Após o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, admitir, pela primeira vez na história do Estado português, a culpa por supostos crimes cometidos há séculos, a esquerda pequeno-burguesa, a reboque da imprensa capitalista, saiu em polvorosa defesa de uma tal “reparação histórica”. O artigo Quanto vale a dor da escravidão?, publicado pelo jornal golpista Folha de S.Paulo, é uma dessas tentativas grotescas de defender uma política não apenas demagógica, mas também inviável.
No texto, Maria Alice Nunes Costa, curiosamente, procura polemizar com um setor da esquerda brasileira que defende a tal “reparação”. Segundo ela, a tal “reparação histórica” não deveria consistir em uma indenização a ser paga por Portugal a suas ex-colônias. Segundo ela, “entregar dinheiro individualmente pode também gerar distorções e não atacar as raízes da desigualdade”.
O fato é, no entanto, que o verdadeiro problema em se “entregar dinheiro” é que é uma política inviável, impossível. O Estado português não tem condições de pagar por todo o ouro e todas as riquezas que tomou do Brasil enquanto era sua colônia. Se o fizesse, entraria em falência e ainda ficaria profundamente endividado.
Sendo inviável, a reparação financeira se torna, portanto, puramente demagógica. Torna-se um teatro, no qual os colonizadores fingem se importar com o sofrimento dos colonizados. Se o objetivo é fazer demagogia, pouco importa as tais “distorções”, uma vez que o objetivo não é de fato resolver os problemas causados pelo atraso econômico dos países que foram outrora colonizados.
Se o objetivo de Marcelo Rabelo de Sousa fosse de fato compensar o atraso econômico dos países colonizados, a sua maior preocupação deveria ser não a de depositar uma mesada demagógica, mas sim a de derrubar a ordem mundial. Isto é, de se opor ao imperialismo, que é o que mantém a esmagadora maioria dos países sob dominação. E é o que, inclusive, impede que os países atrasados superem os seus entraves oriundos do período colonial.
Mas não é essa a crítica que a autora faz à política de “entregar dinheiro”. Diz ela:
“Investir em políticas públicas estruturais e universalizantes, como saneamento básico, transporte de qualidade, educação, saúde, água e energia, pode ser mais transformador. É um caminho mais eficaz para construir um futuro mais justo e equitativo para o país. Uma oportunidade para romper com o legado da escravidão e construir uma sociedade mais justa e democrática.”
Se o maior prejuízo da política de “entregar dinheiro” é o de que ela é inócua e serve apenas para melhorar a imagem dos países imperialistas, a proposta da autora vai efetivamente no sentido de aprofundar a política de dominação do imperialismo. Afinal, o que seria “investir em políticas públicas”?
Se a autora vê como saída simplesmente pressionar os países imperialistas a fazer tais “investimentos”, sem liquidar toda a estrutura de dominação mundial montada sobre os monopólios capitalistas, então ela está propondo que países como os Estados Unidos, que financiam e apoiam o genocídio na Faixa de Gaza, que Portugal, que integra a Organização do Tratado do Atlântico Norte, e que a França, que até hoje mantém uma colônia na América do Sul, irão, sem querer nada em troca, investir seus capitais nos países atrasados? É muita ingenuidade. Ou não.
O fato é que a política de “investir” capitais em países atrasados não seria nem uma “reparação”, nem muito menos uma novidade. É a política padrão do imperialismo nos países atrasados – ao menos, no período anterior ao neoliberalismo. Trata-se de uma política puramente colonial, em que os países atrasados recebem incentivos para se desenvolverem de maneira muito tímida, ao mesmo tempo em que se endividam de maneira exponencial e em que abrem as portas para o controle de todos os setores estratégicos para o imperialismo.
Um caso típico é do bilionário Elon Musk na Amazônia. Se fôssemos levar a sério o que diz Maria Alice Nunes Costa, o sul-africano estaria promovendo uma “reparação histórica” ao prover regiões da Amazônia com Internet. Mas alguém realmente acredita que seja pura “bondade” de Elon Musk? Não haveria interesse algum em espionar uma das – se não a – região mais rica em recursos naturais do planeta Terra?
A “reparação” proposta pela autora não é reparação alguma. É, na verdade, apenas um pretexto para que o imperialismo aprofunde ainda mais a sua opressão e sua pilhagem sobre os povos em todo o mundo.