Movimento Diretas já

Como ser derrotado por uma ditadura e como derrotá-la de fato

A tática da frente ampla não é sobre "derrotar uma ditadura", mas ser derrotado, mesmo sendo mais forte. Foi o que aconteceu nos anos 1980

Presidente nacional do MDB, o deputado federal por São Paulo Baleia Rossi escreveu um artigo publicado pelo portal Poder 360 no último dia 15, intitulado Como derrotar uma ditadura militar, onde defende a tese de que “o equilíbrio e a moderação são fundamentais para a democracia vencer o autoritarismo e a repressão”. Para sustentar sua teoria, o deputado do partido golpista lembra a derrocada da Ditadura Militar (1964-1985), situada por ele na eleição do primeiro presidente civil desde o golpe de 1964, Tancredo Neves.

“Tancredo defendeu uma atitude menos radical de enfrentamento [à Ditadura]. Muitas vezes chegou a ser criticado internamente por setores mais radicais do partido”, diz Rossi, acrescentando ainda:

“Com enorme capacidade de convencimento e liderança, Tancredo costurou apoios na sociedade – o que fez abrir os olhos de integrantes do PDS, promovendo um racha na sigla por meio da formação da Frente Liberal.

Assim foi formada a Aliança Democrática. A composição foi fundamental para promover o apoio de todos os governadores do Nordeste a Tancredo, o que inviabilizou as chances de vitória do candidato da ditadura, Paulo Maluf.

Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo foi eleito por 480 votos contra 180 de Maluf. Venceram a moderação e o equilíbrio, alicerces da democracia.”

O texto, obviamente, é uma defesa da estabilidade do que chama de “democracia”, que concretamente, significa a ditadura dos monopólios imperialistas. Esse é o “equilíbrio” defendido por Rossi e que tem sido a política dos setores mais alinhados com o imperialismo desde o ressurgimento da extrema direita.

A Ditadura Militar, em primeiro lugar, não foi derrotada pela “moderação” ou pela eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral em 1985, como afirma Baleia Rossi, mas sim pela insurreição popular protagonizada pelos trabalhadores e estudantes. A retomada das manifestações estudantis em 1977, após quase uma década de repressão, marcou o início do colapso da Ditadura.

Já em 1978, as históricas greves operárias lideradas pelos metalúrgicos do ABC paulista, desencadearam um movimento que colocou o País em uma situação pré-revolucionária, o que já foi forte o bastante para demolir o regime iniciado com o golpe de 64. Essas mobilizações massivas alçaram Luiz Inácio “Lula” da Silva, o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, à condição de principal liderança popular, consolidando a força do movimento operário contra o regime militar. Foi a ação enérgica das massas trabalhadoras, e não qualquer “costura política”, que acabou com a Ditadura.

Nos anos seguintes, as greves se intensificaram, espalhando-se por outros setores da classe trabalhadora e culminando na formação do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980, quando as greves iniciadas em 1978 ganham proporções ainda maiores, com assembleias se realizando em estádios lotados Essa radicalização operária impulsionaria outro evento histórico: a fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983. A formação da CUT foi um golpe decisivo contra a Ditadura, criada justamente para suprimir esse tipo de organização independente da classe trabalhadora.

Diante desse quadro de crescente mobilização popular, o imperialismo e a direita nacional se viram obrigados a abandonar a tentativa de reproduzir no Brasil o sistema bipartidário que com sucesso, disciplinou o sistema político mexicano. Impossibilitados de fazer o mesmo, passaram a empreender uma transição com o menor custo político possível.

Esse esforço culminaria na Aliança Democrática, um pacto entre a oposição consentida à Ditadura, representada pelo PMDB, e setores menos radicais do partido do regime, o PDS (antiga ARENA), reunidos na Frente Liberal, que após emplacar a candidatura de Paulo Maluf à Presidência pelo PDS (ainda nas eleições indiretas), romperia com o partido e formaria uma agremiação própria, mais próxima dos rumos desejados pelo imperialismo. Essa aliança teve como único objetivo assegurar que a transição política não alterasse a essência do regime além do estritamente necessário para o momento e preservasse os interesses dos monopólios internacionais.

Isso é o que o partido de Rossi defendia verdadeiramente na época e o que continua defendendo hoje. Em seu artigo, o deputado fala de maneira quase acidental na mobilização popular:

“O apoio popular a ele e ao MDB foram decisivos, pois seria impossível enfrentar o regime militar sem a pressão das ruas.

Essa pressão ficou nítida no movimento Diretas Já, idealizado e liderado pelo MDB, e que teve como maior expressão o nosso então presidente Ulysses Guimarães.”

Os trechos dos dois parágrafos acima são tudo o que Rossi tem a dizer sobre a mobilização popular e, novamente, não sem um veneno. A campanha das Diretas Já foi justamente um dos artifícios do golpe contra a mobilização operária de massas, iniciada em 1978 e que já derrotara a Ditadura politicamente, apenas não dera o tiro de misericórdia.

Com as manifestações direitistas das Diretas Já, a energia da mobilização popular seria direcionada para sua desmoralização até o fim. Foi o que aconteceu com a campanha e com a transição, concluída de maneira a permitir a sobrevida da ditadura imperialista sobre o regime político brasileiro e inclusive, deixar em aberto a possibilidade, na Constituição, de um retorno à Ditadura Militar caso necessário: o famigerado artigo 142 da Constituição.

“A polarização é danosa”, conclui Rossi, “pois ela investe contra a construção de consensos fundamentais em momentos desafiadores como os atuais. Precisamos de mais Tancredos“, diz, no encerramento do artigo o que deve levar a esquerda à seguinte reflexão. A sequência da política apresentada como “vitoriosa” por Rossi foram dois “ensaios” de política neoliberal no País – com os governos de José Sarney e Collor -, a instauração efetiva da política de devastação econômica organizada, nos dois governos FHC (1994 e 1998), um golpe de Estado em 2016 dobrar o País ao neoliberalismo novamente com Temer e outro golpe para tirar Lula das eleições e impor Jair Bolsonaro e a manutenção da destruição do Brasil.

Para os barões que lucram com a política de terra arrasada, a orientação de Rossi não poderia ser mais acertada. Como isso, porém, não pode ser apoiado por verdadeiros representantes dos trabalhadores, é preciso ler criticamente as colocações de Rossi e ligar o alerta para a ameaça representada pela frente ampla, que sob condições e conjuntura diferente, quer retomar a submissão da esquerda ao setor mais poderoso da direita.

O que Rossi defende, finalmente, não é “derrotar uma ditadura”, mas, que o movimento contra ela seja derrotado, mesmo sendo mais forte. Isso foi o que aconteceu nos anos 1980 e é o fundamento da frente ampla, permitir à direita manobrar a esquerda, mesmo sendo mais fraca do ponto de vista da influência. Trata-se de uma política derrotista, criada para o interesse da direita e de mais ninguém, devendo portanto ser repudiada, em favor de uma política que aprofunde o que Rossi chama de “polarização”, isto é, a tendência dos trabalhadores não aceitarem mais o chicote com que a burguesia os escraviza.

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