bolsonaro argentino. É uma tese generalizada, principalmente entre os setores ligados ao PT, que na Argentina tem uma simpatia pelo kirchnerismo, o peronismo de esquerda. É o caso de Emir Sader que publicou uma coluna do 247 intitulada “E se acontecesse com você?”. O que todos esses não entendem é que Milei não é o novo Bolsonaro, ele é produto da falência da política do atual governo, algo que pode muito bem acontecer no Brasil.
O artigo começa relacionando Milei ao bolsonarismo: “No final das contas, o Brasil já era presidido por Bolsonaro. Algo que, de alguma forma, pode ser comparado ao que Milei poderia ser, caso vencesse. A primeira diferença é que Bolsonaro só foi eleito em situação de clara ilegalidade. Como reconhece hoje o Judiciário – com o reconhecimento jurídico da inocência de Dilma Rousseff, onde começou o golpe que permitiu a vitória de Lula. O lawfare foi um processo que se prolongou com a prisão de Lula, sua condenação e seu impedimento de concorrer à Presidência da República. Se não fosse assim, o Brasil não viveria todo o sofrimento que sofreu nos últimos 7 anos.”
De fato o que permitiu a eleição de Bolsonaro foi a prisão ilegal de Lula, mas até aí o mesmo processo acontece na Argentina. Cristina Kirchner está sendo escanteada das eleições pelo judiciário, algo que enfraquece o potencial de vitória da esquerda. Na realidade o caso é ainda pior, isso acontece pela segunda vez nas próximas eleições, na primeira foi lançado uma espécie de Haddad argentino, o atual presidente Fernández. O seu governo atual de forma ultra moderada, e até direitista, na economia que esteve no comando foi de fato um ministro da direita. A falência desse governo levou a desmoralização do kirchnerismo de forma geral. A próxima candidata alternativa a Cristina Kirchner aparenta nem ter chances de concorrer, pois a direita somada tem 60% dos votos.
Ele então apresenta a tese perigosíssima: “Pode-se dizer que hoje o Brasil se defende bem contra esses fenômenos, sobretudo porque tem um presidente com grande legitimidade política e que conseguiu, até agora, não apenas repor, até certo ponto, a legitimidade da política. Mas também porque há um governo com resultados positivos, no crescimento da economia, na geração de empregos, na redução, embora ainda pequena, da fome, da miséria e das desigualdades.” Aqui aparece o ultra otimismo do PT, porque houve pequenas melhoras se considera que o governo é super popular e seguro. A verdade é que Lula age de mãos atadas, sua política está muito aquém das necessidades da população. O governo Lula, portanto, não se difere muito do que fez Fernandez na Argentina.
É claro que Lula é muito mais popular, assim como é Cristina Kirchner, e que derrotá-lo nas urnas é bem mais difícil que derrotar Haddad por exemplo. Isso é um fato também na Argentina, pois o Judiciário está impedindo Cristina de concorrer. Contudo, isso não exclui a possibilidade da criação de um Milei no Brasil. Isso porque em última instância Lula age como Fernandez. Nas políticas positivas apenas consegue agir de forma ultra moderada, nas políticas negativas, a direita o apoio, e assim age de forma fulminante. É o caso do lado repressivo do governo, principalmente o que tange a polícia e a censura.
O que se torna possível aqui é a falência também do governo Lula. Caso isso aconteça, a tendência é que se crie uma nova alternativa na direita que se baseio no desespero da população que não vê mais saída. Foi exatamente isso que aconteceu na Argentina. Se o peronismo não consegue resolver os problemas, se Macri não consegue resolver os problemas, talvez um candidato que aparenta ser radicalmente contra tudo possa resolvê-los. O fenômeno Milei surge do esgotamento do peronismo de esquerda, e caso o governo Lula falhe é possível que se assista um esgotamento do PT.
A questão argentina é de primeira importância, pois o país se assemelha muito com o Brasil. O que acontece lá pode muito bem ser o futuro aqui. Ambos passaram por processos semelhantes de perseguição política, em ambos um candidato alternativo foi lançado. A diferença é que aqui Lula está no governo, mas infelizmente isso não é garantia de nada. A situação do imperialismo é crítica e o Brasil é uma das peças-chave no tabuleiro. Isso significa que a pressão para que Lula não consiga tomar nenhuma grande medida será gigantesca.
A esquerda pequeno burguesa nesse sentido só atrapalha. Tanto a esquerda golpista que atua abertamente para sabotar o governo Lula. Quando a esquerda chapa branca, mais ligada ao PT, essa esquerda, ao ofuscar a realidade extremamente perigosa, faz o jogo da direita. O melhor possível para todos os setores da direita é que Lula não consiga governar e não denuncie que sou governo está sendo sabotado. Na prática é isso que vem acontecendo nos últimos 7 meses. O comentário de Emir Sader também segue essa linha “ainda bem que aqui já resolvemos essa questão do bolsonarismo”.
Ele conclui o texto de forma positiva, mas que dada a realidade é um tanto assombrosa: “No geral, os dois países nunca estariam tão distantes e até opostos, desde o abraço fraterno de Nestor Kirchner e Lula, que deu origem a políticas de integração regional, que incluíram as relações mais próximas e fraternas entre Brasil e Argentina.” Na verdade o abraço fraterno do de Kirchner com Lula pode muito bem significar que Lula, e o próprio Brasil, afundaram no mesmo caminho que a Argentina. Apenas a mobilização da classe operária, permitindo que Lula governe para os trabalhadores, pode impedir esse destino.