Eleições municipais

Marçal e a esquerda pequeno-burguesa no espelho

A esquerda pequeno-burguesa se recusa a expor o regime corrupto e decadente, preferindo apontar figuras como Marçal a dar profundida política ao surgimento de personagens grotescos

O jornalista e diretor do portal de esquerda Brasil 247 Florestán Fernandez Jr. publicou, no último dia 5, uma coluna intitulada Marçal e a sociedade no espelho, dedicada a apontar que, “com a chegada de Pablo Marçal, parece muito claro que a extrema direita perdeu de vez qualquer prurido moral e ético”. O colunista não se dá ao trabalho de dizer quando foi que qualquer setor da direita se preocupou com bobagens do gênero, mas continua seu artigo dizendo:

“É comum ouvirmos que o parlamento é o espelho do povo de um país. Infelizmente, de uns anos para cá, está bem difícil para os mais lúcidos olhar para esse espelho disfórmico.”

Ora, e quando foi diferente? Nos anos 2000, quando o então obscuro deputado do baixo clero Jair Bolsonaro fazia declarações “morais e éticas” como “um traficante que age nas ruas contra nossos filhos tem que ser colocado no pau-de-arara imediatamente. Não tem direitos humanos nesse caso”? Ou ainda, pérolas como “para sequestrador, a mesma coisa. O objetivo é fazer o cara abrir a boca. O cara tem que ser arrebentado para abrir o bico”. Teriam “prurido moral e ético” nos anos 1980, quando Paulo Maluf dizia coisas como “estupra, mas não mata”?

Poderíamos voltar mais na história, ao tempo em que os mitológicos generais da Ditadura Militar (1964-1985) diziam coisas como “prefiro o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo”, “a economia vai bem, o povo, vai mal” e “às favas todo escrúpulo de consciência”. Este último, a bem da verdade, não foi um general quem disse, mas um ministro civil do general Costa e Silva, Jarbas Passarinho, que proferiu a famosa frase no ato da assinatura do famigerado Ato Institucional número 5, em dezembro de 1968.

Mostra, no entanto, que, em sua ânsia para atacar Marçal, Fernandes Jr. se perde e termina idealizando a direita, os representantes diretos da burguesia, que sempre foi o esgoto que vemos atualmente. Não perderam “qualquer prurido moral e ético”, porque nunca tiveram, mas o idealista jornalista continua:

“O jovem coach, que tem milhões de seguidores nas plataformas, é a personificação do que existe de pior no capitalismo selvagem brasileiro. Marçal representa a exposição daquilo que os donos do capital praticam, mas que não desejam expor; aquilo que os constitui, mas que é guardado em escondido: as suas vísceras, o desprezo pelo ser humano, o abuso da boa-fé das pessoas pra enriquecer, o engano, a exploração dos mais pobres e vulneráveis.”

Ao afirmar que Marçal personifica “o que existe de pior no capitalismo selvagem brasileiro”, Fernandes Jr. parece criar uma distinção ilusória entre diferentes formas de capitalismo, como se houvesse uma versão mais “aceitável” ou “civilizada”. Mas isso apenas revela sua idealização da burguesia internacional. Estaria o capitalismo norte-americano, ao qual a extrema direita brasileira serve obedientemente, menos “selvagem”? Ou será que as atrocidades cometidas por empresas norte-americanas e europeias ao redor do mundo, incluindo o financiamento de guerras imperialistas e a exploração brutal da classe trabalhadora, são menos visíveis aos olhos do jornalista?

No atual genocídio na Palestina, em que o imperialismo norte-americano financia abertamente o massacre de mulheres e crianças palestinas pelas mãos do Estado sionista de “Israel”, seria ingênuo ou deliberadamente cínico sugerir que o capitalismo de Marçal é o “pior” exemplo. A realidade é que todo o sistema capitalista, seja no Brasil, nos EUA ou na Europa, se sustenta pela violência e pela exploração. O foco em figuras como Marçal, sem denunciar o imperialismo e o capitalismo global que o sustenta, é uma tática de desviar a atenção do verdadeiro inimigo: a burguesia internacional e seus representantes locais, sejam eles de direita ou de “esquerda”.

Pablo Marçal é um dos candidatos da extrema direita à prefeitura de São Paulo nas eleições municipais deste ano. Não é o único representante da burguesia nas eleições da capital paulista, que tem também supostos “esquerdistas” como Guilherme Boulos (PSOL), ligado a ONGs como a IREE, que por sua vez, é ligada à sinistra CIA norte-americana. O jornalista, no entanto, cai no erro de considerar que Marçal seria algo extraordinariamente negativo na política brasileira. Isso, no entanto, não passa, para ele, de uma questão de competição eleitoral, o que fica mais evidente no parágrafo abaixo reproduzido:

“Nos debates, o desrespeito aos jornalistas, aos adversários e aos espectadores, é consumido (sim, o termo é esse) pelos seguidores como uma virtude de Marçal. A ele compensa ser visto como alguém ‘politicamente incorreto’, de fora do sistema, que se contrapõe às normas e aos políticos tradicionais.”

Esse trecho revela o que de fato move a crítica de Fernandes Jr.: a defesa desesperada do regime político putrefato que domina o Brasil (e o mundo), e não a denúncia das figuras reacionárias como Marçal. Embora o jornalista admita que Marçal tenta parecer um candidato antissistema, ele evita a crítica fundamental, a de que Marçal é uma fraude, um falso “antissistema” que, no fim das contas, serve aos interesses do próprio regime que ele finge combater. A omissão desse ponto é estratégica, pois Fernandes Jr., está engajado na proteção desse mesmo sistema, odiado e desacreditado pela ampla maioria da população.

O ataque a Marçal é superficial porque não vai ao cerne da questão: a falência completa do sistema político burguês. A crítica de Fernandes Jr. se concentra nos aspectos mais folclóricos da candidatura de Marçal, mas ignora completamente o verdadeiro problema, que é o fato de que, tanto Marçal quanto Boulos, servem ao mesmo propósito: manter a classe trabalhadora sob uma ditadura cada vez mais terrorista. Enquanto Fernandes Jr. finge fazer uma crítica, ele está, na realidade, defendendo o regime.

Essa defesa velada fica ainda mais clara quando Fernandes Jr. trata Marçal como uma anomalia do sistema, como se ele fosse o problema em si, e não uma expressão de um sistema capitalista global falido, brutal e selvagem. Ao não questionar as bases do regime burguês, o jornalista cumpre sua função de desviar a atenção da classe trabalhadora, que deveria estar se organizando contra o verdadeiro inimigo: a burguesia e seu sistema político de opressão.

A esquerda pequeno-burguesa, que se expressa aqui por Fernandes Jr., se recusa a expor o regime corrupto e assassino do qual ela própria faz parte, preferindo apontar figuras como Marçal e criar a ilusão de que ele é o “mal maior”, quando, na realidade, ele é apenas mais um serviçal da burguesia.

O artigo de Fernandes Jr., portanto, é mais um exemplo de como a esquerda pequeno-burguesa brasileira se presta a defender o sistema burguês. Ao invés de denunciar o imperialismo, o papel da CIA e o controle dos monopólios internacionais sobre a política nacional, o jornalista prefere atacar figuras como Marçal, mantendo sua crítica num nível superficial e inofensivo para a estrutura de poder que ele alega combater.

“Hipnotizados pela performance do coach”, encerra o jornalista, “seus seguidores e apoiadores não se dão conta de que são como cegos a caminho do precipício ao qual fatalmente poderão levar a todos nós”, diz, acrescentando, por fim, que “como disse Nelson Rodrigues, ‘os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.’”

Tratar a radicalização das massas diante das demonstrações explícitas da falência do sistema político como um sintoma de que as pessoas se tornaram idiotas é um esnobismo pequeno-burguês muito típico, mas ajuda a entender porque o campo tem afundado em crise e quem tem conseguido capitalizar a insatisfação generalizada com o regime político é a extrema direita e não a esquerda. Um campo impulsiona a radicalização e o outro, desorientado, chama os insatisfeitos de “idiotas”, entregando o setor mais ativo em uma bandeja de prata para a burguesia, que certamente agradece.

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