No artigo Netanyahu reproduz extermínio nazista sim! Lula tem que romper relações com o Estado genocida, publicado no Opinião Socialista, blogue editado pelo Partido dos Trabalhadores Unificado (PSTU), encontramos a seguinte análise sobre a comparação dos crimes de “Israel” com os crimes da Alemanha Nazista, feita pelo presidente Lula durante reunião de cúpula da União Africana:
“Estes gestos simbólicos são importantes mas Lula, através deles, busca atrair o apoio do povo palestino, e evitar uma medida de ruptura com o Estado de Israel.”
Há aqui três ideias. Primeiro, a de que os “gestos simbólicos” seriam importantes. A segunda, que o objetivo de Lula seria o de “atrair os palestinos”. A terceira, que Lula estaria interessado em evitar uma ruptura com o Estado de “Israel”.
Comecemos pelo último e mais grotesco. Ao comparar as ações do Estado de “Israel” àquelas cometidas pela Alemanha Nazista contra os judeus, Lula estaria preservando o Estado de “Israel”. A base do raciocínio verdadeiramente genial do PSTU é a seguinte: uma vez que Lula criticou duramente “Israel”, mas não cortou relações com o Estado nazista, suas declarações não passam de demagogia. Isto é, não indicam uma indisposição real do presidente da República com “Israel”, mas simplesmente uma cobertura para sua política de suposta colaboração com o genocídio.
Chegamos à conclusão, portanto, que as declarações de Lula teriam o mesmo significado que as de Biden, que apoia o genocídio de fato, mas que também faz seus discursos pedindo moderação a Benjamin Netaniahu.
Antes de qualquer coisa, comparemos o conteúdo em si das declarações. Biden, na melhor das hipóteses, declarou, de maneira improvisada, que um cessar-fogo pareceria “necessário”. Lula, por sua vez, caracterizou as ações de “Israel” como “nazistas”. Não é a mesma coisa. O primeiro é uma lamentação, que não se propõe a apontar culpados, nem resolver qualquer problema. O segundo põe às claras o responsável pela crise e que é urgente freá-lo.
Mas o problema é muito mais que linguístico. A fala de Lula não pode ser comparada à de Biden porque eles representam forças sociais completamente distintas. Joe Biden é o maior financiador da guerra no Oriente Médio. É, portanto, o maior responsável pela guerra. Na condição de chefe do principal país imperialista do mundo, Biden, é, ainda, o maior financiador de guerras, golpes de Estado e massacres de todo o planeta. Somente em fevereiro os Estados Unidos destinaram mais de 470 bilhões de reais para os regimes ucraniano e israelense – isto é, regimes de extrema direita que estão em guerra.
Lula, por outro lado, é o presidente de um país oprimido. E mais: é uma liderança popular de um país oprimido. E, justamente por isso, Lula é parte de um movimento mundial de contestação da ordem imperialista. Lula, no primeiro semestre de 2023, foi muito atacado pela imprensa imperialista justamente por sua defesa dos interesses da Rússia na guerra contra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Ao criticar “Israel” de maneira muito mais contundente do que vinha fazendo, Lula não “jogou para a plateia”, ele consolidou a sua posição na situação política internacional: uma posição de alinhamento ao bloco cada vez mais coeso liderado por países como Rússia, China e Irã.
Tanto é assim que O Estado de S. Paulo, em editorial, afirmou que: “o presidente Lula da Silva parece ter declarado guerra ao Ocidente. Uma guerra imaginária, claro, mas nesse delírio o petista pretende posicionar o Brasil na vanguarda da luta contra tudo o que simboliza os valores ocidentais – tendo como companheiros de armas um punhado de notórias ditaduras, como China, Rússia, Irã e Venezuela“.
Não se trata, portanto, de mera demagogia. É o aumento das contradições entre um país atrasado importante, como o Brasil, com um governo de esquerda, de grande base popular; e o imperialismo. Um aumento que, a depender de como as coisas andarem, pode levar a uma ruptura.
Na prática, as relações diplomáticas entre Brasil e “Israel” já estão, no mínimo, suspensas. O que Lula fez, ao convocar o embaixador brasileiro de volta, é dar um passo a mais no sentido da ruptura. É uma evolução no sentido de um enfrentamento com o imperialismo. O PSTU, no entanto, não consegue entender isso porque é capaz apenas de enxerga duas cores: o branco e o preto. Ou Lula prontamente adota o programa que o PSTU prega, ou estará condenado a ser uma figura reacionária. É uma política completamente sem sentido que ignora, por exemplo, que o primeiro e único Estado Operário das Américas, Cuba, não surgiu de uma plena convicção de Fidel Castro no socialismo, mas como produto da luta contra o imperialismo e da própria evolução dos líderes da revolução.
Voltemos, agora, à segunda questão: Lula estaria querendo “atrair os palestinos”. É difícil entender exatamente o que o PSTU quer dizer com isso. Acaso os palestinos votam no Brasil? Darão um apoio importante para Lula? É difícil de entender. No entanto, o sentido da colocação do PSTU é claro: a colocação de Lula seria uma enganação, uma tentativa de usar a causa palestina em benefício próprio. Fosse assim, o PSTU teria de explicar o que exatamente Lula está ganhando em defender os palestinos, a não ser um pedido de impeachment e uma enxurrada de ataques na imprensa burguesa.
A defesa que Lula faz do povo palestino é, conforme dito antes, uma posição que reafirma a tendência de Lula em se alinhar a um bloco de oposição à dominação imperialista.
Dito tudo isso, fica a pergunta: para que, então, serviriam os “gestos simbólicos”? Se, para o PSTU, o “gesto” de Lula não serve para marcar uma posição na luta de classes mundial entre o imperialismo e os países atrasados, de que serve? Se tudo não passa de demagogia, para que o fazer?
É aqui que a política do PSTU chega completamente em um beco sem saída. Como o partido não considera que a colocação de Lula é parte da luta de classes, é incapaz de enxergar que há uma luta de classes. E, portanto, não vê como aliar os “gestos simbólicos” a uma luta de conjunto contra o imperialismo. O PSTU conclui o seu artigo, portanto, com uma fórmula puramente abstrata do problema:
“O PSTU chama a classe trabalhadora, as organizações sindicais, os movimentos populares, os grupos de Direitos Humanos e os partidos de esquerda para fortalecer a mobilização em apoio ao povo Palestino e a se somarem à campanha para que Lula rompa todas as relações com o Estado terrorista de Israel.”
Como efetivamente derrotar o Estado de “Israel”? Qual o papel de grupos como o Hamas nisso? Qual o papel de países como o Brasil e a Rússia nisso? O PSTU não responde. Porque, para ele, a luta na Palestina nada tem a ver com a luta contra o imperialismo.