Membro da corrente do PSOL Resistência, Valério Arcary publicou um artigo no sítio Resumen Latinoamericano, intitulado Brasil. La izquierda brasileña ante una nueva época, destacando que “a complicada realidade que nos cerca torna necessário reconhecer que o Brasil mudou, e para pior, nos últimos dez anos”, tratando do problema da extrema direita. Curiosamente, o problema central que impulsiona o crescimento da extrema direita, o imperialismo, aparece na análise de maneira tangencial. Diz Arcary que “o bolsonarismo não é apenas uma reação passageira: é uma ofensiva contra os direitos conquistados pelos trabalhadores, avançando sob o disfarce de uma rebelião anti-establishment, mas com um programa profundamente reacionário”, situação que decorre, segundo ele, dos seguintes fatores:
“a) Uma fração da burguesia brasileira, diante do fortalecimento da China, exige um alinhamento incondicional com a defesa da supremacia do imperialismo norte-americano.
b) Outra fração da burguesia brasileira nega a crise ambiental e é hostil à transição energética, que prejudicará temporariamente aqueles que descarbonizarem mais rapidamente.
c) Algumas frações se voltaram para a defesa de regimes autoritários que enfrentam a protestos populares, abraçando uma linha nacional-imperialista.
d) Observa-se um estancamento econômico, empobrecimento e uma guinada à direita das classes médias.
e) A esquerda atravessa uma crise surpreendente, que subestima o perigo real e imediato de um neofascismo com peso de massas.”
Aqui está o texto com os trechos repetidos suprimidos, conforme solicitado:
A análise de Valério Arcary peca por uma superficialidade que parece ser típica da esquerda pequeno-burguesa, dominada por ONGs e desvinculada de uma real compreensão das raízes do problema. Ele elenca fatores que explicariam o crescimento da extrema direita, mas falha em abordar o ponto central: o imperialismo e a crise que ele vive.
Arcary destaca que “o principal inimigo continua sendo o neofascismo”, o que reforça a dificuldade em ver o verdadeiro inimigo. A extrema direita não é um fenômeno isolado, uma aberração moral ou apenas uma reação a questões sociais específicas, mas sim uma resposta das classes dominantes diante da crise do imperialismo, que busca controlar a situação em tempos de crise. Quando Arcary menciona que o “mundo ficou mais perigoso” e trata da “rebelião anti-establishment” que supostamente move o bolsonarismo, ele ignora que essas ofensivas não ocorrem no vácuo.
Não são meras consequências de frações da burguesia insatisfeitas com o alinhamento do Brasil à China ou negacionistas da crise ambiental. O verdadeiro motor da crise social e política no Brasil e no mundo é a submissão nacional à ditadura dos monopólios imperialistas.
A pressão por reformas neoliberais, o desmantelamento dos direitos trabalhistas e sociais, o avanço da privatização de setores estratégicos, tudo isso é consequência direta dessa dominação econômica global, impulsionada pela crise do próprio sistema imperialista.
Ao falar da “crise surpreendente da esquerda” e do “perigo real e imediato de um neofascismo com peso de massas”, Arcary parece sugerir que essa crise é algo repentino ou inesperado. No entanto, a crise da esquerda não é uma novidade, mas um sintoma de sua incapacidade de enfrentar o imperialismo de maneira consequente.
Essa incapacidade fica expressa no seguinte trecho:
“O Centrão é o bloco político com maior probabilidade de sair fortalecido das eleições. Mesmo em Porto Alegre, após a tragédia da pior enchente em meio século, Sebastião Melo, o atual prefeito bolsonarista apoiado pelo MDB, continua sendo o favorito. As candidaturas do PT em Aracaju, Natal, Fortaleza e até mesmo Teresina também não devem surpreender. Em Belém, há uma luta heroica para garantir que Edmilson, do PSOL, chegue ao segundo turno. O que poderia salvar o equilíbrio das eleições de 2024 seria a vitória de Guilherme Boulos [grifo nosso]. O equilíbrio político após outubro depende essencialmente do resultado em São Paulo, onde podemos vencer, embora seja difícil.”
Ora, dizer que o candidato das ONGs, funcionário de uma que por sinal, está diretamente ligada ao serviço secreto norte-americano é a comprovação de que o problema central, o imperialismo, é totalmente ignorado por Arcary. Desprovida de um componente social real, a correlação de forças, reduzida às abstrações de “direita e esquerda” ficam incompreensíveis, como se houvesse, de fato, um setor da burguesia, por exemplo, “exigindo um alinhamento” aos EUA, e outro voltado à “defesa de regimes autoritários que enfrentam a protestos populares”.
Em sua etapa de crise, o imperialismo precisa de regimes autoritários, algo um tanto evidente diante do recrudescimento exponencial da censura no mundo, os golpes de Estado que se multiplicam, a ascensão de verdadeiros insanos como Milei na Argentina, Noboa no Equador e Bukele em El Salvador, sem esquecer as provocações contra a Rússia e a China, a expansão da OTAN até o Pacífico e, claro, o genocídio do povo palestino no Oriente Médio.
A análise de Arcary é parte intrínsica do problema que ele se dedica a analisar, da crise da esquerda brasileira e da razão da extrema direita capitalizar o sentimento antissistema das massas. Falar que “o principal inimigo continua sendo o neofascismo” é um exemplo da confusão que reina em uma esquerda domesticada pelo imperialismo.
Ao focar em questões superficiais e tratá-las de forma isolada, sem uma crítica contundente à verdadeira raiz dos problemas – a dominação imperialista –, ele acaba oferecendo um diagnóstico que não só desarma a classe trabalhadora, mas também alimenta ilusões reformistas em torno de figuras como Boulos, que servem aos interesses das ONGs e, por extensão, do imperialismo norte-americano.
O avanço da extrema direita e o enfraquecimento da esquerda são sintomas da mesma doença: a submissão nacional às potências imperialistas. Se a esquerda pequeno-burguesa continuar recusando-se a enfrentar esse inimigo central, estará fadada a assistir, de braços cruzados, à ofensiva do imperialismo contra os trabalhadores, seja qual for o partido ou o campo usado para realizar a tarefa. Essa classe social sim é, sempre foi e continuará sendo o “principal inimigo” da classe trabalhadora e é o combate a ela que a esquerda deve ter em mente ao formular sua política.