O texto A militância de esquerda e Lula têm 2 desafios à frente, que o ex-deputado petista, João Paulo Cunha, publicou nesta quarta-feira (18) no órgão esquerdista Brasil 247, joga para a militância um problema que diz respeito exclusivamente da direção petista, que não consulta sua base para nada. Diz o autor:
“Os horizontes encurtaram. Os militantes de esquerda no Brasil enfrentam 2 desafios importantes: um mais filosófico e universal, e outro mais prático e concreto. O 1º diz respeito ao desaparecimento da utopia, que sempre nos motivou a seguir em frente, unindo pessoas e orientando nossas ações.”
O que o ex-deputado omite é que os militantes petistas deram, sim, muito crédito às possibilidades de mudanças, mas isso foi sendo minado pela política do partido. Lê-se no texto que “a utopia – aquele sonho coletivo que transcende o presente e a mera sobrevivência – parece ter sido eclipsada por um pragmatismo frio, muitas vezes cínico, que reduz ao imediato”.
Para a maioria da população, que vive na pobreza, cinismo é cobrar que as pessoas não se preocupem com as questões imediatas. Ainda mais considerando a política econômica desastrosa, que tem penalizado o bolso do trabalhador.
Voltando à questão do sonho coletivo, como sonhar quando o presidente Lula veta a Venezuela no BRICS? Ninguém sonha quando o presidente exige atas das eleições venezuelanas e, ao mesmo tempo, acata um golpe eleitoral no Equador.
Se for verdade que “sem utopia, a política se torna apenas gestão de problemas e a militância corre o risco de ser sugada para o redemoinho das disputas cotidianas, muitas vezes esvaziadas de propósito maior”, é preciso cobrar quem está solapando as tais “utopias”. Cunha continua:
“Essa perda da utopia no horizonte traz consequências: em vez de trabalhar com base em valores transformadores – como justiça social, fraternidade, igualdade e democracia –, a luta política acaba se resumindo a uma série de batalhas táticas por conquistas fragmentadas. O que deveria ser um meio vira um fim em si mesmo. A política fica mais técnica, e o militante passa a ser um gestor de crises.”
Essa crítica deveria ser feita ao próprio PT, não ao militante genérico. Esse partido tem se voltado apenas à eleição de candidatos, faz todo tipo de acordos por “conquistas fragmentadas”, como seu apoio ao Supremo Tribunal Federal, um dos principais componentes do golpe contra o partido em 2016.
Derrota?
João Paulo Cunha afirma que “2 anos e meio depois da vitória eleitoral que derrotou o projeto autoritário de Jair Bolsonaro, o Brasil democrático vive um período de cansaço emocional. O governo Lula 3 conseguiu avançar com programas importantes, retomou políticas públicas essenciais, tem tido sucesso na economia e reposicionou o país no cenário internacional”.
Qual projeto exatamente foi derrotado? Bolsonaro colocou Campos Netto no Banco Central, um moleque de recados dos banqueiros. O PT, por sua vez, colocou Gabriel Galípolo, tão feroz quanto seu antecessor quando a política é de aumentar os juros.
O Brasil se reposicionado no cenário internacional – seja lá o que isso significa –, não melhora em nada a vida do trabalhador. Portanto, não faz sentido dizer que “o governo é correto, mas não consegue despertar paixão”.
Perguntas e “respostas”
Cunha diz que se pergunta pelas ruas e universidades, é do porquê do governo parecer “não ter uma marca forte ou uma narrativa envolvente”. Sua resposta, é a de que o problema não esteja em Lula ou na equipe de comunicação, mas seria fruto do “enfraquecimento da estrutura do poder político no Brasil, principalmente do Executivo”.
Trata-se de uma resposta esfarrapada, até Bolsonaro conseguia fazer programas com muito mais visualizações que Lula, que optou por um formato enfadonho, distante das preocupações do povo, e vazio. Os números indicam que nem mesmo a militância petista assistia.
Cunha avalia que “Lula governa, mas sem controle pleno do Orçamento. Anuncia programas, mas depende da boa vontade do Congresso para colocá-los em prática”. Isso, porém, já havíamos dito, pois o governo optou por não buscar apoio popular, o que o deixou sem força para enfrentar a oposição.
O STF
Ao tratar da questão do Supremo Tribunal Federal, apesar de Cunha o fazer de forma confusa, parece que a consciência do que significa essa instituição começa a clarear dentro do PT.
Segundo considera, “o STF (Supremo Tribunal Federal) parece ter assumido um papel que antes era do povo. Passou a atuar como uma espécie de protagonista político, intervindo em temas como direitos civis, liberdade de expressão, disputas por terras, meio ambiente e povos indígenas, além de regular as redes sociais e combater a desinformação”.
Na verdade, o PT trocou o apoio do povo pelo STF. E em vez de apenas listar, o ex-parlamentar deveria ter criticado a ingerência do Supremo em temas que não são de sua competência. Fora isso, além de não combater a desinformação (nem deveria), a “regulação” das redes é uma política de censura sem precedentes, e isso com apoio petista.
Timidamente, Cunha afirma que “essa presença forte do STF começa a sufocar a política”.
O que fazer
Para João Paulo Cunha, “se o governo Lula quiser virar o jogo, precisa reagir. Precisa de uma nova narrativa, uma agenda política que envolva e mobilize o país. Deve encarar, com coragem, temas como a reforma do Orçamento, especialmente a questão da injustiça tributária, as emendas impositivas e os limites do poder judicial. E, acima de tudo, precisa reconstruir pontes com a sociedade, ouvir de verdade a população, convocar os movimentos sociais, dar um sentido político e simbólico às suas ações e mostrar paixão por aquilo que faz. Carece de sonhos”.
De certa maneira, o PT não está carecendo de sonhos, mas do oposto: precisa é parar de sonhar que tem o Supremo Tribunal Federal como aliado.
O governo Lula teria que dar uma guinada em sua política, é verdade, mas não dá sinais de que fará isso. O próprio texto desanimado de João Paulo Cunha parece ter essa certeza, tanto que termina dizendo “que Deus nos proteja”.