A posição da esquerda nacional sobre a tomada do poder no Afeganistão expressa um profundo retrocesso ideológico. Durante vinte anos (2001-2021), os Estados Unidos ocuparam militarmente o País asiático, mataram cerca de quinhentos mil afegãos – inclusive mulheres e crianças – e gastaram R$1 trilhão para sustentar esta empreitada.
Na época da invasão, o conjunto da esquerda brasileira se posicionou contra a ocupação militar do Afeganistão. O ex-presidente George Bush (Partido Republicano), um representante direto do imperialismo, se utilizou do pretexto de combate ao terrorismo para enviar as tropas. A doutrina americana de Guerra ao Terror fundamentava a intervenção dos países da Ásia Central e do Oriente Médio. O governo do Talibã foi acusado de abrigar aqueles que promoveram o atentado às Torres Gêmeas em Nova Iorque.
Vinte anos depois, a esquerda se adaptou ao imperialismo, tornando-se seu apêndice a partir da política identitária, e se posicionou contra o movimento guerrilheiro insurrecional em apoio aos Estados Unidos. Os partidos e correntes da esquerda pequeno-burguesa centrista encontraram mil subterfúgios para se oporem à revolução que representa a expulsão das tropas dos Estados Unidos e da Organização Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
O Talibã é acusado de oprimir as mulheres e de expressar uma ideologia religiosa reacionária. Contudo, este movimento, apesar de contraditório e atrasado ideologicamente, enfrentou o maior Exército do mundo de armas na mão ao longo de vinte anos. Os americanos chegaram a enviar 300 mil soldados para o território afegão na administração Barack Obama (Partido Democrata). A esquerda não deveria vacilar em apoiar um movimento nacionalista que se levanta em armas contra o imperialismo num país atrasado, aliás, um dos mais atrasados e pobres do mundo.
Setores da esquerda exigem credenciais em relação à luta das mulheres, LGBTs e negros. Um movimento guerrilheiro só pode ser apoiado, conforme considera essa esquerda, se expressar as concepções políticas identitárias dominantes, que não por acaso são difundidas pela imprensa imperialista. O Talibã é acusado de oprimir as mulheres. Parece que as mulheres não são oprimidas em nenhum País do mundo (EUA, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Brasil, Itália, Portugal, Bélgica), exceto no Afeganistão e, particularmente, no regime Talibã. Daí se deduz que o imperialismo norte-americano e suas tropas foram os grandes defensores das mulheres.
O apoio disfarçado e até envergonhado à ocupação no Afeganistão revela o espetáculo da falência política da esquerda, domesticada e adaptada à democracia burguesa dominada pelo imperialismo. Isto só pode ocorrer em virtude do abandono de qualquer tipo de luta real contra o regime político e em favor dos trabalhadores.
A adesão à ideologia burguesa e pró-imperialista do identitarismo, propagada pela Agência Central de Inteligência (CIA, sigla em inglês) dos Estados Unidos, é o câncer que corrói por dentro a esquerda pequeno-burguesa brasileira. Diante do espetáculo da expulsão das forças imperialistas no Afeganistão, um acontecimento de significado histórico que comprova a debilidade do sistema imperialista, a esquerda protagonizou outro espetáculo, o da sua falência política.