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Esquerda brasileira

Nem ‘senhorinhas’ e nem ‘terroristas’, mas cidadãos com direitos

Esquerdista defende a máxima repressão contra bolsonaristas, esquecendo-se que “pau que bate em Chico também dá em Francisco”

Âncora da TV247, a jornalista Sara Goes publicou um artigo no sítio da mesma rede, intitulado Extra! extra! Senhorinha explode em Brasília enquanto orava!, tecendo comentários sobre o episódio na Praça dos Três Poderes em que Francisco Wanderley Luiz foi responsável por duas explosões, uma no anexo da Câmara dos Deputados e outra em frente ao Supremo Tribunal Federal, na qual morrera. “Na narrativa da extrema direita”, diz Goes no texto, “os Wanderleys são apenas almas piedosas, fiéis de um país que parece sempre disposto a confundir oração com pólvora”, conclusão tirada para justificar as barbáries da ditadura judicial contra os opositores de ocasião do bolsonarismo. Diz a autora:

“Na pressa para desvinculá-lo do bolsonarismo, os comentaristas ignoram convenientemente suas redes sociais ‘patrióticas’ e a bandeira do Brasil que ele empunhava. Não é coincidência essa urgência em isolá-lo. Ela se alinha ao projeto de anistia para os presos dos atos de 8 de janeiro, algo já defendido por figuras bolsonaristas. Afinal, para eles, a culpa não pertence aos envolvidos — esses são só ‘senhorinhas orando’ em um país onde, aparentemente, as avós carregam pedras de forma inexplicável. Bolsonaro, é claro, deu seu aval à ideia de anistia, reafirmando que os ‘patriotas’ de janeiro são apenas vítimas de um sistema judicial que, segundo ele, persegue quem ama a liberdade. Isso enquanto o próprio ex-presidente enfrenta investigações no STF e no TSE e, em discursos públicos, age como se as alegações fossem meras ‘armadilhas da esquerda’. Ao mesmo tempo, parte da imprensa o trata como uma figura ‘convencional’, amenizando seu histórico de ataques às instituições e ignorando as tentativas de golpe.”

Ao defender a repressão implacável aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, Goes não só justifica a atuação excessiva e arbitrária do Judiciário, como também contribui para a consolidação de um cenário de exceção que ataca direitos políticos fundamentais. Dispensar aos manifestantes bolsonaristas o rótulo simplório de “terroristas”, tratando-os ironicamente como “senhorinhas com a Bíblia na mão e uma bomba na outra” e, por isso mesmo, alvos dignos de toda sorte de barbarismos judiciais cometidos, é ignorar que, entre os perseguidos, há pessoas comuns — pequenos comerciantes, manicures e outros cidadãos sem envolvimento algum com nada do que são acusados, seja pela justiça, seja pela colunista.

Tratar esses indivíduos como “terroristas perigosos” apenas reforça o uso desses manifestantes como bodes expiatórios, para a repressão política em larga escala. Não por acaso, a ditadura judicial usou o 8 de Janeiro para inovar no pior sentido possível, com prisão em massa de manifestantes e a imposição de penas extremamente severas a condenados em processos totalmente farsescos, muitas vezes sem provas concretas ou com base em acusações vagas.

Nada disso é mero efeito colateral de um processo de “justiça” em defesa da democracia, mas da própria construção de um regime abertamente fascista, onde toda e qualquer loucura imaginada poderá ser cometida pela repressão. Tudo sob a proteção de um verniz democrático e esquerdista, para o qual posições como as que Goes defende em sua coluna são um apoio fundamental. A colunista continua:

“Essa normalização da violência, porém, esconde que figuras como Wanderley enxergam a si mesmos como ‘justiceiros’. Por anos, discursos inflamados contra o STF e o ‘comunismo imaginário’ vêm criando um cenário onde qualquer pessoa se sente ‘chamada’ a agir. Demonizar figuras como Alexandre de Moraes ajuda a pintar essa realidade distorcida, onde os tribunais e ministros são retratados como inimigos. E Wanderley ouviu esse chamado.”

Em um passe de mágica, a responsabilidade pela ação de Luiz recai sobre a “normalização da violência”. É como se não estivéssemos em um País marcado pela intromissão constante e crescente do STF na vida política, em ataques aos trabalhadores como no episódio do piso nacional dos profissionais de enfermagem, e diversos outros ataques do órgão contra a população. Ora, nada mais normal do que odiar esses verdadeiros tiranos, soberanos sem voto popular e que do alto de suas posições privilegiadas na burocracia estatal, julgam, legislam, se apoderam da execução do Orçamento e, portanto, governam, submetendo-se apenas e tão somente às Forças Armadas.

O que Goes desconsidera é que essa política não se limita a punir os bolsonaristas, servindo principalmente para silenciar qualquer oposição ao regime dominado pelo imperialismo. Com a mesma intensidade, se não com ainda mais virulência, movimentos vinculados às lutas populares e à classe trabalhadora fatalmente serão reprimidos, e aqui vale lembrar que quando se trata da esquerda, a repressão é ainda pior.

“Mas enquanto suavizam a gravidade de atos como o dele, a sociedade é lembrada de que o golpismo persiste, aguardando a próxima oportunidade. A luta, para o bem ou para o mal, continua.”

A análise de Goes esquece, mas a persistência do golpismo é intensamente reforçada pela perseguição judicial, que tem alimentado e fortalecido a propaganda da extrema direita. Essa repressão severa contra os bolsonaristas e suas bases cria um ambiente onde a ideia de que estão “lutando contra o sistema” ganha força.

A forma política como o Judiciário tem atuado para perseguir e punir opositores, muitas vezes de maneira desproporcional e sem respaldo legal, só amplifica esse sentimento de injustiça entre as bases mais radicalizadas do bolsonarismo. Estes se veem como vítimas de uma “perseguição”, sendo um dos combustíveis fundamentais da mobilização bolsonarista. 

É importante frisar que o bolsonarismo não é, de fato, “antissistema”, como a demagogia sugere. Pelo contrário, ele é um remédio para preservar o sistema vigente, funcionando como uma defesa das estruturas de poder que interessam à burguesia. Essa propaganda, porém, surte efeito justamente porque a perseguição judicial cria condições para tornar crível a propaganda de um “herói” contra um “sistema opressor”, enganando as amplas massas que, por razões legítimas, odeiam o regime político.

Reduzir os manifestantes a “senhorinhas” ou “terroristas” é uma tentativa simplista de justificar o autoritarismo que vem atropelando as garantias individuais e a liberdade de expressão no País. Em um Estado verdadeiramente democrático e de direito, em que os direitos do cidadão têm algum valor real, a perseguição política do Judiciário deveria ser denunciada pela esquerda como o que realmente é: uma operação criminosa, na medida em que extrapola os limites de atuação do Estado. 

Isso, no entanto, é feito pelo interesse da burguesia e sobretudo do imperialismo em criar um ambiente de repressão que atinge indiscriminadamente qualquer cidadão que ouse desafiar a ditadura. Ao legitimar uma justiça seletiva, que criminaliza uns enquanto protege outros, são os direitos de toda a população que acabam em xeque.

É essencial reconhecer que, ao invés de taxar esses indivíduos como inimigos públicos, é preciso tratá-los como cidadãos, com direitos que pertencem à toda cidadania brasileira, tendo ainda em mente a sabedoria popular, que lembra: “pau que bate em Chico também bate em Francisco”. E se “Francisco” for de esquerda, aí é que as coisas se complicam de verdade.

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