Uma das posturas mais desagradáveis, talvez, seja a de corrigir a gramática das pessoas. Primeiro, porque a fala é algo particular, nela entoamos nossas paixões, nossos receios; mesmo quando tentamos esconder nossas intenções em nossos discursos, na hora de falar a voz alegra-se, treme, recua silenciosamente. Intrometer-se com regras gramaticais na fala do outro pode soar agressivamente, por isso reagimos tão mal às correções alheias. Quando um professor de português nos corrige em algum deslize, logo pensamos: ele não está prestando atenção em mim, naquilo que digo… ele está apenas patrulhando a minha gramática.
Além do mais, as normas gramaticais, mesmo encontrando justificativas em suas elaborações, estão longe de dar conta de toda a variedade linguística. As línguas não podem ser reduzidas a gramáticas e dicionários, elas são fenômenos sociais complexos; não é novidade para a sociolinguística e para a semiótica o quanto as normas gramaticais cultas e a elaboração dos dicionários não possuem a neutralidade ideológica pretendida. Torna-se difícil, portanto, corrigir as pessoas de erros discutíveis. Já em 1909, Lima Barreto satirizava os gramáticos nas Recordações do escrivão Isaías Caminha; vale lembrar da personagem o gramático Lobo, um revisor de imprensa cujo destino é o hospício, pois seu fanatismo por regras gramaticais, a maioria delas inventada por ele mesmo, o levou à loucura. Quantos gramáticos Lobos ainda veremos passear por aí?… nas televisões, nos rádios, nas escolas!…
O que fazer, então, quando não se pretende nem agredir a fala alheia, nem escorregar no ridículo dos gramáticos malucos? Antes de tudo, não se trata de corrigir a fala, mas sim a textualização da língua quando escrita, discutindo, para mais, a questão da correção gramatical enquanto uma questão política.
Na oralidade, quando usamos a língua para falar e não para escrever, raramente há planejamentos anteriores daquilo a ser dito, dizemos tudo na hora, ao sabor do momento. No diálogo sempre há o outro a colocar suas ideias e argumentos; semelhantemente aos jogos, lida-se na fala com o imprevisível. Quando escrevemos, o texto escrito deve falar por nós em nossa ausência e para qualquer um que saiba ler e escrever em determinada língua, por isso há a necessidade de normatizar um código não somente ortográfico, mas também gramatical. Quando falamos, nossas frases são curtas e sempre há tempo de organizar as ideias durante o diálogo; quando escrevemos, porém, dividimos nossa argumentação em tópicos. Assim, distribuímos nossas ideias em orações, períodos e, quando necessário, em capítulos. Deve-se conhecer adequadamente a língua para fazer tudo isso bem, justamente, porque é necessário levar em consideração quem vai ler todas essas frases e palavras.
O texto escrito é um documento, ele nos delega uma autoria por meio da qual se expõe o sujeito atrás das letras. Um homem racional deve saber se expressar, organizar seus pensamentos lógica e coerentemente, por isso a gramática, enquanto mecanismo linguístico próprio para realizar isso, deve ser conhecida. Em vez de ser mecanismo de opressão, a gramática participa na construção do arbítrio e da lógica das opiniões; para que todos se entendam, não quanto ao que cada um pensa, mas nos modos de expressar os pensamentos de forma inteligível e na manifestação escrita da língua, deve haver um registro gramatical comum possibilitando esse entendimento e as discussões derivadas dele. Esse é o papel político da gramática; seu ensino significa incluir boa parte das pessoas na cultura partilhada pela mesma sociedade, significa dar à cultura não visões estáticas e conservadoras, mas movimentar a história com a pluralidade dos discursos.
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