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Economia

Como a dívida pública estrangula o desenvolvimento nacional

O artigo 166 da Constituição foi o suporte legal para o Banco Central impor uma política de juros estratosféricos

Marcelo Marcelino, ao Diário Causa Operária (DCO)

Para compreendermos melhor o atual momento da política econômica do País, torna-se necessário retomarmos alguns dos mais importantes aspectos que constituem uma série de obstáculos para o crescimento e o desenvolvimento econômico e social brasileiro, dentre o mais importante, certamente, está a força do imperialismo, com sua opressão e coerção costumeira. Esses aspectos se objetificam na forma de leis e práticas econômicas das mais diversas e colocadas em funcionamento através das instituições políticas, administrativas e tecnocráticas do Estado brasileiro. Vale destacar que as instituições no Estado capitalista estão a serviço da classe dominante e nos países atrasados ou periféricos sob o controle e o domínio do imperialismo, conforme a literatura marxista sempre apontou e atestou empiricamente por intermédio da materialidade; histórica e concretamente determinada pelas relações sociais de produção, como o próprio Marx explicava desde meados do século XIX. 

As instituições necessitam de atores jurídico-políticos, econômicos e tecnocráticos para funcionarem conforme os ditames do imperialismo em conluio com os interesses da classe dominante nacional. Essa classe dominante nacional assume os principais postos-chave nas empresas nacionais, instituições jurídicas, assembleias estaduais, congresso nacional, instituições tecnocráticas estratégicas e demais autarquias, secretarias, ministérios e outros aparelhos administrativos do Estado brasileiro. 

A partir da denominada redemocratização, o Estado nacional brasileiro passa pela metamorfose burguesa em consonância com o imperialismo através das suas instituições “democráticas” como o congresso nacional. As primeiras eleições após a ditadura e a promulgação da Constituição de 1988 marcam a fase de reorganização do controle do capitalismo dependente brasileiro. No bojo dessa reorganização do capitalismo dependente brasileiro, a economia política brasileira 

Na Constituição de 1988, inclusive; introduziu-se um artigo mais do que suspeito em termos de inclusão de privilégios para o mercado financeiro nacional e internacional. O artigo 166, promulgado no interior da Constituição de 1988, ratifica “legalmente” a prioridade do pagamento de juros da dívida pública sobre todas as despesas e investimentos públicos do Estado brasileiro. Esse artigo entra em choque com o próximo, o importante “167” que exige que a denominada “Regra de Ouro” seja cumprida; que autoriza emissão de dívida apenas para o pagamento de despesas de capital; dentre elas, amortização da dívida, mas não despesas correntes, como, por exemplo; juros nominais da dívida pública. 

Nesse ponto de imbricação passamos a compreender de maneira central a gênese desse processo de intensificação da liberalização do capital financeiro no Brasil a serviço da burguesia rentista e do imperialismo na fase da globalização econômica e financeira neoliberal. 

Para balizarmos nossa argumentação devemos mencionar alguns trechos do artigo da auditoria cidadã da dívida pública que aborda o tema com a devida apreciação a partir da citação dos artigos 166 e 167 da Constituição de 1988. Conforme o portal da auditoria cidadã da dívida pública “A Dívida Pública brasileira vem consumindo quase metade do Orçamento da União, ano após ano, e mantém-se crescente através dos mecanismos do “Sistema da Dívida”. Tal “Sistema” encontra amparo legal em nosso país, envolto em um conjunto de normas que garantem a prioridade absoluta à remuneração dos detentores de títulos da crescente dívida brasileira. 

Todavia, este aparato legal que favorece o sistema financeiro nasceu de maneira, no mínimo, curiosa. A Assembleia Nacional Constituinte (ANC), eleita em 1987, definiu em seu Regimento Interno três etapas como regras para condução dos debates, elaboração, votação e promulgação do texto da constituição Federal de 1988. Primeiramente, seriam votados em primeiro turno o Projeto de lei constitucional, as emendas e os destaques propostos por parlamentares constituintes. 

O resultado dessa etapa era chamado de Projeto nos documentos do Diário da Assembleia Nacional Constituinte (DANC). Após aprovação em primeiro turno, o Projeto seria submetido a um processo de sistematização, antes da votação em segundo turno. 

A sistematização visava corrigir inconsistências e erros na indexação e nas referências internas dos dispositivos no Projeto”. Por fim, o resultado dessa sistematização seria encaminhado para votação em segundo turno. No segundo turno só poderiam ser apresentadas e votadas alterações no vencido através de emendas supressivas ou corretivas, relativas a omissões, erros ou contradições. Importante ressaltar que, segundo o art. 29 do Regimento Interno da ANC, as omissões e erros sanáveis em segundo turno seriam as de natureza que não de mérito”. 

A Assembleia Nacional Constituinte de 1987 institucionalizou a construção da carta constitucional de 1988 e que, portanto, daria guarida, por exemplo; a dispositivos constitucionais que serviriam de base legal para a construção do chamado “Sistema da Dívida Pública”. Esse sistema de endividamento proposital do Estado afim de assaltar os cofres públicos passa a ocorrer de maneira mais incisiva a partir do Plano Real em 1994 sob a batuta da transição governamental entre os presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (FHC). 

Uma estratégia entre a classe dominante brasileira do andar de cima em conluio com o imperialismo de matriz estadunidense acordado no Consenso de Washington de 1989 passa a ser colocada em prática como forma de impulsionar a acumulação e reprodução do capital em grande escala.

Mas para isso, percebemos que os antecedentes históricos são cruciais para a compreensão de como a Constituição de 1988 serviu de alicerce legal para a implementação desse sistema que desviou do orçamento trilhões de reais desde o começo do Plano Real com maior ênfase. Reparem na sequência da citação da matéria da auditoria cidadã como os artigos constitucionais 166 e 167 entram em conflito, mas mesmo assim, a fraude constitucional seguiu como alicerce da transferência de renda e riqueza do povo e do Estado brasileiro para as mãos dos potentados detentores do capital como já expressava Marx. Desta maneira, ainda conforme o mesmo artigo da auditoria cidadã:

“Dito isso, a ilegalidade surgiu no momento em que ocorreu alteração de mérito no Projeto, em artigo que tratava das diretrizes orçamentárias. A transcrição da redação aprovada em primeiro turno foi alterada com a adição de dispositivos inexistentes no texto constitucional e submetida a votação em segundo turno sob pretexto de reunir emendas supressivas e sanativas, embora tal dispositivo sequer tenha sido objeto de qualquer emenda apresentada.

Além de violar o art. 29 do Regimento Interno ao inovar no mérito, não consta no requerimento de fusão votado em plenário a assinatura, ou qualquer manifestação, do autor da proposta de Emenda onde foram adicionados os dispositivos ilegalmente propostos, tampouco rubricas dos autores das propostas de Emenda citadas para fusão e de 12 dos 14 líderes partidários, que comprovariam a autenticidade do que foi lido e votado em plenário.

Estas supramencionadas ilegalidades regimentais da Constituinte resultaram no art.166, § 3º, II, b, da Constituição da República:

“Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às
diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos
adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso
Nacional, na forma do regimento comum.
(…)
§ 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos
projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:
(…)
II – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os
provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam
sobre:
(…)
b) serviço da dívida;”

Desse modo, a “Constituição Cidadã” foi promulgada com esta exceção, isentando os gastos com a dívida pública de indicar sua fonte de recursos. Ao redor deste privilégio Constitucional o restante do arcabouço jurídico que blinda o serviço da dívida foi tomando forma e dando respaldo para que, por exemplo, hoje o Banco Central possa elevar as taxas de juros (alegando ser medida necessária para conter a inflação) sem se preocupar de onde sairão os recursos para o pagamento de tais juros sobre a dívida.

Ademais, o art. 166, § 3º, II, b, conflita com o art. 167, III, também da Constituição da República, conhecido como “Regra de Ouro”, que autoriza emissão de dívida apenas para o pagamento de despesas de capital (dentre elas, amortização da dívida), vedando, deste modo, a emissão de dívida para o pagamento de despesas correntes (por exemplo, juros nominais da dívida pública). Este conflito veio à tona durante a CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados em 2009/2010, onde as investigações apontaram a contabilização ilegal de grande parte dos juros nominais como se fossem amortizações, burlando a Constituição.

Adriano Benayon e Pedro Antônio Dourado de Rezende denunciam no artigo “Anatomia de uma Fraude à Constituição”, que a adição desse dispositivo de mérito que causa imensas consequências ao País, sem ter ele sido discutido durante o processo legislativo, configura estelionato, tipificado no Art. 171 do Código Penal, além de contrariar o art. 37 da própria CR/1988:

“Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em
prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro,
mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)”.

Para os autores o ato, além de ilegal, acarretou imensuráveis danos materiais e morais ao País, foi praticado sem publicidade, gerou vantagens para os “especuladores mundiais e locais”, e induziu a erro os constituintes, que assinaram o texto final da Constituição sem perceber a introdução do dispositivo jamais discutido durante seus trabalhos. Entendem ainda que o dolo, inerente ao crime de estelionato, é agravado por não ter sido a matéria trazida a público em nenhum momento pelos interessados no conteúdo “contrabandeado para dentro da Carta Magna” durante os dois anos da Constituinte”.

A sequência de absurdos remete aos mais variados roteiros conspiratórios que posamos imaginar em filmes de ficção e comprovam, de largada, que essas aberrações introduzidas na Constituição de 1988 continuam impondo coerções a política econômica do país.  A partir da política econômica adotada no Plano Real; principalmente nos mandatos de FHC, a cartilha do Fundo Monetário Internacional (FMI) foi seguida à risca, onde o artigo 166 da Constituição foi o suporte legal para o Banco Central impor uma política de juros estratosféricos, que chegaram a praticamente 50% ao ano; um recorde mundial absoluto na época, que impulsionou o rendimento dos banqueiros e rentistas nacionais e estrangeiros. A dívida pública de cerca de 70 bilhões de reais em 1994 passa a mais de 8 trilhões em menos de duas décadas de Plano Real.

Bibliografia

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm;

BENAYON, Adriano; REZENDE, Pedro Antonio Dourado de. Anatomia de uma fraude à Constituição. Brasília/DF, 2006.

Disponível em: http://www.cic.unb.br/~rezende/trabs/fraudeac_files/fraudeac.pdf. Acesso: 30 jun. 2017;

FATTORELLI, Maria Lúcia. Auditoria Cidadã da Dívida dos Estados. 1a. ed. Brasília/DF: Inove, 2013. 387 p.;

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