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Ric Jones

Médico homeopata e obstetra. Escritor, palestrante da temática da Humanização do Nascimento no Brasil e no exterior.

Atraso civilizatório

Um século de atraso

Os ataques aos direitos sexuais no bolsonarismo

StoneWall

Sim, sou da tese de que a homofobia é um fenômeno fortemente amplificado nos anos 70-80. Por certo que havia discriminação anterior a esta data, mas não do tipo que passou a ocorrer quando os gays resolveram assumir abertamente a sua orientação sexual. Antes disso, eram eram tratados como doentes e degenerados, mas não eram uma ameaça à nossa “sexualidade normal”. Por esta razão, foi possível no início dos anos 80, por exemplo, a criação aqui no sul da 1ª torcida (abertamente) gay do Brasil: A Coligay do tricolor gaúcho (formada pelo nome Coliseu, a boate que frequentavam, acrescido da palavra “gay”, que passava a assumir outro significado na cultura). Temo que, se esta torcida fosse criada hoje em qualquer clube brasileiro, ela ainda seria expulsa a pauladas do estádio.

Foi o “Stonewall Uprising” o fenômeno mais marcante da cultura gay na aurora dos anos 70. A boate Stonewall Inn, no Greenwich Village em Nova York, no dia 28 de junho de 1969, foi mais uma vez invadida pela polícia que, costumeiramente, batia e humilhava os frequentadores – em sua maioria homossexuais masculinos. Nestas “batidas policiais” os gays eram espancados, ilegalmente revistados e humilhados publicamente, demonstrando através da ação da polícia o ódio dissimulado aos gays. Os clientes eram presos temporariamente e os gerentes tinham a bebida confiscada. Entretanto, nesta madrugada de sábado, eles pela primeira vez reagiram. Fecharam a porta do estabelecimento, revidaram as agressões, bateram nos policiais com seus tamancos dourados e exigiram respeito à sua condição humana.

“Quando você viu um bicha revidar? Agora os tempos estão mudando; essa vai ser a última noite para essa porcaria acontecer”. Predominantemente, o tema era: “essa merda tem que parar!” (participante anônimo dos motins de Stonewall)

A partir de então, os motins e manifestações de apoio à comunidade gay em Nova York se multiplicaram. Exigiam a liberdade de se encontrar sem serem humilhados, revistados e presos apenas por se vestirem com roupas do sexo oposto. As suas práticas e modos de vida eram toleradas apenas enquanto se escondiam no escuro da noite, em guetos, apartados da vida social e, em especial, longe das crianças. Leprosos e possuidores de uma doença contagiosa, eram dignos somente de pena. Todavia, com a emergência do “orgulho gay” e a reivindicação de cidadania por parte da comunidade, espalhou-se o vírus da insegurança, em especial entre aqueles cuja sexualidade conflituosa era motivo de tormentoso sofrimento silente. Em poucos anos esta nova consciência dos direitos gays se espalhou pelo mundo todo.

A saída do armário, entretanto, criou o contrafluxo brutal contra a manifestação pública da sexualidade, que fica evidente ainda hoje na fala dos conservadores: “Se quiser ser que seja, mas faça com discrição, não na frente de todos”. Ou seja: “não crie em mim esta angústia que me faz arder por dentro, e me consome de incertezas”. A visibilidade dos gays despertou os sentimentos recalcados em um contingente grande da população, o que, por sua vez, acabou gerando a homofobia como hoje a conhecemos.

O bolsonarismo nada mais é do que a organização desse desconforto sob uma sigla. Personagens como Bolsonaro e Damares, e sua fixação na temática sexual e na perversão, nada mais são do que a manifestação na sociedade deste sintoma social. O guru de ambos, Olavo de Carvalho era incapaz de falar três frases sem inserir descrições pormenorizadas de pênis e ânus – e o fatídico encontro entre eles. Portanto, a crítica à maior exposição das infinitas formas de manifestação sexual não se dá pelo medo da “degenerescência da sociedade” – apesar de ser este o slogan – mais do quanto essa manifestação desabrida da expressão do desejo sexual pode afetar a tão combalida sexualidade de quem dela secretamente desconfia. O que não é simbolizado retorna no real, e esse retorno do recalcado pode vir através da destruição do outro.

Freud tratou dessa questão há quase 1 século em seu texto “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, onde deixava claro que a sexualidade nos humanos não é natural e que a orientação homoafetiva é tão problemática quanto a construção heterossexual, e que ambas não são infensas aos traumatismos. Mais ainda: essa construção é um processo de ordem subjetiva, e cada um de nós é o responsável único por dar conta dessa tarefa. Poucos autores foram tão atacados na história da cultura humana por suas palavras quanto Freud ao abordar a questão da sexualidade, em especial sua visão aberta e progressista sobre o afeto homoerótico. Tão avançado era que até hoje seus conceitos geram inquietude.

O que vemos hoje através dos adeptos do bolsonarismo – uma legião guiada pelo ressentimento – tem a gravidade de retroceder 1 século no processo civilizatório. Aceitar esse “retorno” aos conceitos e visões de mundo do século XIX serve apenas para reviver e promover o horror e a mentira que milhões de pessoas eram obrigadas a suportar apenas para dar conta de uma máscara social. O mundo precisa rejeitar o que este atraso significa.

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* As opiniões dos colunistas não expressam, necessariamente, as deste Diário.

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