A esquerda pequeno-burguesa brasileira se dividiu em dois grupos durante o golpe de Estado. Um setor que demorou para entender que haveria um golpe e, portanto, não reagiu à altura ─ esse foi o caso de setores do PT e do PCdoB, por exemplo. O outro setor simplesmente negava o golpe e dizia que o PT era igual à direita, e não lutou contra o golpe.
Esse segundo setor até hoje nega o golpe, uns abertamente, como é o caso do PSTU e de algumas correntes do PSOL. Outros, diante da impossibilidade de negar os fatos, adotaram uma política ensaboada para não ter que bater de frente com a maioria das pessoas que formam o movimento contra o golpe de Estado. O PCB, a UP e algumas correntes do PSOL se enquadram nesse grupo.
Esses que negaram o golpe de Estado continuam com a mesma política, só que de maneira mais dissimulada. Mas essa dissimulação não esconde essa mesma política. A cada etapa da situação, esses grupos são coerentes em seu golpismo. Não ficaram apenas a favor do golpe, ficaram também a favor da prisão de Lula.
Sem entender isso, é difícil entender porque justamente esses grupos são os que se negam a apoiar Lula nas eleições deste ano. A UP, o PCB e o PSTU já lançaram candidatos à presidência. Nada de apoiar Lula, não estão dispostos nem mesmo a discutir a importância de uma candidatura única da esquerda, do nome mais popular do País, e única em condições de derrotar Bolsonaro.
Demagogia identitária
Mas não é apenas a recusa de apoiar Lula. Os três partidos entraram de cabeça na onda identitária nas eleições.
O PCB lançou uma mulher (Sofia Manzano, professora universitária). A UP lançou um negro (Leonardo Péricles). O PSTU lançou uma mulher negra (Vera Lúcia). A demagogia identitária comprova o seu papel: ser uma cortina de fumaça desses setores da esquerda antipetista para se contraporem à candidatura de Lula “à esquerda”. É uma farsa total. Ter uma mulher ou um negro como candidato não quer dizer estar mais à esquerda.
É pura demagogia e nesse caso, uma demagogia de tipo eleitoral. No que essas candidaturas contribuirão para a luta das mulheres, dos negros e das mulheres negras? Absolutamente nada.
Se PCB e UP (e, obviamente, o PSTU) já mostraram que não querem nem saber de Lula, o PSOL, por ser uma organização composta de pequenos grupos, está enrolando. O setor mais ligado à burguesia, como Guilherme Boulos, mais preocupado com os votos e os cargos, esperam um acordo com o PT. Outro setor, ligado a correntes mais próximas do PSTU, como o MES de Luciana Genro e Sâmia Bonfim e a CST do vereador Babá, já afirmam abertamente que o PSOL deve lançar candidatura própria.
Há uma chance grande de o PSOL não apoiar Lula ou demorar tanto para se decidir que a campanha seja minúscula. Na prática, a não decisão já é um boicote à candidatura do ex-presidente.
O lançamento da candidatura própria da UP, do PCB e do PSTU serve, inclusive, como pressão nos setores do PSOL que rejeitam Lula.
Oportunistas e eleitoreiros fantasiados de revolucionários
A justificativa que serve de cobertura ideológica para esses grupos pequenos é a política reformista e de conciliação de Lula e do PT. Mesmo pretexto, inclusive, usado para não lutar contra o golpe e não defender a liberdade de Lula. Segundo esses grupos, o reformismo do PT impediria qualquer aliança, mesmo à custa do fortalecimento da direita.
Em primeiro lugar, vale esclarecer essa ideia. Um partido revolucionário – se acreditarmos que esses grupos realmente são revolucionários – não pode fazer aliança com um partido reformista? Essa ideia não tem fundamento teórico nem histórico.
A história da Revolução Russa mostra que os bolcheviques, embora não tenham se comprometido com o programa dos partidos reformistas, em várias ocasiões estabeleceu um compromisso com esses partidos. Foi assim, por exemplo, na tentativa de golpe do general Cornilov, quando Lênin chamou o partido a defender o governo Kerenski contra o golpe.
Poderíamos indicar vários outros exemplos. Mas é preciso explicar que um revolucionário deve guiar a sua política com base na mobilização das massas, que é similar a fazer evoluir a consciência das massas trabalhadoras.
A função da candidatura de Lula, nesse momento, é justamente essa. Lula é reconhecido pela maioria dos trabalhadores, em particular dos setores mais avançados, como uma peça para derrotar Bolsonaro. É preciso fazer evoluir um movimento em torno dessa candidatura. Estar de fora desse movimento é oposto disso. É reforçar as ilusões das massas nas eleições e na própria política reformista.
Mas PCB, UP e PSTU são de fato partidos revolucionários? Mais ainda, são de fato partidos não reformistas e inimigos da conciliação de classes? Não.
O problema desses partidos não é uma coesão ideológica contra o reformismo e as eleições. Todos esses partidos já fizeram, por exemplo, coligação eleitoral com o PSOL, que é um partido com ligações com a burguesia e com o imperialismo, inclusive com financiamento de campanha eleitoral por empresas.
A candidatura de Luciana Genro à presidência recebeu financiamento da Gerdau e de outras empresas capitalistas. Guilherme Boulos foi financiado pelo empresário Walfrido Warde. O candidato a vereador de Nova Iguaçu pelo PSOL, Wesley Teixeira recebeu financiamento da herdeira do Itaú e do banqueiro Armínio Fraga.
Em todos esses casos, o PCB e a UP estiveram juntos com o PSOL. O PSTU, que se isolou e entrou em crise no processo do golpe, não participou dessas últimas coligações, mas sua política tradicional é convocar o PSOL para uma frente de esquerda como a que aconteceu em 2006. Nessa eleição, PSTU e PCB formaram uma frente para apoiar Heloísa Helena, uma candidata conservadora apoiada pela burguesia.
Mas não é só isso. Esses partidos lançam seus candidatos e reproduzem a política dos políticos burgueses. Vejamos um exemplo bem atual. O youtuber Jones Manoel, que será candidato ao governo de Pernambuco pelo PCB, já incoporou o político burguês oportunista e eleitoreiro: faz promessas, diz que vai mudar o governo e a economia: “Então vamos desenvolver um debate em torno de uma economia voltada para as pessoas, enfrentando monopólios, defendendo o meio ambiente e combatendo as chagas fundamentais que atingem o povo pernambucano, já que o Estado é que mais tem desemprego no Brasil, duas milhões de pessoas passando fome” (Jones Manoel, em entrevista para a Revista Fórum). Vejam só que até a fome e o desemprego o candidato do PCB vai resolver.
O problema desses partidos é com o PT, não é a conciliação de classes ou a crença nas eleições. Eles têm a mesma política eleitoral, a mesma política oportunista, mas diferente do PT, esses partidos não têm base social.
O que está em jogo é a campanha feroz da direita contra o PT e Lula. Não querem se misturar com eles, porque não querem ficar mal com os setores direitistas de classe média que formam sua base e que são influenciados pela propaganda golpista da burguesia. É uma demagogia com esses setores pequeno-burgueses.
O não apoio desses setores à candidatura de Lula não é nada mais do que a continuidade da política golpista desses grupos. A ideia de que o PT é igual ao PSDB e que Lula é igual à direita, como era repetido na época do golpe, se reflete agora nas eleições de 2022.
Assim como ficaram ao lado da direita golpista durante todo o processo golpista, estão novamente colaborando com a direita.