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Coluna

O Apartheid Eletrônico na Cisjordânia

"Recentemente, em 8 de Maio, o site de jornalismo investigativo MintPress divulgou uma matéria denunciando o 'apartheid' eletrônico que vigora em Israel"

Em 2022, o New York Times se propôs a fazer mais uma peça jornalística da campanha imperialista contra a China. Tratava do aumento da vigilância chinesa sobre seus cidadãos. A matéria foi publicada em 21 de junho de 2022 sob o nome de “O estado de vigilância da China está crescendo. Esses documentos revelam como.” Ela foi redigida por Muyi Xiao, Paul Mozur, Isabelle Qian e Alexander Cardia•

Na verdade, é uma matéria em formato vídeo que tenta mostrar como este suposto “estado de vigilância” da China está crescendo. Com base na análise, segundo o jornal, de mais de 100.000 documentos de licitação do governo, descobriu-se que a ambição da China de coletar dados digitais e biológicos de seus cidadãos é mais expansiva e invasiva do que se sabia anteriormente. 

Na verdade, bastou traduzir os documentos apresentados na tela em mandarim pelo jornal para se verificar que eram documentos que discutiam o aspecto técnico da velocidade de rede necessária para processar as imagens ou a necessidade da segurança pública de evitar roubos e assassinatos. As câmeras mostradas repetidamente no vídeo são prosaicas câmeras de vigilância policial que estão presentes, talvez em maior número, em qualquer grande capital ocidental. Num país como a China, de bilhões de habitantes, é somente mesmo com uma vigilância com base em reconhecimento facial para se localizar e eventualmente prender criminosos. Para o New York Times, isso era uma prova cabal do “totalitarismo digital” sendo implantado para controlar a vida do cidadão chinês comum. 

Recentemente, em 8 de Maio, o site de jornalismo investigativo MintPress divulgou uma matéria denunciando o “apartheid” eletrônico que vigora em Israel contra os palestinos, em especial na Cisjordânia, na chamada “cidade inteligente” de Hebron. Na maior cidade da Cisjordânia existe um macabro sistema de vigilância que ultrapassa em muito o sistema chinês , e ele não é voltado para se combater os criminosos, mas os cidadãos palestinos que a habitam. Este sistema cobre a cidade em uma rede de câmeras, sensores e até armas automatizadas, rastreando todos os movimentos do inimigo permanente e perigoso, poisos palestinos consideram os israelenses invasores.

Na verdade, a cidade se tornou um laboratório de Israel para teste de sua sofisticada tecnologia de vigilância. A área que é chamada de al-Khalil pelos palestinos, e é onde funciona o sistema de vigilância “Wolf Pack”. Este sistema recolhe grandes quantidades de dados detalhados sobre os palestinos, tanto em termos de escaneamento facial, como de um registro completo dos movimentos que cada cidadão faz na cidade, o que é possibilitado pelo sistema de controle físico existente, algo que inexiste em qualquer lugar na China e que assume ares do Grande Irmão Orweliano, tornado a vida do palestino uma tortura psicológica permanente, onde a ideia de privacidade é algo totalmente inexistente.

Como mostra a reportagem do MintPress, câmeras de escaneamento facial, conhecidas como Lobo Vermelho, percorrem todas as ruas, sendo que suas objetivas capturam e registram os rostos de cada transeunte. As imagens capturadas alimentam o enorme Banco de Dados Wolf Pack Database de Israel, onde todas as informações coletadas são facilmente acessíveis para os militares israelenses através de um aplicativo móvel, fazendo com que qualquer indivíduo seja rastreado e monitorado 24 h por dia. 

A Amnistia Internacional, em 2 de maio de 2023, divulgou extenso relatório em que denuncia e condena este sistema opressivo, caracterizando-o como “apartheid automatizado”. De acordo com o relatório, ele expande as sistemáticas ações de Israel violência contra os palestinos, fazendo com que sejam discriminados e segregados não só nas relações sociais e política cotidianas, mas se tornado verdadeiras cobaias de um sistema que não é utilizado quando se trata de cidadãos judeus. 

O relatório aponta a existência de “um histórico de atos discriminatórios e desumanos que mantêm um sistema de apartheid”. As autoridades israelitas podem usar software de reconhecimento facial – em particular nos postos de controle – para consolidar as práticas existentes de policiamento discriminatório, segregação e restrição da liberdade de movimento, violando os direitos básicos dos palestinos”, conclui o relatório.

Conforme mostra o relatório da Amnistia Internacional, o uso desta tecnologia é muito eficaz, pois se vincula ao regime de apartheid existente em Hebron. A cidade foi dividida em duas zonas, H1 e H2. Esses dois setores de Hebron são separados por um posto de controle militarizado que permite a manutenção e expansão de um assentamento israelense ilegal, ou seja, onde as terras palestinas são roubadas permanentemente de seus donos, bem no centro do bairro de Tel Rumeida, com vista para o mercado da cidade palestina.

Foi nesse bairro que se originou o movimento “Juventude contra os Assentamentos”, que conseguiu recuperar um edifício ocupado através de uma ação direta e de uma campanha política. Tel Rumeida foi invadido por mais de 700 colonos israelitas, fortemente armados e protegidos pelos militares. A rua principal, popularmente conhecida como Rua Shuhada, foi rebatizada de “Rua Chicago” pelos ocupantes israelenses como forma de eliminar a herança palestina.

O relatório prossegue, mostrando que Israel não só ocupou e dividiu o bairro, cedendo-o para os colonos israelitas, como faz constantemente mudanças para ampliar a “colonização”, ou seja, o roubo das terras palestinas, usando de violência para expulsar os palestinos, tornando os colonos israelitas os únicos controladores do território. Trata-se de uma estratégia de Israel para a construção de um Estado de Israel puramente judeu, possibilitando ampliar e vincular o bairro a outros assentamentos judeus da região.

De acordo com o relatório da Amnistia Internacional, Hebron sofreu uma série de ataques violentos de colonos contra palestinos, principalmente após a iniciativa de Hamas contra o domínio judeu em Outubro de 2023. Os chamados colonos são, na verdade, bandos de criminosos armados que são escoltados e protegidos por soldados israelitas. Os palestinos cercam suas casas de arame farpado buscando protegê-las de ataques e assédio de colonos israelenses. 

O relatório prossegue mostrando que uma potente arma automática, controlada por inteligência artificial, foi instalada por Israel em 2022 no alto de um posto de controle na rua Shuhada, possibilitando visualizar o mercado de Hebron, onde milhares de palestinos circulam todos os dias. Frequentemente o atirador inteligente de IA é usado como um instrumento de dispersão, quando os palestinos ensaiam algum protesto ou manifestação. Isto faz com que os moradores fiquem permanentemente aterrorizados com a possibilidade da arma começar a atirar e acertar as pessoas. 

Ainda de acordo com o relatório da Amnistia Internacional, este “apartheid automatizado” apenas estabelece ainda mais a segregação e expande o sistema de apartheid de Israel e a limpeza étnica dos palestinos. O sistema de vigilância biométrica classifica as unidades militares pelo número de imagens capturadas e incentiva-a manter os palestinos sob constante observação Na cidade de Hebron e em Jerusalém Oriental, os direitos dos palestinos são violados através de uma série de medidas legais e militares que ajudam a manter o sistema de apartheid de “Israel” sobre os palestinos. 

O relatório prossegue mostrando que as autoridades israelitas impuseram um sistema de cercamento desde meados da década de 1990, sujeitando milhares de palestinos que vivem na Cisjordânia incluindo Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza a restrições rigorosas à circulação com base no estatuto legal e de residência. Desde o início da segunda intifada, dos palestinos contra Israel em 2000, o sistema de cercamento foi reforçado por una rede de centenas de postos de controle militares israelitas, além de bloqueios de estradas e dos 700 quilômetros da cerca/muro, que Israel ainda estende dentro e ao redor da Cisjordânia, principalmente dentro dos TPO, isolando as comunidades palestinas dentro de zonas militares. Os palestinos nestas zonas devem obter múltiplas autorizações especiais sempre que entram ou saem das suas casas, ou terras.

Os funcionários dos postos de controle não só controlam todos os pontos de entrada e saída nos Territórios Palestinos Ocupados (TPO) mas também administram um sistema de verificações arbitrárias e restrições ao acesso a direitos e serviços, afetando exclusivamente os palestinos. Entre outras coisas, estas restrições arbitrárias à liberdade de circulação reduzem a capacidade dos palestinos de ter acesso serviços de saúde, emprego e educação, bem como à sua capacidade de exercer o seu direito a liberdade de reunião pacífica. 

O relatório da Amnistia Internacional mostra que a vigilância constante que os palestinos enfrentam significa que não só vivem num estado de insegurança, mas também correm o risco de prisão, interrogatório e detenção arbitrários. Também em Jerusalém Oriental, a polícia israelita expandiu o seu sistema de vigilância a toda a cidade, através da Cidade Velha. Ali, uma rede cada vez maior de câmaras suporta um vasto sistema de reconhecimento facial conhecido como Mabat 2000. O sistema permite às autoridades israelitas identificar os manifestantes e manter os palestinianos sob observação constante, mesmo durante as suas atividades diárias normais. Tais sistemas expandiram-se juntamente com os colonatos israelitas ilegais, que invadiram bairros palestinos na Cidade Velha e outras áreas ocupadas em Jerusalém Oriental.

Como os postos de controle controlam a capacidade dos palestinos em H2 a área de Hebron, sob o domínio militar da Administração Civil Israelense, – de viajarem para fora de suas casas, Israel e capaz de conter os palestinos geograficamente, utilizando a dominação através da força militar e de ferramentas de vigilância como o Lobo Vermelho e o Lobo Azul para dissuadir a resistência. A
resistência das comunidades à expansão dos colonatos e à demolição de suas casas, a sua participação em protestos, por sua vez, leva a se tornarem alvos do sistema de vigilância.

A Amnistia Internacional denuncia que a vigilância automatizada não têm absolutamente nenhuma base razoável em segurança e é claramente moldada pela intenção de oprimir e dominar. Isto se revela no tratamento diferenciado nos territórios ocupados, no apoio à colonização de judeus israelitas nos TPO, a designação de zonas militares fechadas e a imposição de certas restrições à circulação, tais como proibições de viagens. Examinadas no contexto de discriminação e opressão sistemáticas, e à luz das violações em massa dos direitos humanos que estas políticas implicaram, torna-se claro que considerações genuínas de segurança, incluindo no contexto da implantação do reconhecimento facial, não são a força motriz por trás essas medidas.

O relatório desenvolve a conclusão da Amnistia Internacional de que o tratamento dado por Israel aos palestinos, cujos direitos controla, equivale ao apartheid. Examina especificamente o uso que Israel faz da vigilância, incluindo a tecnologia de reconhecimento facial, como uma ferramenta com a qual Israel impõe e mantém o seu sistema de opressão e domínio sobre os
palestinos nos TPO. O relatório centra-se principalmente no seu impacto nos direitos dos palestinos à privacidade e à liberdade de circulação, e na forma como esses direitos são severamente restringidos por um conjunto de leis, políticas e práticas israelitas excludentes e discriminatórias.

O relatório da Amnistia Internacional faz as seguintes recomendações para acabar com este sistema abusivo: 

  • O estado de Israel deve cessar imediatamente a implantação do reconhecimento facial tecnologias para a identificação de palestinos nos TPO, inclusive em postos de controle, devido à sua natureza inerentemente discriminatória. Israel deve pôr fim ao regime de cercamentos na sua forma atual, bem como a outras restrições arbitrárias à liberdade de circulação de pessoas e mercadorias, que resultam na punição coletiva dos palestinos.
  • As empresas deveriam parar de fornecer tecnologias que possam ser usadas pelo Estado israelense para implementar um sistema de apartheid contra os palestinos nos TPO e cometer crimes contra a humanidade e crimes de guerra, incluindo a manutenção de colonatos ilegais. 
  • A Assembleia Geral das Nações Unidas deveria aprovar uma resolução apelando à proibição das tecnologias de reconhecimento facial que são utilizadas para vigilância em massa e vigilância seletiva discriminatória.

O relatório da Amnistia Internacional mostra que, ao contrário do sistema chinês, voltado para segurança pública, o sistema israelense obedece à política imperialista de apartheid e limpeza étnica dos palestinos, tendo que ser totalmente destruído para possibilitar a vida da população dentro dos marcos estabelecidos pelas declarações universais de direitos humanos.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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