O articulista de Brasil 247 Jeferson Miola publicou no portal uma coluna intitulada Enquanto Haddad pauta taxação de super-ricos no G20, fontes do governo pautam na mídia diminuir BPC de idosos defendendo como “conquista louvável” do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, “a discussão sobre a necessidade de taxação de super-ricos no encontro de ministros de Finanças e presidentes de Bancos Centrais do G20”. O erro em que incorre Miola é desconsiderar o fato de o Estado brasileiro (como todos no mundo) terem um “dono”, a saber, uma classe que se impõe sobre as demais.
Como o colunista mesmo reconhece ao fim do texto, o “governo enfrenta a oposição feroz e colérica da maioria de direita e extrema-direita que domina o Congresso”, o que coloca a dúvida de ordem prática sobre como poderia ser feita a taxação dos setores mais poderosos da burguesia. Ora, achar que aceitarão um tributo recaindo sobre eles de bom grado, quando se revelam insensíveis a ponto de pressionar o governo por uma política que, se posta em prática, expropriará idosos e pensionistas, empurrando milhões de pobres a uma situação de penúria ainda maior, apenas para aumentar a farra com a rolagem da dívida pública; no mínimo, é um contrassenso.
A questão dos tributos tem confundido muita gente na esquerda brasileira, particularmente na pequena burguesia, que, sensível às ilusões propagandeadas pela burguesia, tende a seguí-las. Miola, nesse sentido, expressa a confusão comum a uma classe. O Estado, entretanto, não é uma entidade neutra que busca o bem-estar de todos os cidadãos, mas um instrumento de opressão de classe.
Em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, o revolucionário Friedrich Engels demonstra como o Estado surgiu como um meio de administrar os interesses da classe dominante e de manter a ordem necessária para a exploração contínua das classes trabalhadoras. Já Karl Marx, em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, traz o famoso aforismo de que o Estado é o balcão de negócios da classe dominante, sem outra função além de assegurar a dominação capitalista, que necessariamente se dá com a opressão sobre as demais. A compreensão sobre a verdadeira natureza do Estado é necessária para que se entenda porque medidas administrativas desprovidas de uma luta política intensa, fundamentadas em uma ampla mobilização das massas operárias, não será nada além de um engodo, quando não uma armadilha.
A proposta de taxação dos setores mais poderosos da burguesia, os chamados “super-ricos”, é apresentada pelo autor como “um avanço ético e de justiça tributária”, porém, na prática, o Estado burguês dificilmente permitirá que tais medidas sejam implementadas trazendo impactos positivos para a classe trabalhadora. A resistência histórica das classes dominantes a qualquer medida que ameace seus interesses econômicos é um testemunho claro disso.
Historicamente, o peso dos tributos sempre recaiu sobre as classes oprimidas, mesmo quando medidas aparentemente progressistas foram adotadas. Um exemplo notório no Brasil é a reforma tributária de 1965, durante a Ditadura Militar (1964-1985), que introduziu o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Embora apresentada como uma medida modernizadora, o ICMS acabou aumentando a carga tributária sobre o consumo, impactando desproporcionalmente os trabalhadores e os setores mais pobres do País, enquanto grandes empresários e latifundiários continuaram a desfrutar de benefícios fiscais.
Um exemplo significativo vem da Revolução Francesa. Após séculos de luta, apenas com a mobilização revolucionária da burguesia e a conquista do poder, tornou-se possível a introdução dos impostos que atingiam de maneira significativa a nobreza latifundiária, como o imposto sobre a terra. Por outro lado, a reforma tributária empreendida pela burguesia só foi possível após a derrubada do regime antigo e a consolidação da nova classe dominante.
O texto de Miola menciona a dificuldade de implementação de medidas como a Taxa Tobin, destacando o fracasso da Associação pela Taxação das Transações Financeiras para a Ajuda aos Cidadãos/ATTAC em promover uma alíquota mínima de 0,1% sobre os capitais financeiros. Este exemplo sublinha a resistência do imperialismo a qualquer tentativa de regulamentação que ataca a facilidade de mobilização do capital, algo do interesse dos banqueiros e que, por isso mesmo, tem pouca chance de prosperar.
A proposta de taxar a classe dominante, embora positiva nos seus objetivos declarados, de reduzir o peso do Estado para os trabalhadores e aumentá-lo para a burguesia parasitária, ignora a essência exploradora do Estado capitalista, tornando-a uma distração das verdadeiras causas da opressão. Sem uma mudança de fundo, que mobilize os trabalhadores com um chamado à ação, qualquer medida tributária será meramente paliativa.
Nesse sentido, a proposta de Haddad não aborda a raiz do problema. O Estado, como instrumento da classe dominante, continuará a proteger os interesses dos capitalistas, mesmo que sob a fachada de políticas progressistas, encontrando maneiras de transformar as boas intenções em armadilhas. O peso dos tributos, direta ou indiretamente, recairá sobre os trabalhadores e as classes oprimidas, perpetuando a exploração e a desigualdade inerentes ao capitalismo.
É preciso uma política que supere as soluções superficiais e associe a reforma tributária a uma ampla campanha das massas que, uma vez mobilizadas, terão condições de reformular o sistema tributário, de modo que a burguesia arque com a estrutura política por ela montada para oprimir a população. Até que essa etapa seja alcançada, falar em taxação da classe dominante não é algo além de diversionismo.