Por quê estou vendo anúncios no DCO?

Extrema direita

Dividir o fascismo em “aspectos” é um esforço para não defini-lo

O vício da esquerda pequeno-burguesa no idealismo a impossibilita de compreender o que é o fenômeno político

É universal a incompreensão da esquerda pequeno-burguesa acerca do fenômeno do fascismo. Em busca das particularidades, em geral, escapa aos não adeptos do marxismo a questão fundamental do fascismo, há muito elucidada por Trotski, que escreveu extensamente acerca do fascismo italiano e do nazismo alemão.

De maneira um tanto resumida, o fascismo é um movimento impulsionado pelo imperialismo visando esmagar a democracia operária. Não se trata de uma ditadura típica, mas sim de uma ditadura que tem por objetivo esmagar toda organização da classe operária, desde o partido mais adaptado ao regime burguês até o partido revolucionário, esmagar todo o movimento grevista, etc. As demais características que um regime fascista possa ter são particularidades, por exemplo, o antissemitismo do nazismo alemão, pouquíssimo, ou nada, presente nos fascismos italiano, português ou espanhol.

Um problema que aparece ao se analisar um regime fascista partindo de suas particularidades é dar a elas um caráter universal. A consequência direta deste fato é classificar erroneamente movimentos políticos como “fascistas” devido à semelhança com alguma particularidade de algum fascismo, mesmo que estes nada tenham a ver com o aspecto fundamental do fascismo, ou seja, com o esmagamento total da organização da classe operária.

Novamente, tomando como exemplo a questão do antissemitismo, muitos grupos revolucionários do mundo muçulmano, principalmente em seu surgimento, poderiam ser classificados como fascistas seguindo um critério deste tipo, em um momento em que partidos políticos religiosos, supostamente antissemitas, combatem o imperialismo de armas na mão na Palestina. Uma doutrina política do tipo levaria ao apoio, ainda que velado ou indireto, ao massacre promovido pelos sionistas, e, portanto, ao imperialismo, o verdadeiro impulsionador do fascismo mundo afora.

Outro exemplo que vem à mente são os governos e movimentos nacionalistas latino-americanos e árabes. Os primeiros pelas suas boas relações com o fascismo europeu, que servia de contraponto ao imperialismo “democrático” dos norte-americanos. Os segundos por motivo semelhante, principalmente pela colonização pelos imperialismos “democráticos” francês e inglês, e em contraponto ao Estado, este de fato fascista, de “Israel”.

Estabelecidas as coordenadas para o debate, e tendo em vista a atual conjuntura política, tanto nacional quanto internacional, é oportuno analisar o texto “As diferentes faces do fascismo” de Boaventura de Sousa Santos, um sociólogo português, saído no portal Brasil 247 ontem.

Comecemos com a definição dada pelo autor ao fascismo:

“Defino fascismo como a condição sócio-política de concentração de capital que, sem controle democrático, legitima a total indiferença pela humanidade do outro.”

A caracterização é de tipo psicológica. A total indiferença pela humanidade do outro. Quem seria o outro? Não sabemos. Quem teria “total indiferença pela humanidade do outro”? Não sabemos. Existe controle democrático da concentração de capital em um regime capitalista não fascista? Evidente que não. Para além de colocações óbvias como “o fascismo é um fenômeno próprio das sociedades capitalistas”, esta definição dada pelo português é vazia de conteúdo.

Em sua busca para explicar “o fascismo da nossa época”, Sousa Santos estabelece uma divisão um tanto abstrata entre “fascismo societal” e “fascismo político”. O primeiro se referiria a “quando um grupo social detém o direito de veto sobre a vida de outro grupo” e o segundo a “um tipo de regime autoritário”. É possível que um grupo social detenha o direito de veto sobre a vida de outro grupo sem que haja um regime de tipo autoritário? Não, tornando desnecessária a distinção. Importante seria pontuar que grupo teria direito de veto sobre a vida de que outro grupo, e qual o mecanismo que permitiria a perpetuação de tal forma de subjugação.

O autor, em seguida, diagnostica as cinco “faces” do “fascismo da nossa época”: o neodarwinismo social, a religião política, a extrema-direita tradicional, a guerra jurídica e o individualismo acedioso. Tratemos de cada face separadamente.

Não há muito a se comentar sobre o neodarwinismo social para além da escolha do termo. Trata-se de um fenômeno típico do capitalismo em momentos que a classe operária se encontra numa posição desfavorável no que tange à relação de forças.

Para Sousa Santos, “religião política é a conversão de um credo religioso convencional em ideologia política anti-secularista e anti-pluralista.” Antes de analisarmos o conteúdo da questão, interessante é pontuar quais os três exemplos concretos dados pelo autor: o neopentecostalismo, o sionismo e o islamismo radical.

Salta aos olhos que coloca no mesmo balaio o sionismo e o islamismo “radical”, particularmente, por este não dar muitos exemplos concretos de islamismo “radical”. Estaria Sousa Santos falando de grupos financiados pelo imperialismo como a Al-Qaeda e o ISIS ou grupos que combatem o imperialismo no Oriente Médio como o Hamas e o Hezbollah? Todos entrariam, e entram, na classificação.

Trata-se, para além de uma análise mais profunda da questão em si, de uma grotesca capitulação frente ao sionismo. Confirmada de maneira incontestável quando o português reproduz a mitologia, pois trata-se de mito, de uma falsificação, acerca do que teria sido o sionismo antes do fascismo “israelense”, que tem horrorizado o mundo todo no último período devido à sua extrema violência.

“O sionismo nasceu como um movimento judaico nacionalista com o objetivo de criar um Estado judaico na Palestina onde os judeus […] pudessem viver em segurança. A ideologia política original era predominantemente socialista (sionismo trabalhista) e muito minoritária dentro do judaísmo […]. O holocausto produziu uma profunda alteração ideológica no sionismo, […] se transformou num movimento de direita e de extrema-direita e, nessa medida, passou a ser apoiado por forças políticas convergentes, ainda que não judaicas (o sionismo cristão), e com grande poder econômico, sobretudo dos EUA.”

Para além do fato de o sionismo ter por objetivo a criação de um Estado judaico na Palestina, não há uma única informação correta no trecho. Não foi o holocausto que mudou a ideologia sionista para uma ideologia de tipo supremacista, pois assim era desde a sua fundação, afinal, tratava-se de uma típica ideologia da burguesia europeia de tipo colonial. Na verdade, o holocausto foi muito útil aos sionistas: para além da cobertura ideológica posterior para todo tipo de atrocidade, muitos judeus opositores do sionismo foram assassinados nos campos de concentração de Hitler. Finalmente, o autor mostra desconhecer fatos dos mais básicos acerca da questão, como a declaração de Balfour, a qual demonstra que o sionismo foi, desde muito antes do holocausto, e da criação do Estado de “Israel”, impulsionado pelo imperialismo.

Do ponto de vista da ideia em si, trata-se de uma questão, a tese da “religião política”, sem concretude, que reflete uma tendência idealista típica da esquerda pequeno-burguesa. Ao invés de analisar os fenômenos políticos através da sua atuação no mundo real, Sousa Santos escolhe um aspecto meramente ideológico, no caso o aspecto “religioso”, para procurar caracterizar o fascismo.

Chegamos ao setor em que este analisa a “extrema-direita tradicional”. Sousa Santos assim denomina os herdeiros diretos do fascismo de outrora (podemos pensar nos nazistas ucranianos, que ele não cita naturalmente). Escolhe citar Trump e Bolsonaro. Há um argumento a ser feito acerca do ex-presidente brasileiro devido à sua postura acerca da ditadura militar brasileiro, um regime de tipo fascista. No entanto, a classificação de uma figura como Trump como da “extrema-direita tradicional” não faz muito sentido, tratando-se aqui de uma defesa velada do Partido Democrata norte-americano, grande financiador do nazismo mundo afora. Trump é, na verdade, um exemplo do fenômeno que o autor se propôs a analisar, da “nova” extrema-direita.

No que tange à questão da guerra jurídica, a escolha do termo é um pouco estranha. No entanto, em linhas gerais, Sousa Santos tem razão quando coloca as cortes supremas como um mecanismo anti-democrático para tutelar a “democracia” e que este está a serviço do imperialismo para perseguir seus adversários políticos nos diversos países.

A última sessão, dedicada ao “individualismo acedioso”, dedica-se novamente a uma caracterização de tipo psicológica do fascismo. Para além de considerações sobre a epidemia de distúrbios psíquicos, manifestação psicológica natural de sociedades em profunda crise, o autor passa muito longe de compreender a razão desta ser um “campo fértil de recrutamento para experiências de inconformismo e de ruptura anti-sistêmica […] que a extrema-direita e os fundamentalismos anunciam.” O problema está justamente no fato de a maioria da esquerda ter se adequado completamente ao regime político imposto pelo imperialismo no mundo todo. A conclusão natural para o indivíduo desesperado pela crise é que a esquerda também é agente política do colapso, enquanto isto a extrema-direita oferece, ainda que seja mera demagogia, uma alternativa “de luta”.

O fato é que, mais uma vez, um teórico pequeno-burguês procurou desenvolver uma teoria do que seria o fascismo para lhe escapar o aspecto mais fundamental da questão. Seria de maior interesse a Sousa Santos que dedicasse algumas horas de seu tempo a ler as obras de Trostki sobre a questão, para partindo daí tentar entender as particularidades da extrema-direita de nosso tempo.

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.