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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Coluna

A história em quadrinhos experimental – 1ª parte

O que é HQ experimental

Muitas vezes, não se compreendem devidamente determinados textos porque, justamente, não se sabe os modos adequados de os decifrar; em geral, isso acontece com obras fora do senso comum, por exemplo, Free Jazz, música eletroacústica, poesia concreta… e algumas HQs.

Em vista disso, há variadas maneiras de aprender linguagens, entre elas: (1) as línguas, que também se constituem em linguagens, na maioria das vezes são procuradas pelas pessoas em cursos de inglês, francês, japonês etc.; (2) outras linguagens, feito quadrinhos, cinema, televisão, música pop etc., aprende-se por hábito, pois o costume leva a algumas decodificações básicas, permitindo compreendê-las. Em meio a tais processos de entendimento, um deles, certamente, coincide com a narrativa linear, isto é, narrar os acontecimentos em ordem cronológica, respeitando as relações de causa e efeito.

Na linguagem da HQ ocidental, por exemplo, a leitura se faz em uma página de cada vez, de cima para baixo, da esquerda para direita; isso gera a sensação de que, ao longo das páginas, as ações narradas se leiam acorrendo uma após a outra. Em outras palavras, a passagem do tempo das narrativas se converte, dessa forma, no espaço percorrido nas páginas.

Em vários trechos de “Tin Tin no Tibet”, de Hergé, a HQ se enuncia em narrativa linear; em uma das passagens, quando a expedição inicia a jornada ao Tibet, o capitão Haddock, quem sai na frente, acaba ultrapassado pelos demais. No texto, isso se percebe pela posição dos quadrinhos na página e devido às mudanças da paisagem ao fundo, indicando o correr do tempo associado aos percursos do espaço. Em seguida, o mesmo capitão, sob os efeitos do uísque, supera a todos novamente; isso ocorre por meio da relação de causa e efeito estabelecida entre beber e andar apressadamente.

Tal linearidade narrativa, devido à repetição no universo das HQs e em outros universos, como o cinema, termina por se tornar senso comum, fazendo com que a maioria dos leitores não se dê conta de que ela se encontra codificada. Em decorrência, conforme todas as codificações, a narrativa linear admite ser depurada por autores quais Hergé, Alex Raymond, Harold Foster, Milo Manara, tornando-se cada vez mais complexa e intrincada; a saga “Fim dos Tempos”, da DC, mostra-se intrincada, formada por várias narrativas e personagens vindos de mundos ligeiramente distintos, feito o Super Homem e John Constantine, entretanto, apesar de recortada por flashbacks e flashforwards, ainda decorre linearmente.

Alguns autores, todavia, preferem subverter os códigos estabelecidos e propor novas formas de significação; o Free jazz, a música eletroacústica, a poesia concreta e algumas HQs procuram por isso. Em regra, inovações e subversões nas linguagens geram obras chamadas arte experimental, concluindo-se, portanto, que o experimentalismo em arte se define em relação a ocorrências convencionais dentro da mesma linguagem.

Na próxima semana, prosseguimos na discussão sobre os quadrinhos experimentais, discorrendo a respeito do visual e do verbal na linguagem das HQs.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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