Em 1969, o cineasta francês Louis Malle visitou a cidade de Calcutá, no estado de Bengala, na Índia, para retratar a vida local.
A visita deu origem a um documentário que mostra de maneira crua a vida subumana da maioria dos habitantes da cidade naquele momento.
Calcutá tinha oito milhões de habitantes e uma economia precária, baseada no extrativismo e na agricultura. Ela surgiu em 1690 como um entreposto comercial durante uma das colonizações mais brutais que o império britânico impôs e que só terminou em 1947.
Em 1943, durante a II Guerra Mundial, o estado de Bengala viveu um dos períodos mais duros de sua história: a fome matou cerca de cinco milhões de pessoas. A causa foi o imperialismo britânico: para garantir o arroz necessário para suas tropas no front, Churchill não hesitou em matar milhões de indianos de fome. Algo que pouco se discute nos dias de hoje.
Com a independência, as coisas não melhoraram. A exploração capitalista continuou a parasitar os indianos terrivelmente. Uma civilização com história de quatro mil anos foi subjugada e expropriada de seu futuro e de sua dignidade. Os humanos ali vivendo foram tratados como descartáveis.
O filme mostra como a cultura popular resiste a esse estado de coisas. O estranhamento está no choque entre as práticas religiosas e culturais em um ambiente urbano que se impõe por imitar o moderno ocidental.
Ainda em 1968, havia muita fome e racionamento. O filme vasculha as favelas, os campos de leprosos, os banhos nos rios, os crematórios, a precarização do trabalho, os cortiços absolutamente insalubres, a falta completa de condição minimamente humana de existência em pleno século XX.
Em certos momentos, a câmera de Malle parece que testemunha pessoas presas em campos de concentração nazistas. As imagens parecem as mesmas. Seu olhar é europeu e seu filme é feito para esse público.
É importante lembrar que o movimento pseudo esquerdista na Europa e nos EUA dos anos 1960 que dá origem aos hippies, a paz e amor, partia de uma idealização da cultura indiana, do haxixe, do hinduísmo e do budismo. Os Beatles visitaram gurus naquele país.
No meio dessa tragédia, o mundo vivia uma convulsão muito parecida com a que está escalando hoje em dia. O filme deixa a câmera como a testemunha do horror vivido pela população de Calcutá.
Hoje, não dá mais para ler essa tragédia indiana como um aspecto de seu subdesenvolvimento. Nem as tragédias semelhantes que assolaram e assolam o mundo todo. Os termos terceiro mundo, mundo em desenvolvimento, países subdesenvolvidos apenas jogam nas costas dos explorados o custo de sua exploração.
É uma espécie de classificação identitária que estabelece um destino mítico aos povos não europeus associando características culturais e étnicas ao seu fracasso. Esconde o fato de que o subdesenvolvimento é um projeto político imperialista, fartamente documentado e posto em prática pela ajuda absolutamente necessária dos nazistas, pelegos e hippies locais.
Isso também aconteceu e ainda acontece no Brasil. Segundo o governo, mais de 25 milhões de pessoas começaram a comer alguma coisa do ano passado para cá. Do ano passado para cá.
Qualquer posição política que relativiza o imperialismo contribui com a destruição de populações, fomenta as guerras, a fome e o subdesenvolvimento.
O filme pode ser assistido no YouTube.