Em editorial publicado na edição de 1º de fevereiro, intitulado Inteligência sem controle, o jornal O Estado de S. Paulo, um dos órgãos de imprensa mais conscientes da imprensa brasileira, se mostrou escandalizado com as acusações de que diretores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) estariam espionando adversários políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As acusações vieram à tona na última semana, quando investigações da Polícia Federal (PF) indicaram que a gestão de Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL, estaria espionando desafetos do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Fingindo surpresa, o Estado de S. Paulo diz que “como a imprensa tem revelado, essa Abin republicana parece ter deixado de existir. Hoje, não é seguro afirmar que a Abin seja um órgão que se preste exclusivamente ao estrito cumprimento de sua finalidade legal”.
É um espetáculo de cinismo. Por acaso o jornal da Família Mesquita não sabia que, em qualquer país do mundo, as agências de “inteligência” são, antes de tudo, agências de espionagem? No final do ano passado, por exemplo, o portal The Intercept – Brasil publicou um artigo em que demonstrava que o governo de Fernando Henrique Cardoso espionou dirigentes da esquerda durante quase uma década. Os relatórios foram produzidos pela Subsecretaria de Assuntos Estratégicos, a SAE, órgão que substituiu o Serviço Nacional de Inteligência, o temido SNI, da ditadura militar – e que, depois, daria lugar à Agência Brasileira de Inteligência, a Abin.
O “espanto” do Estadão, no entanto, vai além de puro cinismo. O próprio texto elogia a existência da Abin: “como órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), instituído pela Lei 9.883/1999, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tem uma atribuição específica e relevante para o País: fornecer ao presidente da República e aos ministros de Estado informações e análises estratégicas que possam instruir o primeiro escalão do governo federal no processo decisório“. Sendo assim, o que quer a imprensa burguesa ao criticar a agência de espionagem?
Simples. O objetivo não é criticar a espionagem em si, mas aproveitar o escândalo para criticar aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro. A crítica do Estadão não se baseia no fato de que a população é espionada por um Estado que atende a interesses estrangeiros, mas sim no fato de que os responsáveis pela lambança seriam bolsonaristas.
A prova disso é que o jornal da Família Mesquita apresenta a Polícia Federal como a grande heroína da história: “a Polícia Federal (PF) investiga a grave suspeita de que, durante o governo de Jair Bolsonaro, a Abin tenha sido transformada, como dissemos, num arremedo de SNI para servir aos interesses da família do ex-presidente, e não do País“.
A Polícia Federal foi um dos principais pilares do golpe de Estado de 2016, fornecendo todo o apoio necessário para que a Operação Lava Jato fosse levada adiante. A mesma Polícia Federal, no âmbito da mesma Lava Jato, grampeou a presidenta da República em 2016, Dilma Rousseff, para impedir que ela nomeasse o hoje presidente Lula como ministro.
Nenhuma palavra sobre isso. E o motivo é claro: na briga entre a alta cúpula da Abin e a Polícia Federal, o Estadão defende a PF, que é uma instituição ainda mais controlada pelo imperialismo que a Abin. A crítica do Estadão é, no final das contas, um apoio explícito à Polícia Federal, uma organização de burocratas e carreiristas que são completamente controlados pelo imperialismo e, portanto, estaria sob uma menor influência dos militares bolsonaristas que aqueles que atuam na Abin.