Caso Elon Musk

Os ricos devem ser punidos apenas por serem ricos?

Ao contrário do que pensa a pequena burguesia, o Estado serve para oprimir todos aqueles que se choquem com o regime político estabelecido, não só os pobres

Em uma coluna para o jornal Folha de São Paulo publicada no dia 4 de setembro, Conrado Hübner Mendes dá sua opinião sobre o sistema judiciário no Brasil e sobre como os bilionários como Elon Musk e políticos de extrema direita como Jair Bolsonaro (PL) deveriam ser tratados pela justiça em um estado de direito.

Sua matéria começa com a correta ideia de que o Estado não pune da mesma forma os pobres e os ricos, em benefício, claro, daqueles que têm dinheiro e poder, como se observa no seguinte trecho:

As garras da lei costumam ser inversamente proporcionais ao poder de indivíduos que a violam. Para Estado de direito digno do nome, ter leis justas importa, mas aplicar a lei de forma coerente e não seletiva importa ainda mais.

A opinião de Mendes segue com mais alguns parágrafos acusando os sistemas que não punem da mesma forma os cidadãos de diferentes classes sociais da mesma forma, como no trecho “Leva quem pode pagar mais, oferecer jantares, construir laços de mútuo interesse.”, além de uma breve descrição do judiciário brasileiro, em que predomina o lóbi e a ameaça aos juízes como fator decisivo para o resultado dos julgamentos.

No entanto, após os parágrafos descritos acima, Mendes passa a argumentar em favor da prisão de Bolsonaro e contra a plataforma X de Elon Musk, que foi derrubada há alguns dias pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Segundo Mendes, o fato de que o Estado pune mais os ricos do que os pobres é o argumento para que os ricos sejam punidos independente do crime, ou suposto crime, cometido.

A lógica não é a mesma que veio do direito romano “dura lex sed lex” (a lei é dura, mas é a lei), na qual todos estão submetidos à lei e devem cumpri-la independentemente do quão dura é a lei, mas sim, a de que o fato de o réu se tratar de alguém com poder o suficiente para corromper a lei, faz do réu culpado, independente do crime ou suposto crime. É assim que Mendes apresenta seus argumentos:

“Somente numa cultura jurídica assim se torna possível dizer que Bolsonaro, apesar da criminalidade serial, não deveria ser punido pelo caso da reunião com embaixadores, mas pelo caso das joias; que Pablo Marçal, apesar dos ilícitos, não deveria ser derrotado pela Justiça, mas pelas urnas. (…) Somente num ambiente assim se pode afirmar que, para evitar o pior, não se deve sancionar Elon Musk. Musk decidiu que sua empresa pode operar no país sem respeitar ordens judiciais que desagradem”.

Então, segundo a lógica do colunista, Bolsonaro, Pablo Marçal e Musk são criminosos de antemão e devem ser punidos, sem levar em conta a própria Lei do Brasil.

Não há nada mais equivocado do que esse pensamento. Mendes se utiliza de uma divisão mais abstrata do que a realidade corresponde, a de que existem ricos e pobres, simplesmente, e que quem comanda o Estado são os ricos. Um olhar mais aprofundado consegue notar que a sociedade na verdade é dividida em classes sociais, sendo as principais a classe operária e a burguesia, mas também existindo outras muitas classes sociais, como a pequena burguesia urbana, o campesinato, o latifúndio e muitas outras. Ainda assim, as classes sociais não são homogêneas.

A própria burguesia é muito heterogênea, a começar pelo fato de que países como o Brasil, por exemplo, possuem uma burguesia muito fraca em relação aos países imperialistas, caso dos Estados Unidos, por exemplo. Em estados como o brasileiro, apesar de existir uma burguesia nacional, quem comanda de fato é a burguesia imperialista. É isso que leva León Trótski a dizer que as burguesias de países atrasados, que não chegaram de fato ao nível de desenvolvimento capitalista, são burguesias semioprimidas e semiopressoras, ou seja, são oprimidas pelo imperialismo e oprimem as classes sociais menores dentro de seu Estado.

Para além disso, as burguesias nacionais também são divididas em muitos setores diferentes, mesmo nos países imperialistas, caso dos EUA. No atual momento, a burguesia se divide principalmente em dois setores nesse país, sendo a principal, aquela que controla não só os EUA, mas também a esmagadora maioria do planeta, se congrega em torno da candidatura de Kamala Harris. É a burguesia ligada à máquina de guerra, ao genocídio em Israel, aos bancos. Ao mesmo tempo, outro setor da burguesia, muito mais fraco, apoia a candidatura de Donald Trump.

Um exemplo significativo dessa diferença dentro da própria burguesia de um país imperialista é o caso da Guerra Civil Espanhola, na qual o setor fundamental da burguesia passou para o lado do franquismo, enquanto uma pequena parcela, a que Trótski chamou de “a sombra da burguesia”, se aliou à esquerda.

Bolsonaro, Pablo Marçal e a extrema direita como um todo no Brasil são mais ligados a uma parte da burguesia nacional brasileira, ou seja, uma burguesia oprimida pelo imperialismo e, ainda assim, não são parte do setor mais importante da burguesia nacional brasileira, o que os coloca, apesar de tudo, em choque com o regime político em vigor no País. Ao mesmo tempo, Elon Musk, um dos homens mais ricos do mundo, não é parte do setor principal do imperialismo norte-americano.

Sendo assim, a lógica de que “os ricos”, “os poderosos” ou “a extrema direita”, tudo em abstrato, não são punidos, cai por terra. Quem controla o Estado é uma pequena parcela desses “ricos”, “poderosos” e outros termos utilizados na mais nova moda identitária, a da luta contra os bilionários, e todos os que tentam, por nobres ou por asquerosos motivos, são punidos e perseguidos pelo Estado. Não é necessário nem ir muito longe para obter a comprovação desta tese: durante o golpe de estado de 2016, a burguesia imperialista destruiu uma parte significativa da burguesia brasileira, incluindo o então sétimo homem mais rico do mundo, o brasileiro Eike Batista. Caso o leitor ainda diga “nunca vi um bilionário preso” ou “nunca vi um político de direita preso”, procure na internet os vídeos das prisões do próprio Eike Batista e de políticos da direita na época, caso de Garotinho no Rio de Janeiro.

Mas, ainda assim, todos os nomes citados são de pessoas da direita ou então de pessoas muito ricas que, de uma forma ou de outra, oprimem a classe operária e não merecem simpatia por parte dos trabalhadores. Não seria, portanto, o caso de lutar para que a Justiça do setor principal da burguesia os puna, independente do que tenham ou não feito? Não seria necessário afastar pessoas como Pablo Marçal das eleições de São Paulo para que a população não se engane e coloque uma raposa para dentro do galinheiro? Essa é a suposta posição de Hübner Mendes.

No entanto, a burguesia imperialista não age contra a extrema direita e os bilionários por um motivo nobre, mas sim por conta de seus choques contra o regime político. Como ficarão depois os sindicatos e os partidos de esquerda no Brasil após o principal setor da burguesia brasileira e imperialista consolidar um regime no qual juízes tenham o direito de alienar nove milhões de pessoas de seu meio de informação principal a pretexto de se combater a extrema direita e os chamados bilionários? O que acontecerá se, sob o mesmo pretexto, permitirmos que juízes ajam como os inquisidores da Idade Média, perseguindo desafetos, investigando e condenando os réus, fazendo o papel de juiz, promotor e policial ao mesmo tempo (o que é completamente contrário à Constituição Brasileira)?

A resposta a essas perguntas já tivemos após o golpe de 2016 e a Lava Jato.

Em um Estado democrático de direito, a única coisa que deve ser analisada ao se julgar um indivíduo é se ele de fato cometeu o crime do qual é acusado. Tudo o que vá para além disso é um flagrante crime do Estado contra o indivíduo em questão e todo o povo submetido àquele Estado. Sendo assim, tanto Pablo Marçal, quanto Bolsonaro e Elon Musk, por mais horríveis, asquerosos e maléficos que sejam ou sejam apresentados pela imprensa burguesa, somente devem ser julgados caso se tenha apontado algum crime previsto nas leis do País, e somente se se tenha sido comprovado o crime é que devem ser punidos. Essa é, inclusive, uma das principais causas que levaram a população brasileira a lutar contra a Ditadura Militar de 64, que havia imposto o reino da arbitrariedade jurídica no Brasil.

Por fim, Mendes argumenta em favor de uma independência que não existe. Ele argumenta em sua coluna que o Judiciário deve ser independente, o que é impossível na sociedade em que vivemos. Todos os órgãos do Estado, todas as empresas, tudo é submetido ao controle de alguma classe social. O próprio Judiciário brasileiro já demonstrou isso com a própria Lava Jato, o Mensalão e agora com a questão Alexandre de Moraes. Trata-se de um Judiciário controlado pelo imperialismo. Até mesmo a coluna de Mendes concorda com isso, sem que o autor tenha percebido, ao se referir às redes sociais: “O dono das redes controla o que pode ser dito, cria câmaras de eco artificiais e decide quem e o que é silenciado e escutado”.

No entanto, a restrição da maior parte da liberdade não é motivo para que o todo da liberdade não exista. Mesmo que Elon Musk persiga e censure, o que de fato ele faz, principalmente em relação à Palestina, não é motivo para que toda sua rede social seja tirada do ar, porque isso é a censura de todas as pessoas que se manifestavam pelo X, ao contrário de uma parcela dessas pessoas.

A liberdade da população ainda não existe. Nossa sociedade impede que haja liberdade em qualquer âmbito da vida humana e isso não irá mudar até o fim da sociedade capitalista e o surgimento do socialismo. É isso que faz com que quem luta pela liberdade de expressão, das mulheres, de reunião e tantas outras mais, só possa encontrar na superação do Estado seu objetivo. O endurecimento de penas, a censura, a perseguição de indivíduos e tudo o que a burguesia apresenta como o correto para se combater o fascismo, só pode servir para mais restrições e desgraças para os trabalhadores.

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