Política nacional

A perseguição jurídica não é só contra a esquerda

Um debate com Pizzolato sobre o uso da perseguição jurídica contra o bolsonarismo

Henrique Pizzolato, militante do PT, publicou um artigo afirmando que “é preciso elucidar de forma categórica: Bolsonaro não é vítima de lawfare, e sua tentativa de apropriar-se desse conceito é, no mínimo, desonesta”.

O chamado lawfare é um termo que os juristas inventaram para se referir ao uso dos tribunais para perseguição política. Pizzolato usa a seguinte definição:

“No livro ‘Lawfare: uma introdução’, de Zanin, Martins e Valim, encontramos o conceito de lawfare: ‘uso estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo’. A palavra ‘estratégia, no caso, é usada na sua vocação original com o significado de guerra’.”

Sem entrarmos nos detalhe de tal definição, vamos apenas definir como ponto comum o problema do uso dos tribunais, distorções da lei, arbitrariedades etc. para mascarar uma perseguição política. O espetáculo criado na imprensa burguesa serve, por sua vez, para criar um clima de desmoralização política contra os alvos dessa perseguição.

Mas Pizzolato complementa a definição dizendo que lawfare seria exclusivo para governos de esquerda ou progressistas, como ele diz:

“Na América Latina, o lawfare tem sido uma ferramenta poderosa contra governos progressistas. Exemplos emblemáticos incluem as perseguições a Lula, Cristina Kirchner e Evo Morales, líderes que enfrentaram processos marcados pela ausência de provas consistentes e pela espetacularização midiática, com o claro objetivo de enfraquecer projetos políticos de redistribuição de renda e fortalecimento da soberania nacional.”

É com base nessa crença que Pizzolato afirma que Bolsonaro não é vítima do lawfare. Ele diz:

“É fundamental ressaltar que o lawfare não é uma ferramenta usada contra qualquer figura pública investigada ou processada. Ele é um fenômeno direcionado contra aqueles que enfrentam interesses econômicos globais e lutam por justiça social. Bolsonaro, pelo contrário, governou em alinhamento com as elites econômicas e desvalorizou consistentemente os princípios democráticos.”

Esse é o problema das definições puramente acadêmicas e abstratas. O equívoco de Pizzolato é justamente não notar a existência de conflitos de interesse dentro da própria burguesia. Esse é um problema fundamental que acaba sendo ignorado.

O bolsonarismo, embora de extrema direita, entra em conflito com outros setores da burguesia, em particular os setores poderosos, que são justamente os que sempre tiveram maior controle sobre as instituições jurídica e a imprensa. Esse fenômeno não é de hoje e pode ser verificado em muitos casos na história. O uso dos tribunais para a perseguição política de elementos da direita não é incomum.

No caso de Bolsonaro, trata-se de uma tentativa de setores mais tradicionais da burguesia pró-imperialista de controlar a extrema direita. O bolsonarismo, embora reacionário, tem uma base social que o empurra a tomar medidas que nem sempre estão de acordo com os interesses do imperialismo. No fundamental, é um problema econômico, não ideológico.

Também a perseguição aos governos de esquerda era um problema econômico. Lula, Evo, Chavez e Kirchner podiam fazer o discurso esquerdista que fosse, o problema era a tentativa, ainda que tímida, de executar medidas sociais para o povo. Isso o imperialismo não pode tolerar.

Logicamente que o bolsonarismo não tem um projeto social, mas sua política, por uma série de fatores, entra em contradição com a do imperialismo.

No entanto, como podemos ver no caso de Milei na Argentina, o imperialismo, uma vez que consiga controlar a situação, pode adotar a extrema direita. Esse é outro perigo de se apostar na perseguição jurídica como forma de conter o bolsonarismo.

Com essa política, a esquerda está fortalecendo ainda mais os mecanismos de perseguição jurídica que depois podem voltar-se com ainda mais força contra ela, uma vez que os setores da burguesia em conflito entrem num acordo.

Outra ilusão na colocação de Pizzolato é acreditar que Bolsonaro realmente cometeu um crime. Ele acredita que:

“Bolsonaro não enfrenta manipulação midiática ou distorção das leis para prejudicá-lo injustamente. Ele é investigado por sua suposta participação em uma tentativa de golpe de Estado em 2022, além de outras acusações graves. A retenção de seu passaporte é uma medida cautelar dentro do devido processo legal, aplicada para garantir o andamento das investigações. Não se trata de perseguição política, mas de responsabilização por atos que violaram a democracia.”

A própria ideia de “atos que violam a democracia” já é uma manipulação da lei para um fim de perseguição política. Que democracia seria essa? As instituições? O Judiciário? Do que se está falando? São acusações políticas transformadas em crimes, ou seja, o uso do Judiciário, a manipulação da lei para perseguição política.

É preciso saber distinguir as coisas. O combate político contra a extrema direita deve se dar no âmbito da política. Esse é o problema da concepção apresentada por Pizzolato, ela tenta justifica o uso do Judiciário para fins políticos. Como dissemos, isso só pode terminar mal para a própria esquerda.

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