Liberdades democráticas

‘Democracia x autocracia’, uma leviandade golpista e imperialista

Sob uma falsa dicotomia, articulista do Poder360 defende a perseguição política e uma legislação que favorece unicamente a manipulação das eleições

Na última terça-feira, 18 de março, o portal Poder360 publicou uma coluna intitulada “71% da população do planeta vive em regimes autocráticos”, assinada pelo procurador e jurista Roberto Livianu. A peça é mais uma daquelas produzidas de maneira industrial pela imprensa burguesa para a campanha “democrática” do imperialismo. Vejamos o que o gabaritado articulista tem a argumentar:

“No último sábado (15.mar.2025), completou-se um significativo ciclo de 40 anos de democracia ininterrupta no Brasil. Apesar das cicatrizes deixadas pela ditadura militar, cujos crimes jamais foram punidos, ‘Ainda Estamos Aqui’.”

Ironicamente, o procurador de justiça inicia seu texto ignorando os golpes recentes perpetrados pelo Judiciário brasileiro. Em primeiro lugar, vale destacar o golpe de 2016, que empossou o vampiro Michel Temer, o presidente mais impopular da história do País. Em segundo lugar, vale citar o golpe eleitoral de 2018, quando o Judiciário, ilegalmente, deu continuidade ao regime golpista, removendo o então candidato favorito, Luiz Inácio Lula da Silva, das eleições. Vale ressaltar, os golpistas de 2016 e de 2018 compõe a mesma arena política dos orquestradores do golpe de 1964, da natureza de Carlos Lacerda. Na sequência, vemos a sanha repressiva do procurador, ao afirmar que:

“A absurda anistia concedida aos autores dos crimes contra os direitos humanos deixou atrás de si um rastro devastador, uma sensação amarga de impunidade, que jamais poderá se repetir, afigurando-se abominável a hipótese de serem anistiados os delitos contra a ordem democrática praticados em 8 de janeiro de 2023, especialmente antes do devido processo criminal.”

Para Livianu (leviano?), os 20 anos de ditadura militar, orquestrados pelo imperialismo, que jogaram sombras sobre o Brasil, ajoelharam o País aos interesses internacionais, seriam comparados a 2 mil velhinhas que foram protestar em Brasília e adentraram as sedes dos três poderes por conivência das forças repressivas. Mais, o protesto seria um crime “contra a ordem democrática”! Ora, os golpistas de 1964 ficariam orgulhosos com tal defesa da “ordem democrática”, contra os direitos e liberdades elementares da população. A linha de continuidade é evidente.

Na sequência, o procurador cita estudos vários, uma verborragia de números para afirmar que existe um critério não política, mas puramente técnico, para identificar a diferença entre uma democracia e uma autocracia. Vejamos o que diz Leviano:

“O nível de democracia global de 2023 é o menor desde 1985. Desde 2009, o número de populações ao redor do mundo que vivem em países em processos de autocratização ofusca o de populações em países em democratização. O declínio da democracia é mais gritante em regiões subsaarianas, Europa do leste e do sul, América Latina e Ásia Central.”

Apesar do nome, que deixa fácil realizar uma brincadeira, é gritante a correspondência do termo. Conforme as pesquisas citadas por Roberto Leviano, a democracia estaria em vigor apenas na América do Norte e na parte ocidental da Europa. Pior, a citação de regiões tão amplas, sem qualquer menção a países específicos, e movimentos concretos, quando se fala de um tema tão subjetivo, permite entender Leviano apenas por sua leviandade: democracia significa Estados Unidos e Europa ocidental, uma repetição batida da propaganda imperialista, disfarçada sob especificações genéricas, como “regiões subsaarianas” (e a Líbia?), “Europa do leste e do sul” (e a França?), etc.

Leviano dispara uma série de afirmações e números que nada dizem:

“Os níveis de democracia crescem e países maiores se tornam mais democráticos que os menores. O mundo está dividido entre 91 democracias e 88 autocracias. Atualmente, 71% (5,7 bilhões) de pessoas vivem em regimes autocráticos. Isso representa um aumento de 48% em 10 anos.”

Depois, no entanto, Leviano já começa a tirar conclusões:

“É crucial lembrarmos sempre que estamos inseridos no contexto de um planeta globalizado, no qual a FCPA, histórica lei anticorrupção estadunidense de importância mundial acaba de ter sua aplicação suspensa nos EUA numa canetada por decreto do presidente Donald Trump.”

A chamada luta contra a corrupção, é importante lembrar, foi a chave-mestra que conduziu toda a campanha para o golpe de 2016 e a fraude eleitoral de 2018. Essa campanha levou o Brasil a um regime golpista que perdura, embora parcialmente derrotado, até hoje, com tribunais que exacerbam suas funções, e atacam direitos elementares, distribuindo a censura, a cassação de mandatos conferidos pelo voto popular e a perseguição política. Seria através de um tal regime que se manteria a democracia? Para Leviano, a resposta é sim:

“Infelizmente, [o princípio constitucional da separação dos Poderes] é colocado em xeque por aqui pelo número excessivo de urgências de votação no Congresso, transformando exceção em regra, sucateando-se o debate congressual, além do ‘orçamento secreto’, das emendas Pix e do uso abusivo dos decretos presidenciais de sigilo por 100 anos. E há riscos reais de ser aniquilada a Lei da Ficha Limpa sem sequer uma audiência pública, uma das raras leis oriundas de projeto de iniciativa popular.”

Muito bem, contudo, o Congresso ainda é eleito. Ele responde, mesmo que de maneira menor do que poderia ser, à população. Todas as medidas citadas, portanto, tem ao menos uma possibilidade institucional de resposta, diferente dos abusos cometidos pelo Judiciário. E a Lei da Ficha Limpa, já se é de conhecimento notório, é uma ferramenta para a manipulação eleitoral, que atenta contra o direito de votar e ser votado. Não à toa, Lula foi removida das eleições de 2018 com ela, e Bolsonaro se encaminha para ficar de fora do pleito do ano que vem. São simplesmente os dois candidatos mais populares do Brasil. É em defesa desta fraude eleitoral “democrática” que sai Leviano.

O artigo é, como um todo, uma farsa. Ele nada define. Seria democracia os EUA, onde o presidente denuncia a máquina estatal não eleita, montada e mantida para impedir o presidente de governar, independente de quem ou de qual partido venha ele? Seria democracia a França, onde o presidente odiado por toda a população se mantém no cargo? Seria democracia o Brasil, onde o presidente eleito não consegue aplicar seu programa? Ou seria democracia a Argentina, onde se corta dos idosos e a polícia os recebe com repressão ao protestarem?

A ideia de democracia presente no artigo aqui referido, de autoria de Roberto Livianu, é uma farsa completa, tanto como é uma farsa que os imperialistas, os maiores golpistas do planeta, os golpistas de 1964, realizem uma campanha em defesa da mesma.

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