Em um artigo intitulado Explorar petróleo na Foz do Amazonas, publicado no sítio Brasil de Fato, Valério Arcary defende que o Brasil faça o que país nenhum no planeta fez até hoje – e dificilmente fará – e renuncie à exploração do petróleo no que ele e os agentes do imperialismo chamam de “Foz do Amazonas”, termo este cunhado para enganar a população brasileira, fazendo parecer que as reservas estão às beiras do Rio Amazonas.
Em primeiro lugar, as jazidas de petróleo estão, na realidade, na Margem Equatorial, área localizada a centenas de quilômetros da costa brasileira, em alto mar. A mera pesquisa para saber a potencialidade das jazidas de petróleo na região tem sido combatida por setores que se dizem de esquerda, mas que, na prática, funcionam como linha auxiliar do imperialismo. Eis o que defende o “trotskista”, logo no começo do texto:
“O país pode renunciar à exploração de petróleo na Foz do amazonas, mas deve exigir compensações […] Em resumo, o país pode renunciar à exploração de petróleo na Foz do amazonas, mas deve exigir compensações.”
A proposta defendida por Arcary é que o Brasil simplesmente não explore seu petróleo e espere compensações das potências imperialistas — como se estas, historicamente saqueadoras dos países atrasados, fossem agora retribuir nações como o Brasil por sua boa vontade em seguir submissos. É a tese da “indenização ecológica” por não explorar riquezas naturais, uma ideia digna de um conto de fadas. Não contente, o autor continua:
“As previsões disponíveis projetam um pico da demanda de combustíveis fósseis para até 2030, com posterior declínio, e um prognóstico de queda no preço do barril de petróleo e, se a prospecção na bacia da Foz do Amazonas fosse iniciada hoje, iria começar a produzir petróleo para um mercado em encolhimento.”
Desde os anos 1970, a propaganda contra o petróleo repete que sua escassez é iminente. Segundo essas “previsões”, o petróleo já deveria ter acabado há 20, 30, 40 anos. Enquanto isso, o que se vê é o recrudescimento da brutalidade imperialista para manter o controle sobre essa que é a principal commodity energética do planeta.
Curiosamente, o próprio acadêmico parece ter um vislumbre de ligação com o mundo real ao reconhecer que “os EUA abraçam uma estratégia nacional imperialista em todos os terrenos, e cobiçam as imensas reservas na Groenlândia e Canadá, além do cerco ao Irã, e o golpismo na Venezuela”. Se em cinco anos esse mercado estará em fase de encolhimento, por que os Estados Unidos iriam mobilizar sua máquina de guerra para se apossar das reservas em questão?
Do Iraque à Líbia, do Irã à Venezuela, a política internacional dos EUA gira em torno do controle sobre o petróleo. E Arcary, que se apresenta como “trotskista”, sugere que o Brasil simplesmente não participe dessa disputa, abrindo mão de sua soberania em nome de um ambientalismo infantiloide.
A posição de Arcary, nesse sentido, não só é reacionária, como completamente fora da realidade. O que está em jogo não é uma suposta salvação da “natureza”, mas o papel do Brasil no mundo: um País explorador de suas riquezas em benefício próprio ou um mero fornecedor de oxigênio e “serviços ambientais” às potências estrangeiras. Submeter o País à política de não-exploração é o mesmo que fazer com que o Brasil continue sendo uma colônia do imperialismo.
É extraordinário que alguém que se diga marxista, revolucionário, defensor do socialismo, defenda que o imperialismo será responsável por financiar a não-exploração do petróleo brasileiro. Isso não é política, é uma crença cega, religiosa, no bom coração dos opressores. Arcary demonstra ter substituído a luta de classes como sua fonte de orientação por uma fantasia hollywoodiana, onde as potências se convertem em mecenas ecológicos e as classes sociais somem diante de um objetivo comum: “salvar o planeta”.
Essa fábula da ecologia como objetivo universal, acima das contradições sociais, é expressão da defesa da política de colaboração de classes. Segundo essa linha de pensamento, capitalistas e trabalhadores devem se unir em torno de causas ambientais.
A luta pelo socialismo é deixada de lado em nome da “emergência climática”. Assim, não há imperialismo, não há burguesia nacional exploradora, não há Estado capitalista — só a necessidade “urgente” de impedir o “colapso climático”.
É preciso ressaltar, ainda, que o ambientalismo é um negócio antigo. Durante décadas, o imperialismo fez uma campanha para abolir o uso do papel — hoje, volta a defendê-lo, desde que o plástico, o vilão da vez, seja extinto. Mais recentemente, inventou a cruzada contra as sacolas plásticas nos mercados, apesar de que qualquer consumidor atento pode notar a quantidade de plástico nas embalagens industrializadas. Ainda, se esforça para convencer o mundo de que o petróleo é uma fonte de energia em vias de extinção, mas não explica porque o ouro negro é essencial para a política de dominação imperialista.
Como revelou o ex-NSA Edward Snowden, a Petrobrás é uma das empresas mais espionadas pelo serviço secreto dos Estados Unidos. Por qual razão os monopólios petrolíferos insistem em abrir guerras e mobilizar o aparato de guerra norte-americano e da União Europeia para garantir o controle de fontes de petróleo no Oriente Médio, África, Ásia e América Latina? É óbvio que é porque todo esse ambientalismo não passa de uma fachada.
O petróleo, além de ser insubstituível no curto e médio prazo, sustenta uma cadeia produtiva gigantesca. Basta pensar, por exemplo, na Marinha dos EUA: é simplesmente impensável que, em dez anos, toda a frota norte-americana será substituída por navios elétricos.
A campanha contra o petróleo não é nova. Há pelo menos 100 anos ela vem sendo usada para impedir o desenvolvimento energético do Brasil. Por um breve momento, a política nacional foi a favor da soberania petrolífera — o que gerou campanhas como “o petróleo é nosso” e resultou na criação da Petrobrás. A tradição no País, porém, é uma só: uma campanha sistemática contra o uso do petróleo sob o pretexto de que é de baixa qualidade, de que vai acabar, de que é sujo, de que acabará com o planeta. Tudo isso não passa de uma grande mentira, uma desculpa para manter o Brasil de joelhos.
É com esse propósito que a campanha de Arcary surge como reforço “à esquerda” da política entreguista que Marina Silva já não consegue mais sustentar. Até o Ibama, sempre usado como instrumento de bloqueio, já deu sinais favoráveis à pesquisa na Margem Equatorial. Arcary surge, portanto, como o novo rosto da política de sabotagem ao desenvolvimento nacional, travestida de consciência ecológica.
Arcary encerra imaginando que o Brasil poderia ganhar até R$2 trilhões de compensação por não explorar o petróleo. Isso, além de ser uma piada, demonstra seu completo distanciamento da realidade. A proposta de Arcary é, na prática, condenar o povo da região à pobreza crônica para agradar ONGs financiadas por estrangeiros.
O petróleo é um instrumento de soberania. O que está em jogo é o direito do Brasil de decidir sobre seus próprios recursos. A tese defendida por Arcary é uma versão “esquerdista” da velha campanha: “o petróleo é dos EUA”. Ao se aliar à política ambientalista do imperialismo, esse tipo de “trotskismo” se transforma em inimigo do povo e aliado do regime.
Finalmente, se quisermos de fato mudar as condições de vida do povo brasileiro, o caminho não passa por “esperar” as esmolas do imperialismo, mas por romper com ele.