No artigo intitulado Uma cadeirada justa e necessária, publicado no Brasil 247 no último dia 17, o jornalista Julian Rodrigues defende que “nem carinhos, nem argumentos, nem flores” conseguiram “deter o fascismo histórico”, razão pela qual, segundo Rodrigues e o título indica, o candidato à prefeitura de São Paulo José Luiz Datena (PSDB) estaria certo ao agredir o concorrente Pablo Marçal (PRTB), ainda que este não tivesse feito mais do que falar. Diz Rodrigues:
“Pablo Marçal chegou chutando tudo, bagunçando o cenário. Mais à direita que o próprio Jair Bolsonaro, radicalmente oportunista, sem vínculos orgânicos com a burguesia ou a grande mídia. Chegou chutando tudo, sem peias, sem nenhum compromisso com a própria estrutura do sistema eleitoral burguês. Tão arrogante, agressivo, pretensioso e disruptivo que causou e causa perplexidade generalizada.
(…)
Isso tudo posto, a cadeirada foi, além de divertida, didática. Simboliza um chega, um gesto radical, mas imprescindível. Pode gerar algo como um ‘freio de arrumação’. Ou não. Mas, no mínimo, gerou centenas de memes e muita diversão gratuita. E duvido que algum ser humano tenha tido peninha do Pablo Marçal. O imponderável nunca nos abandona, o que torna as coisas menos monótonas, afinal.”
Em uma conjuntura marcada pela crescente judicialização da luta política, é preciso dizer que a atitude de Datena é mais humana do que a de muitos que, postos na mesma situação, dedicam-se a processar detratores, terceirizando à burocracia a tarefa de se defenderem. Isso posto, reagir com agressões físicas a ofensas e xingamentos não é algo que uma pessoa civilizada faria. É do sentimento comum que palavras sejam respondidas com palavras, enquanto a violência seja reservada às situações em que violência se apresenta.
Rodrigues e demais setores que apoiaram a ação de Datena podem ter se esquecido, mas o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, também proferiu ofensas contra o então concorrente Jair Messias Bolsonaro, durante a disputa presidencial de 2022. Deveria Bolsonaro ter agredido Lula a cada “genocida” que ouviu?
O que Datena comprovou com a reação inadvertida é sua incapacidade para lidar com um debate e com pressões. A esquerda que apoiou a agressão idem. O jornalista justifica sua posição dizendo que “nem carinhos, nem argumentos, nem flores”, destacando que “nada disso foi capaz de deter o fascismo histórico” e que Marçal “não joga conforme nenhuma regra”:
“Pablo Marçal desde o início mostrou que não joga conforme nenhuma regra. Perto dele, Jair Bolsonaro parece um cara até razoável, um tiozão do churrasco que exagera quando em vez. Há, aliás, uma diferença que me parece estrutural entre o bolsonarismo e o marçalismo.”
A resposta violenta deve ser reservada para aqueles momentos em que a violência se manifesta e, sem a qual, não se pode impedir agressões da extrema direita. É preciso ter clareza de que, enquanto as palavras estiverem sendo o único recurso usado no embate, por mais truculento que o adversário possa ser, uma pessoa que tenha luzes e habilidade deve se ater ao debate verbal.
As ideias, por mais que incomodem ou provoquem, devem ser rebatidas com inteligência e argumentos, e não com atos de força bruta. Um exemplo de como fazer isso veio de João Pimenta, candidato do PCO à prefeitura de São Paulo.
Participando de um debate acalorado com o Delegado Paulo Bilynskyj (PL), em plena Avenida Paulista. Durante o confronto, divulgado nas redes sociais, o candidato bolsonarista ficou cada vez mais ríspido, chegando a dizer que seu catolicismo o tornava “moralmente superior” a Pimenta e também aos protestantes e mesmo a judeus.
Mesmo assim, o candidato do PCO se manteve firme no debate de ideias, sem recorrer a agressões, mostrando que a inteligência e o discurso político devem prevalecer. O debate terminou sem que nenhum dos lados recorresse à violência física, mesmo com momentos no qual Bilynskyj tenha se alterado, o que é perceptível nos registros do evento divulgados nas redes sociais. Esse episódio demonstra que é possível, mesmo em um ambiente acirrado, manter o embate no terreno das ideias, sem descer ao nível da violência.
A ironia disso tudo é que a mesma esquerda pequeno-burguesa que aplaude a atitude de Datena, sempre tão impetuosa em discussões teóricas, se esconde dos fascistas quando estes se mobilizam com propósitos verdadeiramente violentos. Figuras como Jean Wyllys e Marcia Tiburi, representantes desse setor da esquerda, abandonaram o País após a vitória eleitoral de Bolsonaro, temendo uma onda de repressão bolsonarista que sequer havia começado. Enquanto isso, os verdadeiros confrontos com o fascismo foram e são protagonizados por aqueles setores da esquerda que sabem distinguir os momentos: há momentos de conquistar as massas pela inteligência e os argumentos, e momentos de impedir, com força, a violência fascista. É justamente essa lucidez que faltou aos defensores da cadeirada, cegos pela sua própria confusão política.