Entre setores da esquerda, circula a ideia equivocada de que Marx foi um identitário. Alegam que ele teria centrado sua teoria na identidade “trabalhador”, fazendo assim o mesmo que os teóricos identitários contemporâneos. Isso é totalmente falso, e revela uma ignorância não só do identitarismo, como também da obra marxiana.
É preciso compreender que o identitarismo não se resume ao mero foco em identidades. Seu núcleo está na ideia de que a forma como alguém se identifica subjetivamente determina seu lugar no processo social e o tipo de contribuição que pode oferecer. Assim, quem se identifica como negro ocuparia uma posição específica na estrutura social e estaria apto a falar sobre determinados temas. De forma análoga, quem se identifica como branco ocuparia uma posição distinta, e assim sucessivamente para as potencialmente infinitas identidades, englobando não só etnias, mas também gêneros, orientações sexuais, dentre outros. Em todos os casos, a lógica central do identitarismo é que categorias subjetivas seriam os principais marcadores do papel social do indivíduo, ou seja, o essencial seria como a pessoa se vê, não sua posição objetiva na realidade.
Essa não é a lógica que Marx usa em sua obra. Ele não vincula o potencial de transformação social à identidade subjetiva de ser trabalhador, mas à posição objetiva na estrutura produtiva. O que confere aos trabalhadores a capacidade de transformar a sociedade não é sua autoimagem, mas sim sua função central na produção. Se há alguém que trabalha em uma fábrica e não se identifica como trabalhador, isso não muda o seu potencial de transformação social. Caso uma greve ocorra nessa fábrica, independentemente de como os grevistas se identifiquem, o impacto econômico será real. Assim, é precisamente pela capacidade concreta da classe trabalhadora de interromper o funcionamento do sistema econômico que Marx a enfatiza em sua obra, e não por como ela se vê.
Chamar Marx de identitário é uma falsificação teórica, pois o identitarismo se baseia em um subjetivismo idiossincrático, enquanto Marx fundamenta sua análise da classe trabalhadora em critérios objetivos. Essa confusão só ganha espaço em meio à proliferação de teorias subjetivistas e psicologizantes, que colocam a identidade pessoal como eixo central do processo social. Trata-se de um erro grave. Essas ideias não só fragmentam a classe trabalhadora, como também inundam o debate público com ilusões incapazes de provocar mudanças concretas. Precisamos nos livrar dessas ideias quanto antes.