Saída na mão dos trabalhadores

Contra o fechamento da Ford: greve com ocupação de fábrica!

A desindustrialização é um projeto, faz parte da política neoliberal e visa transformar os países periféricos em meros fornecedores de matéria prima e serviços.

Desde o golpe de 2016 e, em particular, como consequência da da operação Lava Jato, seguindo com o projeto de destruição do país levado a cabo pelo PMDB de Michel Temer, e aprofundado agora com o governo Bolsonaro, a economia brasileira afunda, amplificada pela ressaca da crise de 2008, cujos sinais mais claros são o aprofundamento do desemprego e a desindustrialização.

Além da destruição das construtoras, da indústria naval, de afetar de forma profunda toda a cadeia produtiva de petróleo e gás, seguiu-se mais recentemente o fechamento de indústrias com longa história em diversos lugares do país, em particular no Sul do país. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, quatro empresas encerram suas operações:

  • A Duratex[1] redistribuiu a produção da fábrica de São Leopoldo para outras unidades do país e desempregou 480 funcionários[2].
  • Nestlé, unidade de Palmeira das Missões da multinacional Nestlé, encerrou as atividades e demitiu 18 trabalhadores[3].
  • A Metalúrgica Bringhenti[4], do município de Guaíba, abriu falência e dispensou 17 trabalhadores.
  • A Paquetá Calçados, empresa líder do ramo calçadista, migrou de Sapiranga, onde atuava desde 1945, para a região Nordeste e República Dominicana.

Somente em São Paulo, nos 5 (cinco) primeiros meses deste ano de 2019, foi registrado o fechamento de 2.325 fábricas. Embora novas indústrias sejam abertas, quase sempre isso significa que pequenas indústrias tomam lugar de outras grandes e com menor número, muito menor, de funcionários. Ou seja, perde-se em produtividade e não se reverte a questão do desemprego.

O CASO FORD

No dia de ontem, o anúncio de que a Ford encerrará sua produção em São Bernardo do Campo. A Ford começou a produzir seus automóveis em São Bernardo do Campo em 1967, chegando a empregar mais de 7.000 funcionários, reduzidos a 2.800 funcionários diretos este ano. No mês de julho, a empresa encerrou sua produção do Fiesta, e ontem finalizou a produção de seu ultimo caminhão. 650 metalúrgicos estão desempregados desde hoje. Até março mais 1000 funcionários serão realocados, segundo a empresa.

O fechamento de uma empresa com tantos anos de atuação, com tantos funcionários e, por sua característica de ter em torno de si uma cadeia produtiva enorme, significa muito mais que o simples fechamento de portas de uma fábrica.

A cadeia produtiva da indústria automobilística tem em torno de si o importante setor de autopeças, que se liga a empresas produtores e fornecedoras de aço, sistemas elétricos e eletrônicos, não ferrosos, sintéticos plásticos, óleo e vidros.

Além disso, é comum que as grandes empresas automobilísticas, caso da Ford, também terceirize a montagem de pequenas montagens para dedicarem-se à montagem de grandes sistemas no veículo.

Então, o fechamento de uma empresa desse porte representa um impacto enorme em toda uma série de empresas que atuam em torno da montadora.

De toda forma, o mais importante é saber que esse fechamento não será revertido com empréstimos, por exemplo via BNDES, pois trata-se de uma política, deliberada, portanto, de desindustrializar o país.

A GREVE, A ARMA MAIS POTENTE DA CLASSE TRABALHADORA

Somente a organização dos trabalhadores, somente tendo claro que esse é um projeto do governo fascista de Bolsonaro, como era projeto do governo golpista de Michel Temer e do PSDB, que não será revertido sem que haja forte mobilização e o fim do governo e das políticas neoliberais.

Os metalúrgicos têm uma longa tradição de luta no país, e os trabalhadores da Ford uma história de organização e greves bem sucedidas:

Em 1966, já em plena ditadura, os trabalhadores do setor de inspeção da fábrica Willys Overland fizeram uma greve de fome, como parte de sua luta por reajuste salarial. Posteriormente, essa greve de fome se alastrou para vários setores da empresa. É importante lembrar isso, porque a Willys será comprada pela Ford no ano seguinte, 1967.
Já em 1967, com na nova empresa, os trabalhadores vão paralisar, alguns meses depois, a produção.  Temos a intervenção do Exército que, no terceiro dia da greve, entrou na fábrica e pôs fim à paralisação. Já nesse momento, os militares buscam prender o sindicalista Julião Galache, mas foram impedidos pelos trabalhadores.
Em 1970, com o AI-5 em pleno vigor, nova greve é realizada. Foi uma greve chamada de ‘dor de barriga’, que parou a produção e os trabalhadores criavam filas gigantescas em frente à enfermaria.

Em 1978, os trabalhadores da Scania fizeram uma grande paralisação que logo se espalhou para outras fábricas. A Ford logo acompanhou a paralisação e foi a última a retornar os trabalhos, pois os trabalhadores não cederam a qualquer coisa. A Fiesp e o Sindicato teriam chegado, no caso da Scania primeiro, a um acordo de 15% de reajuste.

Os metalúrgicos da Ford somente retornaram ao trabalho algum tempo depois, quando o sindicato fechou acordo para que não houvesse desconto de nenhuma hora parada, compromisso de melhorar a refeição e 11% de aumento real.

Em 1978, ocorreu também, além do 3º Congresso dos Metalúrgicos de São Bernardo[5], o I Congresso da Mulher Metalúrgica, que procurou denunciar a condição das mulheres na fábrica, os baixos salários, o assédio sexual.

Foi exatamente durante o ano de 1978 que os metalúrgicos foram se organizando para a grande greve de 1979. Prepararam essa que foi uma paralisação de toda uma categoria, a dos metalúrgicos, por aumento de salário.

A greve de 1979 levou até 100 mil pessoas para campo da Vila Euclides. A organização incluía piquete nos bairros para parar os ônibus que levavam os trabalhadores, e até ações mais agressivas como o uso de  miguelitos para furar pneus, quebra de vidros do ônibus. Marcação cerrada sobre os fura-greve.

Essa greve foi considerada ilegal e a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC foi afastada. Mas isso não desmobilizou os trabalhadores e a diretoria reassumiu no peito e na raça o sindicato, com total apoio da classe.

Em 1980, vai acontecer, por sua vez, a maior das greves daquele período. A crise econômica se agravara, e o país era consumido por uma inflação galopante, o arrocho salarial era absurdo, o poder de compra caiu drasticamente e o desemprego aumentava aceleradamente.

A greve eclode no dia 1° de abril de 1980.

As assembleias da Vila Euclides eram cada vez mais cheias e fortes. A ditadura já combalida, mas ainda vigente, investiu pesado na repressão, com o exército e a PM, mas isso não teve efeito sobre a greve. Foi uma paralisação de quase 100% da categoria, paralisação de todas as atividades.

A categoria, no entanto, estava organizada e se preparou para essa greve. Havia um grande fundo de greve, as comissões estavam funcionando, os trabalhadores sendo informados e formados ao logo de todo o ano, permitindo uma decisão consciente do desafio de uma grande greve.

Lembremos que apesar de vitoriosa, o custo da greve foi grande. A ditadura estava disposta a reprimir duramente os dirigentes sindicais. Lula e outros dirigentes foram presos, foram cassados, não poderiam mais participar da diretoria. Mas a luta era necessária porque as condições dos trabalhadores era objetiva, tudo piorava muito rapidamente com a inflação e as políticas econômicas desastrosas do período[6].

Em 1981, os metalúrgicos fizeram outra greve, dessa vez uma greve de ocupação. A Ford foi ocupada pelos trabalhadores, exigindo readmissão dos companheiros demitidos injustamente, disponibilização de transporte, aumento do percurso do ônibus já disponível, aumento de salário, equiparação salarial e criação de uma comissão de fábrica.

Greve de ocupação na Ford, novembro de 1981. Foto: Arquivo do SMABC

Além dessa, a Ford de São Bernardo do Campo promoveu outras greves e manteve-se organizada por muitos anos. A Ford se destacou tantas vezes na organização sindical, na preparação para as greves, por que hoje os trabalhadores chegaram ao ponto de irem para o abate sem esboçar uma reação à altura do desafio? Como é possível apostar nos patrões e numa solução vinda do governo que tem como objetivo retirar direitos dos trabalhadores e ampliar o desemprego.

Os metalúrgicos da unidade da Ford em Tatuí, São Paulo, fizeram greve no mês de setembro exatamente por temer que a decisão de fechamento de fábricas chegasse até eles. E trata-se de uma fábrica muito menor, com cerca de 270 funcionários. Não deveria ter sido uma greve ampliada?

Lembremos que a desindustrialização pós ditadura militar começa já com o governo Collor e foi amplificada absurdamente nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso. As indústrias conheceram uma trégua e um incentivo nos governos do PT, mas os próprios empresários parecem não ter entendido o processo, além de os interesses imperialistas, na fase neoliberal do capitalismo, intentam reduzir países como o Brasil a meros fornecedores de matéria prima e, em consequentemente, consumidor de bens de valor agregado, em particular quando se trata de produtos de tecnologia[7].

Como tem sido desde sempre, somente o trabalhador pode e quer lutar pela classe. Somente a mobilização e a organização dos trabalhadores têm condições de lutar de forma efetiva por seus interesses e de pressionar verdadeiramente os empresários e o governo.

 

Depende do trabalhador e somente dele, tendo claro que o Estado sempre atuou – e nesse período pós golpe ainda mais – contra o trabalhador, para tutelá-lo, o que inclui o sistema de justiça, a Justiça do Trabalho. Com o desmonte promovido pela Reforma Trabalhista, enfraquecimento dos sindicatos, é necessário apostar na mobilização massiva dos trabalhadores para pôr um fim a este governo e aos projetos que ele representa.

O caminho é o da greve, uma greve de ocupação, como a ocorrida em 1981.

Greve de novembro de 1981. Foto: Arquivo do SMABC

NOTAS:

[1] Fabricante de louças e metais sanitários das linhas Deca, Hydra, Ceusa e Durafloor.

[2] Segundo a direção da empresa, o motivo do fechamento seria a queda vertiginosa do setor da construção civil.

[3] A empresa alega que houve uma diminuição elevada no consumo de leite, obrigando-a a transferir as atividades de Palmeira das Missões para Carazinho. Os trabalhadores dispensados ficaram ao deus dará.

[4] A empresa existia a mais de 40 anos.

[5] Nesse Congresso, foi importante a discussão sobre a criação de comissões de fábrica. Embora alguns defendessem que deveriam existir apenas delegados sindicais (e não comissões), a tese das comissões de fábricas saiu vencedora e, em 1981, possibilitou a criação da Comissão de Fábrica dos Trabalhadores na Ford.

[6] Nesse ano, com a economia em frangalhos, a perseguição dos donos das fábricas aos sindicalistas era descarada. Ao saberem de um funcionário disposto a disputar um cargo no sindicato, era grande a possibilidade de ser demitidos, além do risco de as atividades serem criminalizadas e haver prisão.  A Ford demitiu mais de quatrocentos funcionários em 1981, nesse contexto.

[7] A implicação direta aqui é que não se deseja investimento em ciência e tecnologia além do básico, tornando os países dependentes, ainda mais, dos ‘donos’ da tecnologia de ponta no mundo.

 

 

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