A Palestina é dividida em três territórios. A Faixa de Gaza, onde há a guerra genocida. A Cisjordânia e Jerusalém Oriental, onde existe a ocupação militar. E os territórios de 1948, onde os palestinos são minoria e onde a ONU considera que é propriamente o Estado de “Israel”. Esse último grupo é composto de cerca de 2 milhões de palestinos, supostamente com cidadania israelense, que vivem sob uma ditadura brutal.
Dentro das fronteiras israelenses, as primeiras tentativas de manifestação pública contra a guerra foram violentamente reprimidas, incluindo uma manifestação convocada por uma organização de palestinos em Haifa em 18 de outubro, dispersada antes mesmo de começar. No dia seguinte, houve uma manifestação contra a guerra em Umm al-Fahm, a única manifestações de palestinos em “Israel” nos primeiros meses da guerra. Dois militantes acusados pela polícia de liderar o protesto foram indiciados por “apoio a organização terrorista” e “incitação a atividades terroristas”, e após meses na cadeia aguardam julgamento em prisão domiciliar com tornozeleiras eletrônicas, em apartamentos alugados fora de sua cidade, pelos quais foram obrigados a pagar.
Ao nível nacional, na Palestina de 1948, o Comitê de Alto Seguimento, a liderança unificada da população palestina, e o Partido Comunista de “Israel”, ambos tentaram consistentemente pressionar a polícia pela autorização de manifestações contra a guerra. Durante vários meses, todos os pedidos foram recusados, e o tribunal mais alto da ocupação, o chamado Bagatz (hebraico para “Alto Tribunal de Justiça”), não conseguiu refutar a negação da polícia do direito de protestar. Quase cinco meses após o início da guerra, de repente, a polícia concedeu uma licença para uma manifestação em Kafr Kanna, na Galileia, para o dia 2 de março de 2024. As pessoas ainda mal acreditavam que teriam permissão para se manifestar.
Depois houve outro protesto contra a guerra em 23 de março em Majd al-Kurum, mais ao norte. No Dia da Terra, que os palestinos comemoram todos os anos em 30 de março, desde a histórica greve geral de 1976, a manifestação central e o evento de massa foram realizados em Deir Hanna, no centro da Galileia. Foi o primeiro verdadeiro grande ato dos palestinos de “Israel” desde outubro. Famílias participaram com seus filhos. Os blocos de jovens militantes gritavam por liberdade. Por algumas horas, era possível imaginar que a ditadura estava suspensa. A mesma atmosfera continuou em uma escala mais ampla na “Marcha do Retorno”, em 14 de maio. Nos últimos 25 anos, a marcha do retorno tornou-se o principal evento político anual na Palestina de 48. Ela é realizada no dia em que “Israel” celebra sua “independência”.
A ditadura em Haifa
Conforme a guerra se arrastava, houve várias tentativas de organizar protestos. No início da guerra, enquanto a polícia tentava impedir qualquer protesto, eles até dispersaram uma vigília do “Women in Black”, uma vigília semanal de mulheres judias mais velhas, realizada há décadas toda sexta-feira no Círculo Bahá’í.
Uma coligação de “movimentos pela paz”, liderada pelo Hadash (acrônimo hebraico para “Frente Democrática pela Paz e Igualdade”, liderada pelo Partido Comunista de “Israel”), conseguiu, após um longo esforço, obter uma licença para uma manifestação contra a guerra em Haifa. As condições eram complicadas: foi limitada a 700 pessoas, pouco para um evento nacional, e foi marcada para o meio-dia de sábado, 20 de janeiro, na Praça Paris, uma área deserta no centro de Haifa.
Desde uma greve de fome de prisioneiros palestinos em 2011, o centro mais famoso de protestos palestinos em Haifa tem sido no meio da área turística da Colônia Alemã, em um lugar nomeado pelos ativistas locais, e agora conhecido por todos como “Praça dos Prisioneiros”. A ausência de protestos palestinos era uma realidade angustiante para muitos, e um grupo de mulheres locais tentou mudar isso reunindo-se silenciosamente no local. Quando a polícia aparecia, simplesmente se dispersavam sem resistência.
Um grupo local no WhatsApp em hebraico, “Smol Haifa” (hebraico para “Esquerda Haifa”), costumava ser uma plataforma técnica para divulgar convites para atividades, incluindo protestos de palestinos. Com a ausência de uma iniciativa, um pequeno grupo de ativistas, em sua maioria de origem judaica, utilizou este e outros grupos de bate-papo para se organizar. Conforme esse grupo continuava a convocar manifestações contra a guerra, a atitude da polícia gradualmente “suavizou”.
Em 14 de março aconteceu a primeira manifestação claramente contra a guerra em solidariedade com o povo de Gaza que não foi dispersada. Ainda assim, a polícia cercou os manifestantes confiscando cartazes à força e deteve um manifestante. Mais manifestações semelhantes seguiram-se em 27 de março, 7 de abril, 18 de abril, 2 de maio e 19 de maio. Gradualmente, a polícia parou de confiscar cartazes e de assediar os manifestantes. Apenas a ocasional exibição da bandeira palestina ainda causava ataques policiais e detenções, como na era “democrática” antes da guerra.
A primeira convocação palestina para uma manifestação em Haifa em solidariedade com o povo de Gaza (após a manifestação de 18 de outubro) ocorreu na segunda-feira, 27 de maio. Ela dizia: “Gaza está sendo aniquilada e o sangue e a destruição estão por toda parte. Não ficaremos mais calados!! Convidamos vocês, as pessoas livres de nossa nação, a participar do protesto contra o genocídio, a limpeza étnica e a fome, todos ainda continuam contra nossas famílias na Faixa de Gaza. Pedimos a todos que compareçam e mostrem solidariedade com a dignidade do povo palestiniano em Gaza.”
Após muitos meses de uma atmosfera de terror e desespero em Haifa, a surpresa foi grande ao ver centenas de pessoas chegando a um protesto contra a guerra na Colônia Alemã. Muitos dos participantes eram jovens palestinos locais. Até mesmo alguns judeus, que se acostumaram a comparecer ao piquete do grupo anterior, compareceram. Como a polícia não parecia tentar interromper a manifestação, os manifestantes ocuparam a praça no meio da Colônia Alemã, cantando suas palavras de ordem e desfraldando muitas bandeiras palestinas, além de faixas com mensagens como “Do Rio ao Mar, a Palestina será livre” e “Genocídio é um crime”. A polícia só interveio quando os manifestantes começaram a marchar em direção à Colônia Alemã, detendo várias pessoas e, depois disso, dispersou violentamente a multidão.
Duas semanas depois, em 9 de junho, uma nova manifestação foi convocada sob o título “Dignidade e Resiliência de Gaza”. À medida que o tempo passava, a praça ficava cheia, e chegou a concentrar mais de mil pessoas, todas palestinas. Dessa vez, não houve tentativa de marchar e o ato terminou pacificamente. Na semana seguinte, em 16 de junho, houve uma terceira manifestação sob o chamado “O genocídio continua”. Ao se dispersarem, os jovens organizaram uma marcha para o centro da cidade.
Houve outro protesto em 25 de julho, em solidariedade com a resistência em Jenin. Com os confrontos na Cisjordânia aumentando, os chamados pela libertação e a luta contra a ocupação estavam no centro da manifestação. A mobilização em Haifa ganha cada vez mais força. Resta saber se a pequena abertura da polícia não voltará rapidamente a ser a ditadura brutal tradicional do sionismo.