Nesta terça (7) a Câmara dos Deputados aprovou o texto do Projeto de Lei (PL) 948/2021 que permite às empresas privadas comprarem vacinas contra o coronavírus para imunizar seus diretores e funcionários. Num momento em que a vacinação no Brasil não atingiu sequer 10% da população (9,84%, 20.828.398 pessoas) com a 1ª dose e 2,78% (5.881.392 pessoas) com a 2ª – conforme dados do consórcio da imprensa golpista – os deputados permitiram que os capitalistas furem a fila enquanto o povo morre a espera de leitos de UTI e da vacina.
O que diz o texto?
O projeto agora vai ao Senado e se aprovado, o repasse obrigatório ao SUS de 100% das vacinas compradas pelas empresas cairá para 50% das doses. Ou seja, uma empresa que tenha 100 cargos de gestão, da direção aos gerentes, irá comprar 400 doses de vacina, terá 200 para imunizar seus quadros e doará as outras 200 para o sistema de saúde público. Com isso, não gastará quase nada, conseguirá que pessoas que não fazem parte dos grupos prioritários da campanha de imunização furem a fila, enquanto que este número de doses doadas não fará diferença alguma na campanha de vacinação nacional.
Num momento em que os países ricos se apoderaram das vacinas, por interesses econômicos e políticos, e há uma escassez global, o PL ainda permite a compra de imunizantes sem registro e aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Veja-se a coincidência, o governo Bolsonaro, que se recusou – devido ao lobby do imperialismo norte-americano – a comprar a vacina russa Sputinik V, que não foi até agora aprovada pela Anvisa, agora poderá ser comprada pelos capitalistas. Não se sabe porque a Vigilância Sanitária até agora não autorizou a vacina russa, além do argumento esdrúxulo de que a Rússia não teria sido requisitado o uso emergencial dela em território nacional. O fato é que essa possibilidade sinaliza uma manobra dos capitalistas brasileiros para manter uma espécie de reserva de mercado de vacinas para sua própria imunização, uma atitude criminosa!
O PL foi aprovado pelos deputados golpistas no mesmo dia em que o País, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, ultrapassou 4 mil mortes em 24h (4.195), acumulando mais de 336 mil mortos (336.947).
Um risco sanitário ainda maior
Segundo depoimento do pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Cabral, em entrevista a Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual:
“…A compra de vacinas contra a covid-19 pela iniciativa privada para imunização de diretores e funcionários de empresas, faz parte de uma estratégia que pode favorecer ainda mais a propagação do vírus no Brasil.”
De acordo com ele, o projeto é a oficialização do ‘fura-fila’ que coloca em segundo plano grupos prioritários e o enfrentamento da pandemia. O texto cria um problema enorme ao permitir que um novo ciclo da covid-19 possa ter início no país:
“Se as pessoas que têm condições de se vacinar furarem a fila antes de vacinarmos não só o grupo prioritário, mas os dois terços (da população brasileira), o que vai acontecer é que o número de mortes pode cair. Isso é bom, só que é aparentemente… Porque quando cai o número de mortes por conta de as pessoas com mais condições (financeiras) terem sido vacinadas, isso camufla (a crise sanitária).” (Gustavo Cabral, pesquisador da USP)
Ele explica que ao ter essa falsa impressão de melhora as pessoas vão imaginar que a pandemia acabou:
“…e não acabou, acabou para a classe mais favorecida. Mas a classe mais baixa vai continuar morrendo e sendo exposta. E enquanto as pessoas não olham, esse número de mortes vai se propagando ao longo do tempo, vão surgindo novas variantes, novas cepas que podem se tornar mais letais e voltaríamos à situação que estamos agora… Ou nós imaginamos que o controle e a vacinação é para todos, ou vamos dar essa ‘oportunidade’ ao vírus de matar muito mais pobres, favorecendo inicialmente quem tem dinheiro e, no futuro próximo, voltando a afetar a todos novamente.” (Gustavo Cabral, pesquisador da USP)
Os capitalistas pressionaram para que os governos golpistas, de Bolsonaro e dos governadores e prefeitos “científicos”, não fizessem nada diante da pandemia, a não ser economizar dinheiro fazendo demagogia com a questão dos “lockdowns” e medidas restritivas que fossem infinitamente mais baratas que comprar testes para toda a população, isolar e tratar os doentes, ampliar a estrutura do sistema de saúde, contratar todo o quadro de profissionais necessários, construir novos hospitais, expandir antigos, etc.
Este episódio revela que a crise sanitária não é meramente um problema de saúde, mas sim da luta de classes. Num País onde a campanha de vacinação não atingiu com as 2 doses nem 3% da população, os hospitais já não tem mais leitos, oxigênio e insumos para a UTI, a burguesia arranja uma forma de se salvar e deixar o povo à deriva.