O golpismo da esquerda pequeno burguesa já foi denunciado diversas vezes nesse Diário, diversos grupos já aderiram à tese de que se deve combater o “governo Lula-Alckmin”. É o caso do PCB, que em sua última reunião do Comitê Central, em fevereiro, publicou essa política em sua nota “Os rumos da luta de classes sob o governo Lula-Alckmin”. Mas esse não é o único grande erro do partido stalinista, eles também fazem questão de apoiar a repressão estatal supostamente contra os bolsonaristas. A defesa feita pelo PCB, e por um grande setor da esquerda, da palavra de ordem “sem anistia” esconde o ataque aos direitos democráticos.
A primeira tese citada já foi abordada em outro artigo neste diário. O texto então segue explicando a tese do “sem anistia”: “Devemos agitar amplamente a palavra de ordem “Sem anistia”, em favor da condenação de Bolsonaro, Mourão e todos seus cúmplices. A revelação dos gastos de Bolsonaro e seus consortes com cartões corporativos expressa o desdém desse bando genocida com a miséria e a fome do povo, além do envolvimento nos esquemas de corrupção e financiamento das manifestações golpistas país afora. Soma-se a isso o crime de genocídio perpetrado contra os povos indígenas, em especial os Yanomami, associado à cumplicidade com os garimpeiros que agem ilegalmente em terras indígenas. Tudo sob a anuência e, em alguns casos, até mesmo apoio logístico das autoridades civis e militares!”
O primeiro ponto é da palavra de ordem em si. Se a política é a de punição para Bolsonaro, Mourão e os seus cúmplices se deveria pedir exatamente isso, a punição. Uma pauta antiga da esquerda é a punição para os generais e torturadores da ditadura militar, ela aparece nos atos como “punição para os torturadores!”. A anistia, por outro lado, também costumava aparecer nos atos da esquerda, que sempre defenderam esse direito. Na ditadura houve uma enorme luta para se anistiar os presos e exilados políticos. Houve também muitas outras campanhas pela liberdade de presos políticos como Rafael Braga, Rodrigo Pilha, o presidente Lula e tantos outros.
A exigência de punição sempre foi algo pouco levantado pela esquerda, pois o movimento operário compreende de longa data que a repressão do Estado burguês sempre recai sobre os oprimidos e quase nunca sobre os opressores. A “punição para os torturadores” é um dos poucos casos que a esquerda levantou essa reivindicação. Lembrando que, à época, o regime político havia mudado, e a conjuntura pode permitir que aqueles que controlavam o regime sejam punidos. Como já se viu em muitas revoluções.O Brasil, no entanto, está longe disso, não houve revolução, não houve mudança de regime, só houve mudança de governo. E o governo Lula, além de tudo, está longe de controlar o aparato de repressão.
O PCB levanta ainda a questão do cartão corporativo e da corrupção, o que mostra o tamanho da influência da imprensa burguesa sobre o partido. Os 4 anos de governo Bolsonaro foram de constante ataque contra o povo, reforma da previdência, arrocho salarial, entrega da base de Alcântara, a política genocida durante o Covid-19, privatização da Eletrobrás etc. De qualquer forma, a política de punir Bolsonaro por sua política neoliberal contra os trabalhadores leva à questão de que se deveria pedir a punição também de toda a direita. Temer, por exemplo, foi mais violentamente neoliberal que Bolsonaro, mas não existe uma reivindicação por suaprisão. O PCB defende isso, pois é a política da direita, da chamada 3ª via, o bloco da imprensa burguesa, o STF e o PSDB.
O interessante é que o próprio presidente Lula se colocou contra essa política repressiva. Em sua entrevista à CNN, disse que Bolsonaro deveria ser julgado com todos os seus direitos democráticos respeitados, principalmente a presunção de inocência. Quando foi perguntado se ele apoiaria a sua extradição, ele desconversou falando que isso não era papel do presidente, ou seja, não apoia essa política de perseguição a Bolsonaro. Isso nos leva a outro argumento, Lula também sabe que Bolsonaro preso o fortaleceria, seria um enorme estímulo à mobilização do movimento bolsonarista. Eles acamparam por meses quando Lula venceu as eleições, caso Bolsonaro fosse preso se formaria uma cidade de tendas em frente a seu cárcere.
O PCB, então, cita a questão da semana, a calamidade dos ianomâmi. Isso também é usado de argumento para aumentar os pedidos de repressão. Aqui, vale destacar que os garimpeiros são vítimas da repressão estatal. Eles, na maioria, são trabalhadores pobres que não são os verdadeiros culpados pela situação do ianomâmi, mas estão sendo reprimidos. O presidente Lula também não entrou na sanha repressiva de um setor da esquerda que chegou a dar risadas das famílias de garimpeiros que tiveram seus equipamentos retidos pelo Estado. Ele fez o certo, conter a crise. Agora, é preciso dar uma condição à população pobre de Roraima para que não seja preciso cometer crimes para tentar ter uma vida digna.
O mais interessante é que o PCB se contradiz logo após defender a palavra de ordem “sem anistia”: “é bastante preocupante o movimento existente no judiciário e nas instituições estatais burguesas de caracterizar de modo genérico como terrorismo ações como bloqueios de rodovias e ocupações de prédios públicos. Se tais interpretações se consolidarem, não tardará para que todo movimento de massas urbano ou rural possa ser enquadrado como “terrorista”, pois sabemos quais são as vítimas preferenciais da coerção estatal: sempre o povo trabalhador.” Aqui eles acertam precisamente, contudo não mudam sua política. Essa é justamente a tática da burguesia, usar setores renegados para abrir precedentes para reprimir todos os trabalhadores.
O texto continua dizendo que “Devemos armar ideologicamente a luta antifascista também contra esse risco, evitando atalhos moralistas na agitação política que possam se voltar, mais tarde, contra o movimento popular.” O problema aqui não são os “atalhos moralistas”, mas algo muito mais concreto, o próprio Estado burguês. A campanha “sem anistia” é um embasamento esquerdista para a repressão do Estado, os tribunais, as polícias e os presídios, ou seja, os grandes inimigos dos trabalhadores, de todo o povo pobre. O PCB, com essa política, fortalece o Estado por confundir o quadro na esquerda, que deve se colocar sempre contra o aparato de repressão do Estado burguês.
Os stalinistas, portanto, erram em dobro. Eles primeiro se colocam contra o governo Lula, fazendo coro com a direita golpista que está em campanha aberta contra o governo. E, depois, entram em coro com a mesma direita apoiando a repressão do Estado burguês. Isso não é novidade para os stalinistas, que nunca tiveram problemas com a repressão, inclusive com setores da esquerda, e que em diversas ocasiões apoiaram os golpes de Estado organizados pelo imperialismo. A nota política do Comitê Central do PCB, portanto mais aparenta ser uma declaração de suicídio político, assim como fez o PCB no ano de 1954 quando apoiou o golpe contra Getúlio Vargas.