A Radial Oeste, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, ficou interditada no dia de ontem, quando, em frente o Museu do Índio, localizado no Maracanã, houve um protesto contra o Projeto de Lei 490, que trata da demarcação das terras indígenas e do acesso aos povos que vivem isolados da vida “civilizada”.
Durante a manifestação, foram queimados pneus e madeiras no improviso de uma barricada, como uma forma de demonstrar a indignação contra o texto da PL 490, nitidamente prejudicial aos povos indígenas, e que, se aprovado, além de dificultar a demarcação das terras, vai facilitar a entrega delas à rapinagem de fazendeiros, grileiros e especuladores imobiliários.
O PL 490, que foi apresentado em 2007, acabou desengavetado pela base governista na Câmara, que deu a ele contornos defendidos pela bancada ruralista, com a clara tentativa de diminuir, quanto não retirar, os direitos territoriais garantidos aos povos indígenas na Constituição Federal de 1988.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), através do seu jurídico, produziu uma nota técnica sobre o Projeto de Lei (PL) 490/2007, e apontou uma grande quantidade de dispositivos inconstitucionais, e uma série de contradições de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O fato de que os ministros determinaram, por unanimidade, a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que discute a demarcação da Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, do povo Xokleng, evidencia esta contradição. Isso significa que o julgamento desse caso servirá de diretriz para os demais processos envolvendo demarcação de terras indígenas em todo o país.
Entre as restrições às demarcações de terras indígenas que o PL 490 busca impor está a tese do marco temporal, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação daquelas terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988.
Esta tese deve ser analisada no processo de repercussão geral e também já conta com diversos posicionamentos contrários de ministros do STF – o que, na avaliação da Assessoria Jurídica do Cimi, também evidencia que não é um tema “pacificado” no Supremo, ao contrário do que defende a bancada ruralista.
Outro ponto importante do texto da PL é a previsão de flexibilizar o usufruto exclusivo das terras indígenas pelos povos originários, garantido pela Constituição, e inclusive a possibilidade de que a União se aproprie e disponibilize para a reforma agrária terras em que tenha havido “alteração dos traços culturais da comunidade”.
Essa tese, defendida também pela bancada ruralista, é assimilacionista, e permite a intervenção do aparato reacionário contra as garantias indígenas, justificadas pela perda de parte dos traços culturais originários, o que, por consequência, levaria a perda do território, o que, de novo, é mais uma armadilha para expropriar o índio de suas terras.
O marco temporal e a flexibilização do usufruto das terras representa um grande retrocesso para os povos indígenas além de uma afronta à Constituição, já que o direito indígena é cláusula pétrea e não se submete a reformas legislativas.