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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Inimigos dos trabalhadores

A “terceira via” tem nojo do povo

A “terceira via” não representa um “caminho do meio”; ela corre em paralelo com o Bolsonaro, que será sua opção caso não consiga um candidato para ludibriar o povo.

doria

A autointitulada “terceira via” se apresenta no debate político como a expressão da moderação, ou seja, seria ela o ponto médio entre dois extremos, representados por Lula (à esquerda) e por Bolsonaro (à direita). A posição de “centro”, que essas pessoas reivindicam para si, é, porém, uma farsa.

Há duas questões a analisar, que, como veremos, são convergentes. A primeira delas é que o suposto ponto médio seria melhor que qualquer um dos polos, e a segunda é que a “terceira via” representaria esse ponto médio.

Entre a água gelada e a água fervente, dois extremos, temos a água morna, que é boa para o banho, mas não para beber num dia de sol escaldante nem mesmo para esterilizar a mamadeira do bebê. Em resumo, podemos precisar de uma ou outra coisa, a depender da situação. Será que a política pede água morna? Só se for para quem quer manter os próprios privilégios.

A suposta moderação, em tese, seria expressa por um grupo de iluminados, capazes de racionalmente equilibrar anseios da sociedade como um todo. Na prática, uma espécie de confraternização entre o banco Itaú, os coletivos da periferia, o MBL do Kataguiri, o PSOL da Isa Penna, o Cidadania do Cury apalpador, o PC do B dos identitários Bruna Brelaz e Jones Manoel, o PSDB do FHC, do Aécio Neves e do golpe de 2016, a Globo, a Globonews e a GNT, o PDT do Ciro Gomes, o Caetano Veloso…

Na teoria, não caberiam aí nem o Lula nem o Bolsonaro, certo? Mais ou menos: o Lula, por óbvio, não cabe de jeito nenhum, mas o Bolsonaro pode ser convidado para esse amistoso piquenique, desde que aprenda a usar os talheres.

A inabilidade do Bolsonaro no uso dos talheres leva-nos ao segundo ponto. Os jornais da burguesia e a imprensa progressista ficam muito parecidos entre si quando Bolsonaro foge ao protocolo (quando comeu pizza na rua nos Estados Unidos, por exemplo, todos diziam que o presidente estava “envergonhando o povo brasileiro”). Esse é o ponto de vista da burguesia e também o da pequena burguesia, que tem a primeira como seu modelo.

Bolsonaro não oferece nada de concreto ao povo, mas, ainda assim, consegue chegar às pessoas, coisa que a “terceira via” não consegue de jeito nenhum. Os modos rústicos, as piadas de “tiozão do churrasco”, os apelos à religião, o reforço da masculinidade convencional (o “imbrochável”), a linguagem simples, esse tipo de coisa aproxima Bolsonaro de grande parte da população, que se vê como ele nesses quesitos. Isso irrita e envergonha a turma da “terceira via”, ou seja, os coxinhas, que têm nojo do povo.

A esquerda pequeno-burguesa universitária, por sua vez, trata o povo como objeto de estudo em suas teses e dissertações acadêmicas e, graças ao bom-mocismo que lhe é peculiar, mostra alguma complacência ou compaixão pelos pobres. São sempre os primeiros a promover campanhas de doação de uma coisa aqui, outra ali nas redes sociais. Nada contra estimular a classe média a doar aos pobres, mas só lembrando que isso não é propriamente uma ação política – geralmente, as igrejas e instituições de caridade fazem esse tipo de trabalho assistencialista.

Neste momento, em que a população geral está empobrecida (há famílias nas portas de supermercados transformadas em pedintes) e em que os pobres voltaram à miséria, nas filas de ossos e carcaças de peixe, o governo Bolsonaro, a um ano da eleição, decide criar um “auxílio” temporário de R$ 400 mensais, que sepulta o programa Bolsa Família do PT.  Diante da situação calamitosa, Bolsonaro tem de dar, pelo menos, uma esmola ao povo, caso contrário as pessoas podem optar pela volta da esquerda ao poder.

A imprensa da “terceira via”, no entanto, está em polvorosa com o “furo do teto de gastos” que vai permitir ao Bolsonaro dar esse dinheiro às pessoas mais pobres até o fim do mandato dele. É óbvio que a estratégia é “eleitoreira” e Bolsonaro aproveitou a oportunidade para sepultar o Bolsa Família. Os editorialistas de jornais burgueses, no entanto, fazem contorcionismo para encontrar um argumento palatável, racional e iluminado, típico da “terceira via”, para embasar sua crítica ao auxílio.

Segundo a Folha de S. Paulo, “a irresponsabilidade de Bolsonaro imporá custo alto para os mais pobres”. A “irresponsabilidade”, no caso, é o auxílio de R$ 400, que, segundo o texto, vai desencadear mais inflação e, com isso, prejudicar o próprio povo. Supondo que o raciocínio esteja matematicamente correto, deduzimos que o próprio povo deveria ser contrário ao auxílio de hoje para evitar um problema futuro. Mais concretamente, o povo deve morrer de fome agora para não morrer de fome no futuro. Nem o Paulo Guedes seria capaz de um argumento tão sem-vergonha.

O argumento da “perda da confiança” por parte dos “investidores estrangeiros”, usado pelo mesmo jornal em sua versão “popular”, o Agora, é ainda mais falacioso e se sustenta em um vocabulário moralista para atacar a medida do governo (“dar calote”, “abandono da disciplina”, “mina a confiança”, “gambiarra”), no intuito sorrateiro de atingir o brio das pessoas (o que você acha de quem dá calote, faz gambiarra etc.?). Só se esquecem de dizer que o próprio ministro da economia, o tal de Paulo Guedes de quem gostam tanto, guarda seu dinheiro em paraíso fiscal – conta secreta, em país estrangeiro – porque nem mesmo ele confia no governo de que participa e porque, do ponto de vista de milionários em geral (tanto o próprio Guedes como os donos de jornais), ricos têm o direito de fazer certas gambiarras para não pagar imposto, dando calote no fisco e, de quebra, na população.

Então vejamos dois pontos: (1) a “terceira via” tem vergonha do Bolsonaro naquilo em que ele se aproxima do povo, como também tinha vergonha do Lula, sempre acusado de “falar errado” ou de não falar inglês e outras coisas que denunciam sua origem popular (inclusive o dedo perdido em acidente de trabalho quando era operário), e (2) a “terceira via” é contrária ao auxílio dado ao povo porque o furo no criminoso teto de gastos incomoda os investidores estrangeiros, que “perdem a confiança” no governo.

A “terceira via” é, portanto, um Bolsonaro sem nenhum aceno – verdadeiro ou falso – ao povo. Dito isso, só nos resta concluir que essa “terceira via”, na prática, está tão à direita quanto o próprio Bolsonaro, mas não consegue nem enganar os eleitores, daí seu esforço para aparecer na foto ao lado das lideranças de esquerda. O que importa é ficar claro que a “terceira via” não representa um “caminho do meio”; ela corre em paralelo com o Bolsonaro, que, afinal, será sua opção caso não consiga inventar um candidato capaz de ludibriar os eleitores, coisa que ele sabe fazer muito bem.

Esse grupo está totalmente a serviço de um projeto de privatização do Brasil. Com essa gente no poder, tudo irá para as mãos dos investidores estrangeiros, como já temos visto com o próprio Bolsonaro, porém mais rapidamente e sem obstáculos. As portas do país serão abertas a quem quiser vir aqui lucrar, a qualquer custo, com o domínio de setores estratégicos (petróleo e gás, energia, correio etc.) e – por que não? – saúde, educação ou qualquer outro. O Doria, “terceira via raiz”, conseguiu privatizar um logradouro público, o tradicionalíssimo vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo. Existe exemplo mais absurdo do que esse?

Bolsonaro e a “terceira via” prestam um grande desserviço ao povo, cada qual à sua maneira, que é passar a mensagem de que a política é um conjunto de ideias abstratas, não ação prática. Bolsonaro, com a ajuda dos pastores evangélicos, faz as pessoas acreditarem que suas dificuldades são “naturais”, são ”coisas da vida”, são “falta de fé” e nada têm a ver com a política; a “terceira via” faz o mesmo quando, dia e noite, fala em “empreendedorismo”, pescando aqui e ali uma “história de sucesso” para provar, nas páginas de jornal e nos noticiários de TV, que a competência, a inteligência, a disciplina, enfim, o “talento” dos indivíduos é que os leva a progredir, independentemente das condições em que vivem, o que também não teria nada a ver com a política.

Enquanto isso, a esquerda, que deveria estar unida em torno do Lula, seu candidato natural, vai sendo seduzida pela política identitária, que serve basicamente para minar a percepção de classe das pessoas. O “inimigo” do povo deixa de ser a burguesia e passa, vagamente, a ser alguém de outra cor de pele ou de sexualidade diferente. Nesse sentido, essa política está bastante afinada não só com a “terceira via” como também com o próprio Bolsonaro. Este, na verdade, fomenta a política identitária, pois, ao fazer provocações verbais gratuitas a mulheres, LGBTs e negros, desloca o debate político para essas pautas, enquanto, na surdina, vai passando a boiada da burguesia e afundando o povo na pobreza e na resignação.

É papel da esquerda desmascarar essa grande farsa e mostrar quem é quem nesse jogo. A força está com o povo, que precisa de organização para lutar contra os seus reais inimigos, aqueles que se beneficiam da sua miséria.

A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a posição deste diário.

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