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Coluna

Os quadrinhos de Marco Oliveira

Quadrinhos exclusivamente visuais e próximos da poesia

Não me lembro bem onde o encontrei, mas, se o livro está autografado, com certeza descobri “Mute”, do Marco Oliveira, em feiras de HQs. Suas histórias são pantomimas, isto é, são quadrinhos sem palavras; as narrativas são gráficas, não há nelas textos verbais. As HQs são concisas, estendendo-se de uma a duas páginas, geralmente espelhadas; se fosse literatura, eu diria tratar-se de poesia.

Essa comparação entre literatura e quadrinhos precisa ser explicada melhor. Se novelas gráficas se comparam a romances e estórias breves aproximam-se dos contos, algumas HQs se parecem com poemas, seja pela concisão, seja pelo tom reflexivo. Um modo de aproximar quadrinhos e poesia é, portanto, a brevidade; outro modo é abordar paradoxos e ambiguidades, prática comum dos poetas. Para exemplificar isso, escolhi três desenhos do Marco, reproduzidos no final da coluna.

No primeiro, a imagem está distribuída em duas cenas. Na cena inicial, há o desenho do teatro com o titereio, supostamente humano, desdobrando-se em três personagens sobre o palco: (1) o fantoche fincado na mão do boneco de ventríloquo; (2) esse boneco, por sua vez, senta-se no colo da (3) marionete; no mesmo desenho, Marco Oliveira sugere, por enquanto, três modos de manipular bonecos. Todavia, sobre a imagem, surge a segunda cena, revelando-se ser o titereio outro boneco, no caso, boneco de corda, mas não apenas isso, pois nas quatro imagens dispostas sobre o desenho do teatro, talvez apenas o fantoche, sem sombra de dúvida, seja tomado por boneco; o boneco de ventríloquo parece quase humano; a marionete parece homem. Mergulhando na mesma colocação em abismo dos bonecos, na HQ tematiza-se, ironicamente, “quem manipula quem”; a seu modo, Marco Oliveira responde que o manipulador depende do ponto de vista.

No segundo quadrinho, paralelamente a todas as interpretações possíveis da história, elas parecem derivar da ambiguidade visual traçada entre o que está dentro ou fora dos quadros; é notável não saber a quem pertence as cabeças e de quais corpos se trata. Ao omitir partes dos corpos e desenhá-los não se sabe sendo de gêmeos ou espelhadas, porém iguais, criam-se ambiguidades visuais desencadeando narrativas distintas, dependendo de quem mexe com qual cabeça, se sua, se do outro.

Por fim, na terceira HQ, um último paradoxo. Nessa pantomina não são tematizadas a opressão e a liberdade por meio do contraste entre duas imagens, mas dois modos de opressão, um público e outro, privado. Na imagem da esquerda, o senhor saindo de casa não parece livre; rumo ao trabalho a pé, trajando paletó, gravata e com a tradicional pasta 007, ele metaforiza o trabalho alienante, que nada tem de libertador. Os vizinhos, oprimidos em suas casas semelhantemente a sardinhas em lata – outra metáfora bem aproveitada –, parecem desocupados, resumindo-se a espionar o senhor e sua labuta. Dessa maneira, todos estão presos às respectivas condutas e duas formas de opressão tendem a se encontrar entre observadores e observado. Desse ponto de vista, como ver a imagem da direita? Quem são aquelas pessoas, quem se encontram atrás da janela? Seriam os fantasmas do senhor, quem se vai na imagem anterior? Seriam seus parentes? Os vizinhos invadiram seu apartamento? Trata-se de outro prédio?

Tudo isso faz de “Mute” um livro fantástico. Sua mudez se restringe às palavras; as imagens, paradoxalmente, dizem muito, inclusive, coisas indizíveis.

 

 

 

 

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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