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Henrique Áreas de Araujo

Militante do PCO, é membro do Comitê Central do partido. É coordenador do GARI (Grupo por Uma Arte Revolucionária e Independente) e vocalista da banda Revolução Permanente. Formado em Política pela Unicamp, participou do movimento estudantil. É trabalhador demitido político dos Correios e foi diretor da Fentect (Federação Nacional dos Trabalhadores dos Correios)

Futebol brasileiro

O exemplo vivo da antropofagia de Oswald de Andrade

O povo brasileiro criou e exportou uma nova arte para o mundo, feita com os pés e uma bola

Garrincha e Pelé

Em 1928, Oswald de Andrade publicava o Manifesto Antropofágico. Era o marco da fase mais radical do modernismo brasileiro até então. Os intelectuais que promoveram a Semana de 22 estavam em busca de uma arte nacional, novas formas e conteúdo que rompessem com os padrões anteriores.

A busca por essa arte nacional evoluiu cada vez mais para posições mais radicais. Alguns intelectuais assumiram posições conservadoras, de um nacionalismo retrógrado. Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, António de Alcântara Machado e outros que viriam a fazer parte do grupo antropofágico evoluíam à esquerda. A primeira tentativa de Oswald de Andrade foi o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de 1924. Ali, a busca do modernista por uma arte tipo exportação. O Brasil não mais seria um simples receptor dos produtos estrangeiros. Era a busca por uma arte nacional, para exportação, daí a ideia do Pau-Brasil.

O Manifesto Antropofágico representa uma evolução dessa ideia. Oswald compreendeu ser impossível uma arte para exportação sem as influências vindas de outros continentes. Fazer uma obra nacional significa que ela terá as influências estrangeiras, mas terá as características próprios da cultura brasileira. A antropofagia é justamente a alegoria para essa concepção de arte nacional que, do mais, é preciso dizer, se aproxima muito de uma concepção científica do problema da cultura.

Impossível entender a cultura como algo isolado. Cada sociedade é formada por intercâmbios culturais que se arrastam desde os tempos mais remotos até hoje. A cultura europeia de hoje só é como é porque cada uma das sociedades europeias foi formada por sociedades que vieram antes, que chegaram, que foram embora, que desapareceram.

No Brasil essa é uma realidade ainda mais explícita. A sociedade brasileira é um produto desse intercâmbio entre os brancos europeus, os negros trazidos pela escravidão e os indígenas que existiam aqui. A cultura brasileira, portanto, é, grosso modo, uma síntese dessas três culturas.

A antropofagia é a alegoria encontrada por Oswald para explicar esse problema. Uma alegoria bem brasileira. A do índio canibal que aqui está e que ao encontrar o estrangeiro o deglute se transformando já em outra coisa. Quando o índio se alimenta do outro, ele mesmo adquire algumas características da sua refeição.

A arte brasileira não está isolada do resto do mundo, coisa que nem seria possível, mas é uma arte com características próprias em relação às influências do que chega da Europa. O brasileiro importa, deglute, e exporta para o mundo algo novo, uma arte que já não é aquilo que chegou aqui, mas sim a arte propriamente brasileira.

Futebol: a prova viva da antropofagia

O que tem uma modalidade esportiva a ver com isso? O futebol é o mais vivo exemplo do que Oswald de Andrade definiu em seu Manifesto Antropofágico.

Quando o futebol chegou ao Brasil em 1894, trazido da Inglaterra por Charles Miller, apesar de relativamente popular na Europa, era apenas uma modalidade esportiva. Foi a ação do povo brasileiro, em primeiro lugar, que transformou o futebol em arte. Essa transformação não foi um produto consciente das camadas intelectuais do País, mas uma ação espontânea – até onde podemos falar em espontaneidade – das massas.

As massas trabalhadoras, compostas majoritariamente por negros e mulatos, imprimiram nova forma de jogar. Essa nova maneira de jogar foi uma necessidade imposta pela própria situação do negro na sociedade, nos primeiros momentos, afastado do esporte. Quanto mais popularidade o futebol ganhava, mais era praticado pelas camadas mais pobres, que encontravam, no entanto, a impossibilidade de jogar nos clubes e campeonatos da burguesia.

Os negros e mulatos precisaram se impor diante dos brancos ricos por meio de um jogo de muito maior qualidade e eficiência. Tendo como base elementos culturais presentes na cultura nacional, como a capoeira, a ginga, o samba etc, o povo criou um modo novo de jogar, que era mais dança do que jogo.

Gradualmente o futebol tornou-se parte da cultura do povo, mas não aquele futebol inglês, um futebol brasileiro, jogado pelo povo, com essas novas características.

Eis aí a prova viva da antropofagia: o brasileiro havia importado o football, mas agora exportava para o mundo o futebol arte. E essa arte foi imposta para o resto do mundo que passou a imitar o brasileiro.

O futebol desde então é a arte brasileira que o mundo tenta copiar.

O caso do futebol comprova que a teoria de Oswald de Andrade está muito próxima da realidade. Olhando mais detidamente as principais manifestações da cultura nacional, verificamos que todas elas fazem parte dessa síntese antropofágica: o choro, o samba, o carnaval, a capoeira.

Difícil saber se, em 1928, o modernista tenha se dado conta plenamente desse fato. Mas deixamos aqui um poema, ainda da fase Pau-Brasil (1925), que revela bem o espírito do que posteriormente seria algo incontestável: o mundo curvando-se diante do brasileiro. 

“E a Europa curvou-se ante o Brasil

“7 a 2

 3 a 1

 A injustiça de Cette

 4 a 0

 2 a 1

 2 a 0

 3 a 1

 E meia dúzia na cabeça dos portugueses.

O poema de Oswald descreve a excursão pela Europa, em 1925, do clube Paulistano, que perdeu apenas um jogo de dez. O Paulistano tinha em seu elenco Arthur Friedenreich, “El Tigre”, o primeiro grande ídolo do futebol brasileiro, o primeiro grande artista do futebol, que, aliás, era mestiço, mas isso é assunto para outra história…

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