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Guerra na Síria

Não é ‘campismo’, é anti-imperialismo

Para não denunciar o golpe na Síria, um setor da esquerda critica os que lutam contra o imperialismo como “campistas”

A esquerda pequeno-burguesa em todo o mundo perdeu a capacidade de lutar contra a intervenção imperialista nos países oprimidos. No caso da Síria, alguns setores assumiram a posição de apoio total ao golpe de Estado contra Assad, outros assumiram a postura centrista do “nem Assad, nem EUA”, que foi muito comum no caso da Rússia contra a OTAN. Foi o caso do Revolution Permanent, que publicou o artigo Síria: uma posição internacionalista frente à queda de al-Assad. Mas, na prática, essa posição também é uma capitulação diante do imperialismo.

O texto começa “diante da intensificação do confronto entre as potências e da multiplicação das crises, a maioria da esquerda a nível internacional tende a adotar posições ‘campistas’, subordinadas a diferentes setores capitalistas e imperialistas. Frente à guerra na Ucrânia, setores reformistas como o Die Linke, e até organizações menores como a LIT ou a UIT-CI, alinharam-se com o campo da OTAN e com o exército de Zelensky. Da mesma forma, alguns hoje apresentam a queda de al-Assad nas mãos das milícias jihadistas e pró-turcas, com a bênção dos Estados Unidos e de ‘Israel’, como o resultado de uma ‘revolução democrática triunfante’. Como se, pela mão do imperialismo e das milícias militares reacionárias, pudesse haver alguma emancipação das massas sírias”.

A crítica a esse setor é correta, mas a tese do “campismo” é usada como base para criticar os que defendem os governos dos países oprimidos contra as intervenções imperialistas. O autor faz isso em seguida: “setores da esquerda populista ou neo-estalinista lamentam a queda da ditadura de Assad. Apresentam este último, assim como o resto do dito ‘eixo da resistência’, dirigido pelo regime reacionário iraniano, como uma alternativa progressista e anti-imperialista. Outro argumento considera que os inimigos de nosso inimigo deveriam ser nossos aliados, porque contestam ‘a hegemonia ocidental’. Tudo isso acaba por ignorar completamente o caráter de classe dessas potências. Longe de apoiar a causa palestina ou a dos povos oprimidos, essas forças buscam, antes de tudo, se opor ao estabelecimento de uma nova ordem regional, sob a égide de ‘Israel’ e dos Estados Unidos, que as marginalizaria, ao mesmo tempo em que tentam se reconciliar com as monarquias pró-imperialistas do Golfo”.

Aqui fica claro o porquê da posição centrista ser totalmente pró-imperialista. O ataque ao Eixo da Resistência é total. Ele aparece entre aspas e é caluniado como sendo dirigido pelo Irã. A prova maior de que o Eixo não é dirigido pelo Irã é que o maior feito dessa aliança foi o ataque do Hamas contra “Israel” em 7 de outubro de 2023, que foi organizado somente pelo próprio Hamas. Os demais grupos dessa aliança apoiam os palestinos, cada um com uma intensidade diferente. O Iêmen e o Hesbolá foram os maiores apoiadores, Assad foi o menor.

O autor, na verdade, ao tentar se colocar contra a campanha imperialista contra Assad, adere à campanha imperialista contra o Irã. Ele fala em luta de classes e ignora completamente a luta de classes que existe. O caso do Irã é o clássico choque entre o regime político nacionalista burguês, muito radical, pois surgiu de uma revolução operária em 1979, contra o imperialismo. Nesse caso, todo trotskista, linha política que o RP diz seguir, deveria apoiar o Irã. Trótski, apesar do que dizem grande parte dos trotskistas hoje, sempre defendeu a luta das nações oprimidas contra o imperialismo.

Ou seja, não importa se o interesse real do Irã é ou não apoiar a Palestina. O que importa é que ele está em choque com o imperialismo e deve ser apoiado. Além disso, na prática, o Irã apoia a luta do povo palestino, é um aliado do Hamas, da Jiade Islâmica, do Hesbolá e do Iêmen, todos em guerra com “Israel” nesse momento.

O texto segue mais uma vez com a tese centrista: “denunciamos todas as agressões imperialistas na região, como as sanções ou os ataques realizados por “Israel” (com o apoio dos Estados Unidos) contra o Irã, o Líbano e agora na Síria, em nome de um suposto ‘direito de se defender’. Lutamos contra o enclave sionista do Estado de ‘Israel’ e pela expulsão do imperialismo do Oriente Médio. Mas fazemos isso sem dar o menor apoio político às burguesias da região, nem aos regimes reacionários aliados ao Irã”.

Essa tese é ridícula. É preciso apoiar os regimes políticos que lutam contra o imperialismo. Ao se colocar de forma neutra em uma luta como essa se assume o lado do mais forte, ou seja, do imperialismo. A vitória de um governo de qualquer país oprimido contra o imperialismo é uma vitória de todos os trabalhadores do mundo. Veja o caso da vitória do Talibã, que enfraqueceu muito o governo dos EUA. Foi uma vitória gigantesca para todos os oprimidos.

Segundo esse setor, que o RP faz parte, não se pode defender regimes burgueses. Isso também não é marxismo. Durante a Revolução de 1848 na Hungria, o próprio Karl Marx descrevia os líderes nobres húngaros como grandes revolucionários. Isso porque a luta de classes não precisa ser travada apenas pela classe operária. A luta dos nobres húngaros pela independência do país era progressista e deveria ser apoiada. A luta dos aiatolás do Irã contra os EUA também é progressista e deve ser apoiada.

O RP expressa a sua tese logo depois: “enquanto as tendências para a guerra e as crises de regime se intensificam, apenas a luta da classe operária, com o campesinato, as mulheres e os jovens, pode abrir uma saída progressista para o Oriente Médio”. Isso é falso. Se o Irã conseguir vencer a luta contra “Israel” e os EUA, isso abre o caminho para a luta dos trabalhadores e camponeses de toda a região. O erro aqui é que apenas a população oprimida pode levar a classe operária ao poder e fazer a revolução socialista. Mas enquanto isso não acontece, os regimes nacionalistas podem, sim, enfraquecer o imperialismo.

Essa tese de que não se pode apoiar o regime nacionalista tem uma única utilidade: impedir que os trabalhadores lutem contra os golpes imperialistas. Qual a posição do RP sobre o golpe que derrubou Assad? Nem Assad, nem EUA. Ou seja, o golpe foi irrelevante para os trabalhadores, uma tese absurda. A conclusão final do “nem, nem” é fazer a esquerda tirar o time de campo enquanto o imperialismo realiza um ataque brutal contra alguma nação oprimida.

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