Iniciado em 30 de julho de 2012, o governo de Mohamed Morsi no Egito era derrubado após um golpe de Estado em 3 de julho de 2013, episódio que marca a vitória da contrarrevolução egípcia, sendo um capítulo marcado por intensas lutas políticas entre as forças progressistas do país árabe e o imperialismo. Primeiro presidente democraticamente eleito do Egito, assumiu o poder apoiado pela Irmandade Muçulmana, o Partido da Liberdade e Justiça e, principalmente, a insurreição revolucionária representada pela Primavera Árabe, um movimento revolucionário que varreu o Oriente Médio e o Norte da África em 2011.
Os protestos no Egito que culminaram na queda de Hosni Mubarak foram impulsionados por forças progressistas, organizados principalmente pela Irmandade Muçulmana e o Movimento 6 de Abril, um grupo considerável que se dedicava à agitação e propaganda nas redes sociais (muito mais livres na época). Tais forças foram as mais destacadas entre muitas outras menores, que, finalmente, puseram abaixo o regime de Mubarak, que longo de três décadas, manteve o Egito submisso aos EUA e à Europa.
Embora trazendo a energia revolucionária oriunda da praça Tahir (localizada na capital, Cairo, e famosa mundialmente pelas manifestações), a vitória de Morsi nas eleições presidenciais não conseguiu impor uma derrota definitiva ao imperialismo, dando início a um período de turbulências.
Com a economia egípcia altamente dependente das importações e, portanto, do imperialismo, fora duramente atacada pelos monopólios norte-americanos e europeus, que em outra frente de ataque, impulsionava uma oposição radicalizada, responsável por organizar várias manifestações, incluindo protestos frequentes e uma rede de comunicação dedicada a desestabilizar o governo nacionalista.
Uma das primeiras grandes crises ocorreu em novembro de 2012, quando Morsi emitiu um decreto que ampliava seus poderes e colocava suas decisões acima da revisão judicial, burocracia que, a exemplo do que ocorre em quase todos os países do mundo, é rigidamente controlada pelo imperialismo. Este movimento provocou uma onda de protestos violentos, fomentados pelos golpistas apoiados pelo imperialismo. Ao fim da crise, Morsi recuou do enfrentamento contra o Judiciário, enfraquecendo as forças progressistas e animando os setores reacionários.
Com a instabilidade exacerbada, Morsi mobiliza o governo para construir articulações com as forças reacionárias apoiadas pelo imperialismo, porém, as tentativas de cooptação de outras forças políticas mostraram-se insuficientes. A oposição, reunida sob a coalizão da Frente de Salvação Nacional, composta por ex-aliados do regime de Mubarak, tornou-se cada vez mais forte. A frente aproveitou a dificuldade do governo em levar a termo as aspirações da Primavera Árabe para aumentar a pressão sobre Morsi, com apoio financeiro e logístico dos imperialistas.
No plano econômico, a situação se deteriorou rapidamente. A inflação e o desemprego aumentaram, e o governo teve dificuldade em implementar reformas econômicas necessárias para quebrar a dependência do imperialismo, levando a uma crescente desmoralização popular.
A crise culminou em junho de 2013, quando começa a ganhar força as manifestações exigindo a renúncia de Morsi. Os protestos foram organizados pelo movimento Tamarod, que conseguiu unificar as forças políticas que sustentavam a ditadura de Mubarak e ex-apoiadores oportunistas.
Finalmente, em 3 de julho de 2013, o exército egípcio, liderado pelo então general Abdel Fattah el-Sisi, interveio e depôs Morsi. O golpe militar foi saudado pelo imperialismo, mas representou uma derrota severa para a Primavera Árabe.
Após a deposição, Morsi foi preso e enfrentou uma série de acusações, incluindo conspiração com forças estrangeiras e incitação à violência. A Irmandade Muçulmana foi declarada uma organização terrorista, e uma repressão violenta contra seus membros e simpatizantes foi lançada. Esta repressão resultou em centenas de mortes e milhares de prisões, criando no país uma ditadura brutal.
Sob apoio do imperialismo, o regime militar prometeu restaurar a ordem e realizar novas eleições, porém, acabou consolidando o poder de maneira autoritária no general Abdel Fattah el-Sisi, desde então tornado presidente. Seu governo tem sido caracterizado por uma repressão severa à dissidência e ataques aos direitos democráticos, que mesmo diante do genocídio do povo palestino nos ataques criminosos de “Israel”, mantém uma intensa repressão às mobilizações populares pró-Palestina, em apoio ao sionismo e ao imperialismo.
Muitas provas indicam, inclusive, que o golpe contra Morsi foi obra do sionismo. Operação cujo principal objetivo era enfraquecer o apoio à luta do povo palestino na região.
Reconhecido hoje como uma ditadura, não faltou quem embarcasse na propaganda imperialista de que a ascensão de Sisi ao poder era uma vitória popular e progressista contra a “teocracia islâmica” da Irmandade Muçulmana representada por Morsi. É o caso do grupo Liberdade, Socialismo e Revolução, do PSOL, que, no dia 2 de julho, traduziu matéria do Partido Socialista da Inglaterra e País de Gales, intitulada Grandes protestos exigem a queda de Mursi (David Johnson), com a pérola:
“Grandes multidões de manifestantes permaneceram nas praças do Cairo, de Alexandria e em diversos lugares ao longo da noite. Outra grande marcha foi anunciada para o dia 3 de julho, terça-feira. Escritórios da Irmandade Muçulmana foram atacados e manifestantes foram mortos por tiros disparados de dentro dos prédios.
Essas grandes demonstrações são uma nova fase na revolução.”
Mais eloquente em sua desorientação, o órgão do PSTU Opinião Socialista destacou no dia seguinte à vitória dos contrarrevolucionários um artigo emocionado:
“O povo egípcio, protagonizando uma mobilização colossal, escreve uma nova página na história de seu país e de sua revolução. A força irresistível de 17 milhões de pessoas nas ruas foi o fato determinante para a queda do governo de Mohamed Morsi.
Esta mobilização, provavelmente a maior na história da humanidade, foi um terremoto político que sacudiu os alicerces do regime militar que impera no país e que sobreviveu à derrubada do ditador Mubarak em fevereiro de 2011” (“Morsi caiu! Grande vitória da mobilização do povo egípcio!”, Diego Cruz, 4/7/2013).
Embora celebrada pelos esquerdistas pequeno-burgueses sensíveis à propaganda imperialista, a derrota da Primavera Árabe permanece produzindo efeitos na vida política do Egito e do Oriente Médio, mas encontra agora uma conjuntura em que se vê duramente pressionada, graças à ação revolucionária empreendida pela Resistência Palestina, que, ao capturar militares israelenses para exigir a libertação de companheiros presos, mergulhou todo o Oriente Próximo em uma nova crise revolucionária.
Até aqui, a ditadura militar comandada por Sisi tem se equilibrado a duras penas, manobrando entre a subserviência aos interesses imperialistas em defesa do sionismo e o apoio popular unânime aos vizinhos palestinos. Resta saber até quando conseguirá manter seu jogo.