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O caso Decothé

Identitários querem cancelar pessoas, não conquistar coisas

Colunista da Folha de S. Paulo pensa que, para defender o governo Lula, é preciso defender o identitarismo. Trata-se, porém, de justamente o contrário

Na última semana, uma assessora da Ministério da Igualdade Racial, comandado por Anielle Franco, publicou em suas redes sociais um comentário sobre a terceira maior torcida do país ― a do São Paulo Futebol Clube ― por ocasião da final da Copa do Brasil no estádio do Morumbi, em São Paulo, onde se encontrava, junto com a ministra da pasta. Na postagem, a assessora chamava a torcida de “brancos”, “descendentes de europeus safados” e “pior de tudo, paulista” — claro, tudo isso usando linguagem neutra, um dos principais badulaques dos identitários.

O comentário foi objeto de críticas. Este Diário mesmo escreveu uma série de artigos criticando e analisando o lamentável episódio. Mas a verdade é que a direita também levantou a cabeça e aproveitou a situação para, de contrabando, atacar o governo Lula pelo seu “identitarismo”. O colunista da golpista Folha de S. Paulo, Celso Rocha de Barros, em coluna publicada neste último sábado (30), saiu a campo para rebater as críticas da chamada “oposição de direita” a Lula, mas tudo o que consegue fazer, na verdade, é defender o identitarismo.

Para se contrapor a bizarrices defendidas pela direita, como a tese do “racismo reverso”, o colunista acaba dourando a pílula do identitarismo. O colunista até acerta ao afirmar que “grupos marginalizados podem ser preconceituosos ou ofensivos, tanto quanto quaisquer outras pessoas”, e que um direito pode “ser aplicado equivocadamente ou de forma picareta” sem que o direito em si perca a legitimidade ou vigência. Tudo isso está correto. O colunista, porém, avança, e é aí que começa a entrar na lama.

Em primeiro lugar, ele rebate a tese segundo a qual as “pautas identitárias” seriam importadas dos EUA. O argumento é simplesmente uma negação da realidade. Não existe atualmente um único movimento que se baseie na famigerada “política de identidade” que não tenha vínculos políticos, ideológicos e, especialmente, financeiros com organizações norte-americanas. 

Basta uma pesquisa rápida na internet, sem grande esforço, para identificar que entidades como a Fundação Ford, Open Society, Obama Foundation, entre outras, são financiadores das ONGs que, hoje, levam adiante a campanha em defesa de uma “mulher negra no STF”, a campanha do momento promovida pelo identitarismo. 

Em comum, todas essas organizações norte-americanas têm sérias ligações com a agência de inteligência norte-americana, que busca, tendo em vista o cenário de crise social, econômica e política mundial, intervir no quadro político dos países, impulsionando pessoas e entidades que se dizem a voz dos oprimidos, mas cuja função real é desidratar, tornando inofensivos, os movimentos de revolta popular que necessariamente decorrem da crise.

Negar os vínculos indissolúveis do identitarismo com o imperialismo norte-americano é simplesmente impedir qualquer compreensão minimamente séria de sua natureza e função. Quem assim o faz, torna-se objetivamente um instrumento a serviço dos piores inimigos dos povos oprimidos do planeta.

Em segundo lugar, o colunista promove uma confusão quanto à especificidade do identitarismo. Coloca deliberadamente reivindicações históricas do movimento operário sob o guarda-chuva das “pautas identitárias”. É o caso, por exemplo, da igualdade salarial entre homens e mulheres, ou da reorganização do trabalho doméstico, que o autor cita. Reivindicação histórica do movimento operário em geral, e do marxismo em particular, Rocha de Barros qualifica tais reivindicações como “identitárias”. Aqui, vemos a confusão em que o autor se meteu. Segundo o seu raciocínio, toda e qualquer reivindicação que diga respeito às mulheres (ou aos negros, ou aos LGBTs etc.) seriam “pautas identitárias”. Será que Rocha de Barros desconhece que os marxistas, que se opõem ao identitarismo, possuem igualmente um programa e uma concepção de luta para a questão da mulher, do negro etc? A confusão faz com que o articulista afirme que “no Brasil, a maioria das pautas ‘identitárias’ são defendidas pelo PT desde sua fundação, como também o foram pelo PDT na época de Brizola”. Ou seja, PT e o PDT de Brizola seriam “identitários” desde criancinha. Seguindo a lógica do colunista, talvez pudéssemos afirmar que até Jesus Cristo era identitário. 

Com efeito, ao invés de esclarecer, o colunista confunde o panorama político e joga areia nos olhos do leitor. “Garanto para vocês, quem participa ativamente desses movimentos está muito mais interessado em garantir essas conquistas concretas do que em cancelar gente em rede social”, afirma Rocha de Barros sobre os identitários. A garantia do colunista não vale muita coisa frente à realidade. O único resultado concreto que se pôde ver até agora das políticas identitárias foi justamente isto: cancelamento, censura, aumento de penas, criação de novos crimes, aumento da repressão e fortalecimento da ditadura do judiciário. Nenhum avanço real na vida dos negros, das mulheres e de outros setores oprimidos foi resultado da política identitária. Quando nos deparamos com episódios como os protagonizados pela assessora de Anielle Franco, o que se tem não é o mal uso do “identitarismo”, mas a manifestação da sua verdadeira essência. Trata-se de uma ideologia e uma política antipopulares no sentido rigoroso do termo, isto é, voltadas contra o povo, contra os oprimidos. É uma ideologia e uma política que serve aos opressores, não aos oprimidos.

Rocha de Barros pensa que, para defender o governo Lula, é preciso defender o identitarismo. Trata-se, porém, de justamente o contrário. O identitarismo é um ponto fraco do governo. Mais do que isso, os identitários dentro do governo, a cada dia que passa, se apresentam como verdadeiros sabotadores dele, como um setor infiltrado cujos propósitos se chocam com a linha política que Lula deveria levar adiante para sobreviver. A sua política antipopular, como deixou claro mais uma vez o caso da assessora de Anielle Franco, tende a desgastar o governo Lula perante as massas populares. É por isso que o colunista, se quisesse realmente defender o governo Lula contra a oposição direita, deveria lutar pela saída da “ala identitária” do governo Lula. 

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