Após provocar uma crise com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o bilionário sul-africano Elon Musk, atualmente radicado nos Estados Unidos, vem sendo apresentado pela esquerda brasileira como um “trumpista” ou mesmo como um “bolsonarista” – isto é, alguém que faria parte de uma articulação da extrema direita mundial. Trata-se, contudo, de uma avaliação pouco precisa, que acaba impedindo a esquerda de compreender integralmente o significado da crise entre Musk e Moraes.
Musk é, além de bilionário, um direitista, que se identifica, do ponto de vista ideológico, com algumas questões que hoje costumam ser atribuídas à extrema direita, e não à política oficial do imperialismo. Musk de fato é, por exemplo, contra a política de censura nas redes sociais. No entanto, esses pontos de convergência não são suficientes para caracterizar Musk como alguém propriamente de extrema direita. Suas motivações são muito mais próprias de posição que ocupa na política mundial que de caráter ideológico.
Fosse Musk alguém que agisse apenas por motivações ideológicas de extrema direita, ele seria um apoiador entusiasta de Donald Trump. No entanto, não era esse o seu candidato às eleições norte-americanas, mas sim o governador republicano da Flórida, Ron DeSantis. Musk passou apenas a apoiar Trump após seu candidato ser atropelado pelo ex-presidente nas primárias.
DeSantis era também a opção do imperialismo dentro da disputa no interior do Partido Republicano, sendo laureado por órgãos como The Economist, semanário britânico dedicou-lhe linhas como “e no oitavo dia, Deus criou Ron DeSantis” (“Ron DeSantis may be Republicans’ best chance to prevent Donald Trump’s return”, 17/11/2022). Em um claro tom de torcida, a matéria prossegue:
“Isso foi quase uma blasfêmia, mas o momento foi bom. À luz de seu desempenho superior na Flórida, enquanto os republicanos de outros lugares naufragaram nas eleições legislativas, alguns doadores agora veem o Sr. DeSantis como um salvador em potencial para o Partido Republicano, enquanto este tenta ir além de Donald Trump. A eleição de 2024 continua a anos de distância, e o Sr. DeSantis ainda não anunciou sua candidatura, mas o apoio a ele está crescendo. Ele conseguiu arrecadar mais de US$ 200 milhões para sua campanha para governador, um recorde nacional. De acordo com uma pesquisa realizada pela YouGov para a The Economist, 46% dos republicanos e dos independentes com tendência republicana preferem DeSantis como o candidato de 2024, em comparação com 40% que preferem Trump.” (Idem).
Caso DeSantis vencesse as primárias, era possível até que fosse o candidato oficial do imperialismo nas eleições.
Isso mostra que, embora Musk tenha favorecido Trump em ações como reabilitar a conta do ex-presidente no X, ele pertence a um grupo social distinto no interior da burguesia. Musk expressa um setor do imperialismo que não quer se chocar diretamente com a política neoliberal, como faz Donald Trump ao sair na defesa da indústria nacional norte-americana, mas que vê a necessidade de uma mudança de rumo na política oficial do imperialismo. A política que Joe Biden representa, por exemplo, está causando muitas crises em todo o mundo, o que pode colocar a própria dominação imperialista sob risco. É apenas nesse sentido que Musk e Trump cruzam os caminhos.
É fato que a compra do Twitter por Elon Musk foi alvo de bastante campanha negativa por parte dos órgãos oficiais do imperialismo. Isso, no entanto, apenas expressa o fato de que eles são conscientes de que Musk é um risco à sua política. O próprio fato de ela ter se concretizado, indica um acordo entre Musk e o imperialismo, ainda que ambos guardem contradições.
Vários bancos – incluindo Morgan Stanley, Bank of America e Barclays – emprestaram a Musk mais de um quarto do necessário para comprar o Twitter, ou 13 bilhões de dólares. O Morgan Stanley e o Bank of America estão na lista dos 10 maiores bancos dos Estados Unidos, com o Bank of America ocupando o segundo lugar. É a demonstração, afinal, de que Musk tem apoio mesmo entre setores importantes do imperialismo.
Com esses eventos em mente, podemos conjecturar que ao contrário de Trump, Musk pertence a um setor minoritário do imperialismo, que não apoia o democrata Joe Biden, mas também que não é “trumpista”. O atual mandatário, finalmente, mesmo representando o setor mais poderoso da burguesia, desagrada uma parte do bloco imperialista, mais frágil dentro deste segmento e que justamente por ter menos reservas, teme o custo político e financeiro das medidas adotadas pelos monopólios mais sólidos, ligados a Biden.
Esta contradição quase aproxima Musk e Trump, como faz o mesmo com sócios minoritários do imperialismo e setores da burguesia que não participam propriamente do clube dos monopolistas. Não devem, porém, ser confundidos. Os primeiros têm interesses no mercado mundial definidos, ao passo que os segundos arcam com as despesas das aventuras imperialistas no estrangeiro, sem, no entanto, usufruir das fortunas extraídas fora do próprio país.
São os negócios de menor monta, construtoras e estabelecimentos menos sofisticados do ponto de vista econômico e que sofrem a concorrência pesada dos bens importados sem conseguir enfrentá-los, o que implicaria em enfrentar os setores mais poderosos. Por exemplo, uma Ford pode deixar falir uma fábrica de autopeças norte-americana, sem ser afetada por isso, algo que a posição de monopólio do mercado automobilístico lhe proporciona.
Ainda no exemplo citado, a Ford consegue quebrar uma fábrica de autopeças, mas não consegue quebrar uma petroleira, que movimenta uma quantidade de dinheiro inimaginável, mesmo para a montadora monopolista, conseguindo inclusive, empurrar o Estado norte-americano para guerras que não interessam a nenhum dos outros grupos citados, mas que pagariam mesmo assim. No exemplo, a petroleira seria o grupo mais poderoso do imperialismo, unido a Biden. Já o empresário de auto-peças que, mesmo sendo muito mais rico do que a maioria da população, se vê ameaçado pelos maiores, está com Trump. O setor intermediário, imperialista, mas menos forte, seria o grupo ao qual Musk pertence.
Esta diferenciação é importante para militantes e ativistas que precisam compreender quem são os inimigos que enfrentam e lidar com os fenômenos provocados pelas contradições. Isso porque mesmo sendo todos parte da mesma classe social, os interesses serão conflitantes, no campo econômico e também na política, algo especialmente importante para o proletariado brasileiro.
No recente imbróglio envolvendo o ex-PSDB e atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, e o bilionário radicado nos EUA, os órgãos tradicionais das forças imperialistas no País, Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo foram uníssonos em seu apoio a Musk. Não se trata do apoio a um “trumpista”, estes porta-vozes do imperialismo continuam defendendo o grupo social que sempre defenderam.
O que efetivamente muda no caso que dominou a cena política brasileira na última semana é que o ministro era justamente o peão da luta dos monopólios para centralizar o bolsonarismo. O fato de Moraes ser agora atacado é acima de tudo, um indicativo de que o imperialismo e o bolsonarismo entraram em um acordo, talvez o primeiro desde que a ditadura mundial se viu obrigada a adotar “uma escolha difícil”, como escreveu o Estado de S. Paulo (isto é, apoiar Bolsonaro em 2018 a contragosto). Musk, finalmente, agiu não por conta própria, mas foi induzido a agir pelo conjunto da burguesia imperialista. O imperialismo precisava de alguém que fizesse o serviço e aproveitou que as contradições de Musk já o haviam tornado um inimigo de figuras como Alexandre de Moraes para que ele desatasse a crise.
Este fenômeno precisará ser acompanhado pela esquerda por abrir caminho para uma nova ofensiva contra a esquerda, agora, em uma frente única da direita, que livre das disputas intestinais, poderá se mobilizar com a força máxima.