Quando perguntado, durante sua participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, sobre a interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) em assuntos que seriam de competência do Poder Legislativo, o presidente da mais alta corte do País foi bem claro: “há matérias que não podem depender do processo político majoritário”. E que “matérias” seriam essas? Segundo ele próprio, “a proteção de mulheres, negros, indígenas e gays, durante toda a história da humanidade, sempre dependeu do Judiciário”. Faltou apenas ao ilustre ministro explicar quantas mulheres, quantos negros e quantos índios o STF protegeu durante a ditadura militar, quando a corte funcionava regularmente!
A declaração de Luis Roberto Barroso, além de cínica, serve para revelar para que serve a demagogia identitária que o imperialismo faz com os setores oprimidos da população. No final das contas, ainda que diga agir em nome de “mulheres, negros, indígenas e gays”, o que o presidente da corte constitucional brasileira está propondo é nada menos que o estupro da própria Constituição Federal. Afinal, o mais importante código de leis do País estabelece que é atribuição do Poder Legislativo “dispor sobre todas as matérias de competência da União”. A mesma Constituição estabelece, no que diz respeito ao funcionamento do regime político, que o STF só deveria se preocupar com “a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”, e não com a “quebra de paradigmas”, como declara o ministro.
Barroso se coloca frontalmente contra a Constituição Federal porque é, ele próprio, um inimigo de qualquer ideia que se tenha de democracia. Ao dizer coisas como “o Congresso é um órgão de representação das maiorias que se formaram proporcionalmente”, o que Barroso está propondo é, no final das contas, uma instituição que se coloque acima dos interesses de todos os setores sociais. Ele chamará essa instituição da “razão”. Trata-se, no entanto, de algo muito mais concreto e mais podre: a instituição que tem como objetivo se colocar acima das representações dos diversos setores sociais é a instituição do imperialismo, a ditadura de um punhado de ricos cuja política só é possível de ser aplicada por meio da imposição.
O objetivo de Barroso, ao defender um STF que passe por cima dos poderes eleitos, que possibilite a um grupo de 11 juízes não-eleitos atropelar as decisões de quase 600 parlamentares eleitos, não é, obviamente, proteger o interesse de nenhuma minoria. É aprovar medidas, como ele mesmo deixou claro na entrevista, como a censura das redes sociais, que hoje aparece disfarçada de combate às “fake news”. O presidente deixou claro que, se o Congresso não aprovar imediatamente um projeto que impeça os usuários da Internet de denunciarem os crimes do imperialismo, a corte da “razão” intervirá e estabelecerá, ela própria, a proteção dos interesses do grande capital.