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Movimento negro

Povo não precisa de ‘reparação histórica’, precisa de comida

Senadora de direita defende cotas porque o 'Brasil escravizou os negros por 388 anos'

No Correio Braziliense, no dia 25 de novembro, a senadora pelo Rio Grande do Norte, pelo direitista PSD, Zenaide Maia, publicou um artigo chamado Cotas raciais são reparação histórica.

Chama a atenção que uma senadora, de um partido burguês de direita, esteja tão preocupada com uma “reparação histórica” dos negros, enquanto seu partido apoia a exploração do povo, hoje. Mas deixemos de lado as considerações políticas sobre a senadora e seu partido e vamos aos argumentos utilizados no artigo.

A própria ideia de “reparação histórica” é algo bastante discutível, justamente porque são daquelas expressões que podem significar qualquer coisa. Apenas para dar um exemplo atual, os sionistas justificam a invasão das terras palestinas afirmando que isso seria uma “reparação histórica” dos sofrimentos que os judeus passaram por tantos séculos e durante o holocausto. Sob essa desculpa de “reparação histórica”, alguns opressores, a esmagadora maioria não tendo sofrido nenhum tipo de perseguição, invadiram uma terra, expulsaram, torturaram e mataram os que ali viviam. Ou melhor dizendo, continuam fazendo isso até hoje e quando são questionados sobre as barbaridades que cometem levantam justamente a questão da “reparação histórica”.

“Reparação histórica”, portanto, é termo enganoso. Para entender o que a senadora quer dizer com ele, ao menos um significa aproximado, podemos ler o último parágrafo de seu artigo:

“Ressalto, por fim, que o Brasil tem uma dívida histórica com o povo negro por tê-lo torturado em 388 anos de escravidão. O 20 de novembro é para reafirmar a consciência nacional suprapartidária contra o racismo e a favor da igualdade de oportunidades para todos os brasileiros e brasileiras.”

Vejamos bem: segundo ela, o Brasil tem uma “dívida histórica”. Quem é o Brasil? São as instituições? É o governo? O Parlamento? O Judiciário? A polícia? Os latifundiários? A burguesia? O povo?

E, aliás, ainda que conseguíssemos responder essa pergunta, viriam outras: Quais instituições, a do Brasil colônia, do Império, da República? Qual governo? Qual povo?

O Brasil pode ser tudo isso. E mais, esse “Brasil” que seria o culpado pela escravidão é um país cujo povo é de maioria negra. Seriam os negros culpados pela escravidão? O Brasil torturou os negros? Quem exatamente torturou?

Para sermos justos, até mesmo historicamente a senadora erra ao atribuir 388 anos de escravidão ao “Brasil”. No máximo, o “Brasil” seria responsável menos de 66 anos de escravidão, o resto, podemos colocar na conta dos portugueses. Isso, logicamente, se pudéssemos levar a sério essa conversa de reparação histórica, porque mesmo no caso de Portugal, as mesmas perguntas também caberiam: que Portugal é esse?

O sofrimento de um povo no passado pode e deve ser objeto de discussão, mas não faz sentido que, mais de cem anos depois, direitos políticos do presente sejam alterados por isso.

As cotas universitárias, na época em que foram defendidas pelo movimento negro, eram uma medida social, não uma abstrata “reparação histórica”. Por exemplo, se os negros tivessem igualdade de condições econômicas e sociais hoje – coisa que não têm – mesmo com a escravidão não seria justificável haver cotas. Não se trata, portanto, do passado, mas do presente.

O que os movimentos defendiam – é bom lembrar que os políticos burgueses aliados da senadora eram contra – era a possibilidade de, por meio das cotas, o negro conseguir chegar à universidade, o que significa que um setor mais pobre da população pudesse ter esse direito de fazer universidade, aumento a oportunidade de melhora nas condições de vida.

O direito a entrar na universidade deveria ser universal, portanto, trata-se de uma medida paliativa, mas que cumpriu papel importante ao democratizar o acesso à universidade.

Isso tudo, no caso das universidades. No caso de serviços públicos e principalmente das candidaturas, a coisa sequer faz sentido. Nesse caso, as cotas são, na verdade, uma medida antidemocrática.

A cota nesses casos são privilégios de um grupo sobre outro, usando a “reparação histórica” como desculpa. Um negro que fez uma boa universidade tem tanta condição de passar num concurso público quanto um branco que fez a mesma universidade e muito mais condição do que um branco ou um negro que não tiveram esse nível de estudo.

“A realidade é marcada opressão ao povo negro, que, após a escravidão, foi relegado ao abandono pelo Estado brasileiro, teve que ir para periferias e morros sem ter nada para recomeçar a vida, continuou sofrendo analfabetismo, violência, perseguição e silenciamento. A sociedade brasileira lhes deve essas cotas.”

Por esse trecho, a senadora mostra que não sabe do que está falando. O “sociedade brasileira”, outro ente abstrato invocado no texto, não deve nada. Quem deve fazer alguma coisa para melhorar as condições de vida do povo são as instituições políticas, não com cotas, porque isso no máximo vai melhorar a vida de meia dúzia, mas com políticas sociais profundas para tirar o povo da miséria.

Logicamente que os políticos não querem fazer nada de concreto. A demagogia serve para conseguir votos e fingir que alguma coisa está sendo feita, mas não enche a barriga de ninguém. Ou melhor, enche apenas a barriga de meia dúzia.

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